Traficantes brasileiros tinham passe livre no Suriname
Quadrilha utilizava a rota como escoamento de cocaína para vários países.
Por Mario Hugo Monken em 23/02/2019 às 16:25:17
Operação da PF impede escoamento da droga para diversos países. Foto: Divulgação/PF
A quadrilha internacional que traficava cocaína em aviões e que foi alvo de uma operação da Polícia Federal essa semana utilizava o Suriname como escoamento da droga para diversos países.
Segundo as investigações, isso se devia não apenas à sua posição geográfica privilegiada, com proximidade com a Europa, América do Norte e África, mas também há indícios de que autoridades constituídas daquele país são coniventes com a prática ilícita por parte de determinadas organizações.
Relatório da investigação revelou que um dos membros da organização, o brasileiro Raimundo Prado Silva, que era conhecido pelos vulgos de Moreno, Jatobá e Trigueiro ao ser questionado sobre os riscos do transporte de entorpecentes pelo Suriname, respondeu: “Uai aqui mandamos na metade da terra… A outra metade tá no bolso.”
Submarino para transportar drogas até a Europa e África
Em diligências no Suriname, os agentes federais descobriram um semissubmersível (espécie de submarino) que chamou a atenção de várias agências internacionais de combate às drogas. A embarcação, de aproximadamente 20×07 metros, tem capacidade de carga estimada entre seis e sete toneladas. Anotações apreendidas revelaram um conjunto de coordenadas indicando uma possível rota do litoral surinamês até a costa africana ou europeia.
De acordo com a PF, o local onde o semissubmersível foi apreendido ficava a menos de 15 quilômetros da pista onde um avião foi apreendido, dias depois, com com 488 quilos de cocaína, o que levantou ainda mais a suspeita de que o submarino seria utilizado para fins de tráfico de drogas.
A aeronave interceptada decolou de Ourilândia do Norte no Pará, com destino a uma pista clandestina na fronteira com Venezuela e Colômbia, onde foi abastecida com entorpecente e, de lá, seguiu para o Suriname.
Um dos aviões da quadrilha carregado de cocaína caiu no Mar do Caribe quando seguia para Honduras possivelmente por falta de combustível. A aeronave também saiu de Ourilândia do Norte.
Ligações com barões do pó
As investigações da PF conseguiram descobrir um elo de ligação entre a quadrilha investigada, que era comandada por João Soares Rocha, e o narcotraficante Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca, considerado um dos barões do pó na América do Sul. Cabeça Branca pagava fretes para transporte de drogas ao bando liderado por João.
João Rocha, segundo apontam os autos, também teve relações com outros dois grandes traficantes brasileiros: Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, que lavou dinheiro no Pará, e Leonardo Dias de Mendonça, em uma parceria na propriedade de uma fazenda.
Uma outra aeronave pertencente ao bando foi apreendida na Guiana. Não havia entorpecentes mas os investigadores acharam coordenadas manuscritas de uma pista de pouso no Saara Ocidental, na África, que possivelmente receberia cocaína. O avião fora furtado da Associação Tocantinense de Aviação.
Para ocultar provas de que um avião transportou entorpecentes, os traficantes chegaram a incendiar uma aeronave no interior de São Paulo. Segundo a PF, isso é uma prática comum dos bandidos.
Planejamento minucioso
João Soares Rocha financiava a aquisição de aeronaves para a organização, bem como revendia aviões para traficantes de outros países. Ele negociava diretamente o valor de serviços de frete de cocaína, com compradores ou com intermediários.
João Soares Rocha realizava o planejamento do tipo de aeronave e do montante de combustível empregado a partir da quantidade de entorpecente a ser transportada e o destino final da droga, inclusive se recusando a transportar cargas que ultrapassassem a capacidade das aeronaves, sob pena de colocar em risco a operação. Do mesmo modo, arregimentava os pilotos e copilotos, que podiam ser estrangeiros, diretamente ou através de intermediários. Informava e acompanhava o deslocamento das aeronaves tripuladas desde a partida até o retorno ao Brasil.
João acessava o site da Força Aérea Brasileira para obter informações sobre o controle aeronáutico e orientava os tripulantes das aeronaves a voarem a baixa altitude para impedir possível detecção por radares de controle do tráfego aéreo.
Conforme já havia sido divulgado, os pagamentos feitos a João Rocha pelos fretes eram geralmente realizados em moeda
estrangeira e em espécie, em torno de U$ 150 mil por voo, para o transporte em média de 400 quilos de droga entre a Venezuela e o Suriname.
Esses valores lhe proporcionaram considerável elevação patrimonial que são “lavados” em atividades empresariais, especialmente na atividade pecuária (criação e engorda de gado de corte, e venda para frigoríficos – principalmente nas fazendas Paranaíba, Abelha, Cachoeira, Serra Grande, dentre
outras), na compra de terras para pastagem, garimpos e postos de combustível (Tucumã/PA e Aparecida de Goiânia/GO).
Radicado no Suriname, Raimundo Prado Silva era o responsável pelo estabelecimento de conexões da organização
com traficantes que operam naquele país e de lá escoam o entorpecente para diversas regiões do mundo, especialmente com destino aos Estados Unidos, África e Europa. Também monitorava o controle aeronáutico e alertava os membros da organização
radicados no Brasil a respeito da existência de operações de fiscalização de tráfego aéreo nos países por onde as aeronaves circulavam.