Associação de Hotéis afirma que cidade vai perder dinheiro. Regime especial foi revogado em todo o país por decreto pelo presidente Jair Bolsonaro. Cariocas se dividem sobre o fim da medida.
Por Anne Lottermann, Eduardo Pierre, Larissa Caetano* e Raísa Pires*, TV Globo e G1 Rio
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Fim do Horário de Verão faz com que dias amanheçam mais cedo
Quem acorda cedo já deve ter percebido: o dia no Rio está começando a clarear antes das 4h, algo que não acontecia há quase 35 anos. Mas não se trata de nenhum fenômeno atípico: é uma consequência do cancelamento do horário de verão.
O regime especial foi revogado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), pondo fim a uma sequência que vinha desde novembro de 1985.
Se seguisse o que foi adotado nos últimos anos, a edição 2019/2020 deveria ter começado no último fim de semana – tanto que choveram relatos nas redes sociais de que celulares adiantaram uma hora à 0h deste domingo (20). O “bug” já foi corrigido.
Como o Rio de Janeiro – assim como as regiões Sudeste e Sul e parte do Centro-Oeste – não vai ajustar o relógio neste verão, a claridade, naturalmente maior nesta época do ano, vai ser percebida cada vez mais cedo. Vai ter dia em dezembro despontando às 3h33.
Globo terrestre no Planetário: inclinação da Terra causa a diferença da duração do dia — Foto: Marcos Serra Lima/G1
A astronomia por trás do horário de verão
O G1 foi até o Planetário da Gávea, na Zona Sul do Rio, para entender os conceitos por trás do horário de verão.
O primeiro tem a ver com o horizonte. Tecnicamente, o dia começa quando, do ponto de vista de quem observa, o sol cruza a linha do horizonte e passa a ser visto – ou “nasce”.
“O sol é muito brilhante. Antes de ele ficar visível, a claridade dele se espalha pela atmosfera”, ressalta Alexandre Cherman, diretor de Astronomia do Planetário do Rio. “A mesma coisa acontece depois do anoitecer”, emenda.
Na astronomia, esses “fiapos de luz” ocorrem no crepúsculo, ou a transição do dia para a noite, e vice-versa.
Um outro conceito é a insolação – não o mal decorrente da exposição excessiva ao sol, mas seu “xará astronômico”. “É a quantidade de luz ao longo do ano”, ensina Cherman.
“No inverno, as noites são mais longas, e os dias, mais curtos; no verão, isso se inverte”, sintetiza.
“Isso acontece porque o eixo da Terra é inclinado, e ao longo do ano o planeta gira ao redor do Sol. Então, dependendo da época do ano, você vai receber mais ou menos luz solar”, detalha o astrônomo.
A insolação está diretamente ligada à duração do dia, incluindo os crepúsculos. “Aqui no Rio essa diferença nem é tanta assim”, pondera Cherman.
Mas há diferença. No inverno, a noite chega a durar dez horas e meia; no solstício de verão, o breu total mal passa sete horas e meia.
E como esses conceitos se aplicam ao horário de verão? “É uma mudança arbitrária do seu fuso horário”, define Cherman. “Você pega o intervalo de tempo de claridade e move uma hora para frente”, diz.
Por que o governo aboliu o horário de verão
O objetivo do horário de verão era aproveitar os dias mais longos para obter um melhor aproveitamento da iluminação natural, principalmente no horário entre 18h e 21h. Nesse horário, as lâmpadas dos espaços públicos são ligadas, boa parte da população chega em casa e parte do comércio, escritórios e indústria continua ativa.
Mas, nos últimos anos, mudou o padrão de consumo do país. Lâmpadas incandescentes foram substituídas por lâmpadas mais eficientes, e o horário de pico de energia se deslocou do início da noite para o meio da tarde, por volta das 15h, devido ao aumento expressivo do uso de ar-condicionado.
Estudo do Ministério de Minas e Energia divulgado no ano passado já apontava para a perda de efetividade do horário de verão. Segundo a nota técnica, a adoção de outros instrumentos regulatórios, como a tarifa branca e preço por horário, poderia produzir resultados mais relevantes para o setor elétrico.
“Nas últimas edições a economia não foi muito significativa”, acrescentou Cherman.
Ao assinar o decreto, Bolsonaro admitiu que sempre reclamou do horário de verão.
“As conclusões foram coincidentes: questão de economia, o horário de pico era mais pra 15h, então não tinha mais a razão de ser, não economizava mais energia; e na área de saúde, mesmo sendo uma hora apenas, mexia com o relógio biológico das pessoas”, disse.
Pedra do Arpoador: aplausos para o pôr do sol serão mais cedo este ano — Foto: Marcos Serra Lima/G1
Associação de hotéis vê perda de receita
O Hotéis Rio (antiga ABIH-RJ), entidade que representa o setor na cidade, defende que o horário de verão “é relevante para a atividade turística”.
“O verão é a estação do Rio de Janeiro, é a cara da cidade”, afirma Alfredo Lopes, presidente do Hotéis Rio. “Pessoas na praia até mais tarde, praticando esportes, barzinhos funcionando… e gente que trabalha em empresas, quando sai do escritório vê aquele pôr do sol fantástico”, enumera como vantagens.
“Eu não sei em outras cidades, mas no Rio a gente perde uma energia muito grande”, afirma Lopes. “Em consumo, gastos, arrecadação, empregos”, estende.
“O turismo do Rio perde dinheiro. O grande prejuízo é que você não marca sua altíssima temporada”, sustenta Lopes.
Cariocas se dividem
O G1 também foi às ruas perguntar aos cariocas se o sol mais cedo está fazendo diferença e se o horário de verão está dando saudade.
A favor do horário de verão
- Antônio Martins Neto, ambulante: “No horário de verão tem mais pessoas, e a gente vende mais sorvete. Vem mais criança à tarde”
- Ketlin Oliveira, consultora comercial: “Tem que ter, é essencial o povo curte mais! Vai fazer bastante falta”
- Cristina de Figueiredo, analista: “É mais seguro chegar em casa com o dia claro”
- Bruno Campos Pena, formado em eletrotécnica: “O dia fica mais útil, para mim é funcional”
- André Marini, fotógrafo: “Vou sentir muita falta. Eu chegava em casa com a luz do dia e dava uma caminhada. Agora acabou”
Contra o horário de verão
- Ailton Aguiar, pintor automotivo: “Estou maravilhado porque acabou. Para mim não é nada útil. Eu saio cedo de casa”
- Clemilda de Carvalho, pensionista: “Amei não ter horário de verão. À noite a gente dorme mais, é muito melhor do que mexer no que está quieto, no natural da vida”, diz.
- Thiago França, corretor de seguros: “A gente tem uma rotina, nosso corpo já está acostumado, e acaba tudo mudando”, diz.
- Marcos Vinícius Xavier, professor de educação física: “É bom quando você está de férias. Quando você tem que acordar cedo para o trabalho é mais complicado”
- Elaine Brito, professora: “Acordo às cinco da manhã, estaria tudo escuro. E a adaptação é muito difícil”. G1