Promotor diz que presídios federais são “pós-graduação do crime”

Promotor diz que presídios federais são “pós-graduação do crime”

Declaração foi dada em evento com autoridades em segurança e que marca lançamento do Grupo de Trabalho da Fronteira
Ponta Porã recebeu nesta quinta-feira (3) a abertura do “MP Fronteira”, encontro entre promotores de Justiça e autoridades da segurança pública. Um dos palestrantes foi o promotor público do Estado de São Paulo, Flávio Okamoto, que fez duras críticas ao sistema penitenciário federal.

Fronteiriça e conurbada – quando as áreas urbanas de dois municípios se unem – a paraguaia Pedro Juan Caballero, Ponta Porã virou palco de disputas entre narcotraficantes, ganhando repercussão internacional. Todas essas questão foram debatidas hoje e continuarão a ser discutidas durante o evento.

O procurador-geral do MPE de Mato Grosso do Sul, Paulo César Passos, foi um dos primeiros a falar. “Precisamos viver em locais éticos e seguros para construir o que planejamos para nossa vida. Hoje quem vive na região de fronteira de MS com o Paraguai e a Bolívia enfrenta muitas dificuldades históricas, que ouço desde criança”, comenta, acrescentando.

“Fazer algo concreto para a população, algo imediato e em conjunto é fundamental para a população. Esse é o primeiro passo para transformar a região de fronteira e atender a sociedade que espera e confia no Ministério Público”, frisa Passos, ao se referir ao Grupo de Trabalho da Fronteira criado para tratar da questão.

Já o corregedor geral do MPE, Marcos Sottoriva, indicou que o MP tem que concentrar forças na área criminal e no combate à corrupção em todos os setores, inclusive na segurança pública. Ele também defendeu que o trabalho seja feito em conjunto, como acontece já em outros países do hemisfério norte.

Estudo sobre o PCC – Durante sua apresentação, o promotor paulista Flávio Okamoto mostrou alguns dados apurados durante um estudo sobre o PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa que iniciou as atividades em São Paulo e hoje atua em 23 estados do país, além de Paraguai e Bolívia.

Enquanto falava sobre a pesquisa, ele também comentou sobre alguns situações. Uma delas foi o envio de presos do crime organizado para presídios federais. “É a pós-graduação do crime”, critica o promotor. Campo Grande é uma das quatro cidades do país onde há Penitenciária Federal – as outras são Catanduvas (PR), Porto Velho (RO) e Mossoró (RN).

Além disso, Okamoto destaca que a intenção do PCC é ser uma “federação do crime”, dominando a produção da droga no Paraguai e na Bolívia, assumindo a forma de um cartel, tendo mais poder e dinheiro – situação semelhante ao ocorrido no México. Outra característica do PCC que o aproxima de máfias são os batismos.

“Não pode ser homossexual, não pode ser acusado de crime sexual e não pode assediar mulher do ‘irmão’. Nem todos são batizados. Tem os simpatizantes e até os contratados. Em muitas cidades de São Paulo, até cidade pequena, moradores falam que vão chamar os irmãos em referência ao PCC e não chamar a polícia em caso de crimes pequenos”, conta.

Estrutura – Okamoto ainda revelou parte da estrutura da facção. Em São Paulo, são 170 presídios controlados pelo grupo, enquanto em apenas 15 eles não estão presentes. Em 2011, o PCC somava 6 mil membros batizados nas penitenciárias paulistas, 2 mil membros em liberdade e 5 mil fora do Estado de São Paulo.

A complexidade da facção é grande, contando com estatuto e reformulação do mesmo. O primeiro é de fundação, 1993, incluindo alianças com os cariocas do Comando Vermelho. Em 2011, um novo estatuto foi descoberto, menos ideológico que o primeiro. O PCC também controla venda de cigarros em presídios e tem ramificações em unidades femininas e de regime semiaberto.

Há previsões de punição para membros, junto com quem o “apadrinhou” e o incluiu na facção. Em 2012, foi determinado que a cada membro morto, dois policiais da mesma corporação teriam que ser executados, em retaliação a mortes da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Desde então, 104 policiais paulistas e agentes penitenciários foram mortos.

Existe também uma nomenclatura para membros excluídos da facção: bigode no asfalto, no caso de quem sai com dívida de R$ 10 mil ou mais. Aos que devem menos de R$ 5 mil, o pagamento é ter que matar um policial, enquanto que os que devem menos de R$ 2 mil são submetidos a agressões diversas.

Outro fato curioso é a proibição de que o crack seja usado nos presídios, evitando assim que os membros viciem e “caiam” como informantes. Quem está fora, tem que pagar uma “cebola”, uma mensalidade de R$ 600, e todos os integrantes devem vender rifas com prêmios como apartamentos e carros 0 km, que são entregues de fato.

Não é problema de SP – Outra questão discutida por Okamoto é que muitos estados tratam o PCC como um problema paulista, resultando então em uma facção fora de controle atualmente, atuando em quase todo o país. “Ainda não existe um banco de dados específico do PCC. Nem São Paulo conseguiu, está tentando fazer de novo”.

Entre outros problemas citados por ele, está o fácil acesso ao celular nas cadeias, questão que segue sem resolução. Hoje, os presos estão migrando para aplicativos como o WhatsApp, o que dificulta interceptações, por causa da criptografia.
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“Para que serve isso? Para ter amante, cometer crime e mandar foto pelado”, critica Okamoto sobre o que ele considera excesso de proteção à intimidade e a criação de aplicativos que impedem o controle externo das mensagens. “Espero que o Brasil proíba aplicativos com criptografia, como o WhatsApp”, dispara.

As críticas de Okamoto também foram direcionadas a superlotação dos presídios e as penas brandas ao criminosos, que logo conseguem voltar às ruas e, com mais experiência, fica mais difícil prendê-lo de novo. A falta de efetividade no abate de aeronaves também foi alvo de questionamentos.

Soluções – Para combater tais situações, a proposta dele é que haja maior intensidade e investimentos na erradicação de lavouras de maconha. “É mais eficiente que pegar a droga no varejo”, diz. Ele voltou a pedir acesso a todos os dados disponíveis para auxiliar no combate ao crime.

“É o sonho de quem combate o crime organizado. Atualmente temos dificuldades para conseguir dados telefônicos mesmo com a lei prevendo acesso ao armazenamento de dados de forma mais moderna. É preciso haver também
mais inteligência no trabalho policial, pegar os grandes carregamentos e não o ‘aviãozinho’ que distribui droga”, argumenta Okamoto.

O promotor ainda propõe que seja oferecido salário e plano de carreira diferenciado para quem atua na região de fronteira, incentivando. “Hoje só fica na fronteira quem tem laços familiares. Outro, quando vai embora leva todas as informações com ele. Policial federal, juiz, promotor. Precisa de atrativo para fixar na fronteira”.

Por fim, Flavio Okamoto pede que haja um controle rígido nas rodovias, com scanner de grande porte e radar para identificar placas de carro. “É preciso dificultar que a droga chegue nos centros consumidores, como São Paulo e Rio de Janeiro”.

Fonte: Nyelder Rodrigues e Helio de Freitas/Campo Granden

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