Número de casos de Covid se estabiliza no Brasil, mas segue entre maiores do mundo

O Brasil tem registrado agora 67 mil novos casos por dia, considerando a média móvel de sete dias.

Desde o último dia 7, o país está no estágio estável no Monitor da Aceleração da Covid-19, da Folha de S.Paulo, que considera o volume de contaminações nos últimos 30 dias, com mais peso para o período mais recente.

Esse patamar significa que houve estabilização do crescimento de novos casos, ainda que siga em patamares elevados, de acordo com o modelo desenvolvido por especialistas da USP. Até o início do mês, o Brasil estava no nível acelerado, o que significa aumento rápido de novas contaminações.

O Brasil tem registrado agora 67 mil novos casos por dia, considerando a média móvel de sete dias, volume que se mantém desde meados de março.

Nos meses anteriores, esse número vinha crescendo rapidamente. Em 8 de janeiro, por exemplo, houve acréscimo de 10 mil novos casos apenas nesse dia (considerando a média dos seis dias anteriores).

O país não faz testagem ou sequenciamento genético suficientes para se identificar exatamente a razão da explosão. Epidemiologistas dizem que algumas das causas podem ter sido a diminuição do isolamento social durante as festas de fim de ano e o espalhamento da variante P.1, identificada primeiramente em Manaus.

Entre janeiro e fevereiro, o Brasil ficou como acelerado no monitor da Folha por 24 dias seguidos; chegou a entrar em estável, mas depois voltou a ficar acelerado entre 7 de março e 7 de abril, quando passou a estável.

Entre as capitais, Belém, Brasília e Goiânia deixaram o estágio acelerado e foram para o estável. São Paulo e Rio, as duas maiores, seguem como acelerado.

Entre os paulistas, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Campinas deixaram o acelerado.

Em relação aos óbitos, houve crescimento forte no país entre 21 de fevereiro e 1º de abril, quando o número de novas mortes diárias subiu de 1.038 para 3.118 (média móvel). Em março, estados e prefeituras aumentaram as medidas de restrição de circulação.

Desde o começo deste mês, o número fica na casa dos 3.000.
Os dados foram contabilizados na sexta (16) -aos fins de semana tende a haver queda artificial no registro de mortes e de casos, devido a esquemas reduzidos de profissionais nas Secretarias de Saúde que coletam as informações.

Pesquisador em saúde pública da Fiocruz e coordenador do InfoGripe, Marcelo Gomes afirma que a situação não pode ser vista como de tranquilidade, dado que o patamar segue alto. Ele também destaca que o sistema hospitalar ainda está sobrecarregado e terá dificuldades de absorver novas subidas (e mal consegue atender a situação atual).

Além disso, o avanço da vacinação em idades mais avançadas também pode ter alguma contribuição, afirma Ethel Maciel, epidemiologista e professora na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Os profissionais de saúde foram outro público já amplamente vacinado no país.

UTIs de 17 capitais brasileiras e o Distrito Federal estavam semana passada com mais de 90% da ocupação -no começo do mês eram 21.

A desaceleração atual de infecções e de óbitos não é suficiente para tirar o Brasil da relação de países em que a pandemia está mais grave atualmente.

O Brasil tem o terceiro maior número de novos casos e a maior quantidade de novas mortes entre as 30 nações mais populosas do mundo. A Índia é a que possui hoje o maior número de novos casos, seguida dos Estados Unidos.

Todos os estados do Sudeste brasileiro, região mais populosa do país, estão no estágio acelerado de novos casos. Mesmo assim, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou na sexta (16) distensão nas medidas de isolamento social, liberando a reabertura de parte do comércio e liberação de cultos.

No Rio, o governador, Cláudio Castro (PSC), permitiu desde o início do mês a abertura de shoppings e de restaurantes e bares até as 21h.

Os especialistas ouvidos pela Folha se dizem preocupados com a flexibilização de medidas de restrição de circulação.
O temor é que, com isso, a situação dramática atual continue sem ceder.

“Precisamos fazer alguma coisa para diminuir a transmissão, mas enquanto isso não for suficiente para desafogar o sistema não dá para pensar em diminuir restrição”, afirma Gomes, pesquisador da Fiocruz, que classifica como inaceitável o patamar de mortes atual.

Segundo o pesquisador, o momento crítico atual se originou em erros ainda no ano passado, quando a situação não foi controlada. Em um contexto com menos casos ativos, fechamentos de atividades poderiam ser mais curtos e, ao mesmo tempo, mais efetivos. No cenário atual do país, é necessário um período restritivo maior pelo grande quantidade de infecções.

“Nós nos colocamos na situação em que estamos. O remédio sabemos qual é”, diz Gomes, defendendo medidas mais duras de restrição. “É amargo, mas não fazer também é.”

Uma dificuldade para se adotar essas medidas restritivas é a oposição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), aliado ao desemprego alto e dificuldade financeira dos empresários.

Maciel diz que as medidas de restrição usadas até o momento podem não ter sido suficientes para ter impacto considerável na curva de casos e que a situação se torna ainda mais complexa considerando a variante P.1.

“Se estivéssemos conseguindo vacinar muito rápido, até poderíamos pensar em flexibilização”, diz Maciel.

Apesar do elevado número total de doses de vacina contra a Covid aplicadas, o Brasil tem sofrido, como outros países, flutuações importantes no número de imunizantes disponíveis e na velocidade de aplicação, inclusive com paralisações no uso de primeiras doses por falta de vacina.

Rosana Richtmann, médica infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, afirma ser necessária a flexibilização das restrições, mas mantida atenção e cautela.

Segundo ela, existe o risco da população entender que a situação está sob controle e diminuir ainda mais os cuidados contra a doença.

Por fim, Gomes ainda ressalta outro risco de permanecer nos altíssimos patamares atuais. O descontrole da pandemia, com dezenas de milhares de casos por dia, é um cenário fértil, uma “bomba-relógio”, segundo o pesquisador, para o surgimento de novas variantes, com risco inclusive de mutações que levam ao escape vacinal.

Os especialistas alertam que a população deve ter calma e paciência, porque a pandemia ainda está longe de acabar.

COMO FUNCIONA O MONITOR

O monitor da Folha tem como base um modelo estatístico desenvolvido por Renato Vicente, professor do Instituto de Matemática da USP e membro do coletivo Covid Radar, e por Rodrigo Veiga, doutorando em física pela USP.

A situação em cada local avaliado recebe uma classificação. Há cinco possibilidades: inicial, acelerado, estável, desacelerado e reduzido.

A fase inicial é aquela em que surgem os primeiros doentes. O Brasil já não tem nenhuma cidade com mais de 100 mil habitantes nessa situação.

A etapa acelerada é aquela em que há aumento rápido do número de novos casos. Na estável, ainda há número significativo de pessoas sendo infectadas, mas a quantidade de novos casos é constante.

Quando o número de novos casos cai ao longo do tempo de maneira considerável, tem-se a fase de desaceleração. Já na etapa reduzida há poucos casos novos (ou nenhum), levando em consideração o histórico da epidemia naquele lugar.