A vida de superluxo dos multimilionários em Dubai, o ‘playground dos ricos’

Fotógrafo belga premiado, Nick Hannes registra cotidiano de rico emirado no Oriente Médio.
BBC

“Dubai é fascinante e controversa. Tem fãs e críticos. Não gosto de dizer o que os espectadores devem pensar quando observam meu trabalho; eles devem escrever a história de acordo com suas visões e seu conhecimento.”
É assim que o premiado fotógrafo belga Nick Hannes descreve seu trabalho mais recente, registrado na capital do emirado de mesmo nome – que por sua vez faz parte dos Emirados Árabes Unidos.
Hannes evita fazer qualquer juízo de valor. Suas imagens são ambíguas, e frequentemente engraçadas – registros de um estilo de vida que pode parecer distante para muitos.

“A rápida transformação de Dubai de uma vila de pescadores no final da década de 60 para a metrópole ultramoderna que vemos hoje fascina fãs e críticos”, diz Hannes, em sua série Bread and Circuses (Pão e Circos), na qual descreve o emirado como “o playground da globalização e do capitalismo”.
“Noventa por cento da população de Dubai é de expatriados”, diz Hannes à BBC. “Dentro desse grupo extremamente heterogêneo, decidi focar principalmente na classe média alta – o segmento mais rico da sociedade. Fui para lugares onde os integrantes desse grupo vão para se divertir: casas noturnas, praias, hotéis, shopping centers.”
Com suas ilhas artificiais e construções imitando cartões-postais internacionais, Dubai pode ser considerada um parque de diversão para os mais ricos, mas Hannes decidiu ir além dos carros velozes e grifes de luxo.

“Uma importante fonte de inspiração para a série de Dubai é a Civilização Capsular, um livro do filósofo belga Lieven de Cauter”, diz ele.
De Cauter “imagina uma sociedade extremamente dicotômica: o primeiro mundo é um arquipélago de ilhas protegidas ou ‘cápsulas’, onde a vida é maravilhosa; já o segundo mundo abrange o resto: um oceano de caos e pobreza”, conta Hannes.
Apesar disso, ele destaca que suas fotos não representam nenhum ponto de vista. “Não tenho o monopólio da verdade, e, portanto, não pretendo dar respostas. Prefiro levantar questionamentos sobre a sustentabilidade, desigualdade, economia da sociedade, autenticidade, ganância. Espero que isso possa levar à autorreflexão.”

Muitas de suas fotos parecem quadros estranhos, e seus fotografados, pessoas perdidas em uma espécie de devaneio.
“Muitos desses lugares parecem surreais e oníricos, como se tudo acontecesse em um mundo paralelo onde todo mundo está feliz. No entanto, quando você olha mais atentamente, há muita ambiguidade no meu trabalho.”
Hannes visitou Dubai em 2016 e 2017.
“Assim que me acostumei com esse novo ambiente, percebi que o dia a dia era previsível e convencional. Há muitas coisas para fazer, desde esquiar a passear em safáris pelo deserto, mas senti falta da espontaneidade e a do elemento surpresa na parte moderna da cidade. Para caminhar, gostei muito mais da Deira, o centro histórico de Dubai, onde vive a maioria das comunidades asiática e muçulmana.”

Ele traça um paralelo com seu projeto. “O processo de urbanização de Dubai se parece surpreendentemente com o fenômeno da ‘capsularização’ como definido por De Cauter. Num nível local, há uma segregação entre os expatriados e os trabalhadores imigrantes. Num nível global, os Emirados Árabes Unidos podem ser considerados como uma grande ‘cápsula’, um porto seguro no instável Oriente Médio.”
O fotógrafo se inspirou em documentar Dubai depois de finalizar um outro projeto. “Trabalhando no meu último livro, Mediterranean: The Continuity of Man (“Meditterrâneo: A Continuidade do Homem”), comecei a ficar interessado no desenvolvimento urbano artificial e seu impacto na sociedade”, opina ele, que se diz encantado pela tensão entre o turismo e a proteção ambiental.
“Para o meu próximo projeto, queria mergulhar mais fundo nesse assunto – minha curiosidade me levou a Dubai, um exemplo muito famoso da urbanização excessiva e orientada pelo mercado”, assinala.
Muitos de suas fotos revelam contrastes gritantes. “O humor é uma ferramenta poderosa para atrair a atenção das pessoas”, diz Hannes. “O bom humor surpreende e faz com as que pessoas olhem mais atentamente e por mais tempo. Uso humor e ironia em minhas fotos, mas ao mesmo tempo, tento ir além. Minhas fotos não são piadas virtuais, mas frequentemente questionam nosso comportamento em relação ao mundo.”
Hannes registrou a foto acima em 2012, como parte de sua série sobre o Mediterrâneo. “O proprietário do posto de gasolina se casou naquele dia e decidiu comemorar em seu local de trabalho, em vez de alugar uma casa de festas ou um restaurante”, diz ele.
“Essa foto mostra a crise econômica na Grécia de uma forma diferente dos estereótipos a que estamos acostumados (pedintes, desabastecimento, protestos…). Estava ali coincidentemente, e passei uma noite inteira com eles. Sem dúvida a melhor e mais emocionante festa de casamento de que já participei em minha vida”.
Como uma cena de um filme do cineasta americano Wes Anderson, a imagem acima, tirada em Belarus, foi registrada durante uma jornada de um ano por Repúblicas da extinta União Soviética, em 2008.
“A escultura é parte de um memorial”, explica Hannes. “Os mais jovens – nascidos depois do colapso do bloco – estão realizando a troca da guarda da chama eterna segundo a tradição soviética, incluindo as roupas”.
Ele tem um olho certeiro para o registro que é impecavelmente construído, ao mesmo tempo desconcertante e divertido para o espectador.
“Nos meus tempos de estudante, fui fortemente influenciado pelo fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson, e a geração mais antiga dos fotógrafos que documentavam em preto e branco. Seu legado (o momento decisivo, suas composição bem-balanceadas) ainda tem um papel central na minha fotografia. Também sinto uma grande afinidade com o cineasta Jacques Tati, em relação à composição e ao uso do humor”, conta.
No trabalho de Hannes, o humor é o fio condutor para algo cada vez mais profundo, como nessa foto tirada em 2010 para um livro sobre tradições na Bélgica.
“Santo Antônio é o santo patrono dos criadores de porcos”, diz ele, explicando que antes de ser vendida em leilão, a carne de porco é exposta ao público.
“Em um primeiro momento, ao ver a foto, as pessoas riem, mas então percebem que o que elas estão vendo não é engraçado, então ficam confusas. A confusão é um bom sinal. Em vez de dar respostas, eu quero levantar questionamentos”, conclui.