Com uma trajetória de chamamé, o músico resgata que viveu no grupo Canto da Terra e hoje ao lado do Trem Pantaneiro
Foi depois de se sentir incomodado ao ver um menino mais novo aprendendo a tocar acordeon que Marlon Maciel, na época com 13 anos, decidiu que aprenderia sozinho, a todo custo, os segredos daquele complexo instrumento. Mais de 30 anos depois, ficou tão bom no negócio que a vida gira em razão do instrumento. Hoje, ele é o grande nome dos bailões em Mato Grosso do Sul. Roda o interior do Estado, com composições próprias, realizando sonhos que antes nem passavam pela sua cabeça.
Referência no chamamé, no vanerão, no xote, rancheira e no sertanejo, a trajetória não poderia ser de mais sucesso dentro da música regional. Marlon ajudou a fortalecer os nomes das maiores bandas do estilo por aqui. Começou ao lado do grupo Uirapuru em 1988, formou o famoso Canto da Terra anos depois, em 1993, e desde 2004 toca um grupo próprio, o Marlon Maciel e o Grupo Trem Pantaneiro, além de ter retomado à formação original do Canto da Terra em 2014.
Muito bom de prosa, o músico nos recebeu em sua casa, que também funciona como escritório e estúdio, para contar todos os causos de sua vida ao lado de Neguinha, apelido do acordeon que o acompanha desde 1993. Das memórias, uma das mais marcantes, talvez pela importância da música até hoje é de quando a composição de “Sarandeiro” surgiu, literalmente, em sua mente, num momento improvável, enquanto levava seu carrinho para lavar, no ano de 93.
A caminho do antigo Clube da Amizade, na rua Tiradentes, Marlon parou em um posto de gasolina para deixar seu carro para lavar. “Lembro exatamente como se fosse hoje, eu estava sentado na mesa e veio uma música na cabeça, de supetão, e eu pensei: ‘preciso escrever isso daí’. Fui ao escritório do posto, tinha uma atendente, pedi uma folha sulfite, e comecei a escrever a música inteira enquanto lavava o carro”. Esse sulfite emprestado está com Marlon até hoje, guardando as memórias de uma música que marcou sua trajetória e a história do segundo grupo que participou na vida, o Canto da Terra.
Por mais distante que parecesse de se tornar fonte de renda de Marlon, a música sempre esteve inserida em sua casa. Seus pais eram – e continuam sendo – apaixonados por ouvir um bom som. Seu avô, Manoel Maciel, conhecido por Mané, tocava gaita ponto, e seu tio, irmão de sua mãe, Maciel Correa, tocava acordeon. “Meu pai tinha em casa um acordeon velho, parado. Quando ele saia eu aproveitava para pegar o instrumento e ficar dedilhando. Encuquei que queria aprender e fui, sozinho, atrás de conhecimento”.
Autodidata desde o princípio, o músico aprendeu de tudo um pouco nesses anos dentro da música. Se no início ele precisava se deslocar ao lado dos colegas para os estados do Rio Grande do Sul e para São Paulo gravar um disco, hoje é Marlon quem produz, divulga e agencia suas produções e sua carreira.
“Lembro que lá em 2004 eu me interessei em fazer um site mostrando minha história. Fui atrás de um profissional que na época cobrou 900 contos para montar o básico. Eu que não sou bobo nem nada, peguei um livro, devorei ele, sobre programação, e eu mesmo fiz”, cont ele num dos momentos em que de músico passou também para desenvolvedor de sites.
Retomando sua trajetória, foi por incentivo da família que, pouco a pouco, o rapaz que se encaminhava para seguir os passos do pai militar, foi perdendo a vergonha de se apresentar, sozinho, nas reuniões de amigos e de sua família. Mas a comodidade de poder tocar apenas ao lado de quem conhecia acabou quando uma amiga o convidou para tocar na festa de seu casamento, em 1988.
“Lembro que hesitei em topar o convite mas ela insistiu tanto que eu considerei. Era um sábado de Carnaval, me recordo até hoje. Chamei uma equipe de músicos para me acompanhar e naquele momento, em cima do palco, eu notei o sentimento que nutri por aquilo e percebi que aquilo poderia me render um dinheiro”, conta.
No auge de seus 18 anos precisou lidar com o trabalho fixo em uma empresa pública e o convite dos músicos Claudynei, Ireno e Edmilson, do Uirapuru, para compor o grupo. Em dado momento, percebeu que trabalhando 40 horas semanais na empresa tirava menos dinheiro do que nos shows que fazia pelo interior de Mato Grosso do Sul com o chamamé – e que tinha menos prazer no ofício tradicional. “É a partir desta data que eu considero que passei a viver da música, quando pedi afastamento de 2 anos da empresa e nunca mais voltei a trabalhar com outra coisa que não fosse a música”.
De lá pra cá Marlon carrega experiências de um músico famoso no ramo em que escolheu como seu: o da música regional. Nos bailões que ferviam no interior de Mato Grosso do Sul, até um enorme reconhecimento no Rio Grande do Sul com o Canto da Terra, na época da gravação do primeiro disco do grupo “Soy el Chamamé”, é aos trancos e barrancos que hoje se esforça para manter o seu trabalho vivo dentro da mídia.
As viagens, que eram mais frequentes no passado, perduram até hoje com as apresentações do Marlon Maciel e Grupo Trem Pantaneiro e do Canto da Terra. De tanto sucesso, eles chegavam a local aviões particulares para irem de uma ponta a outro do Estado, tanto é que hoje o músico considera já ter tocado em 80% do território sul-mato-grossense. “A gente tinha dias que fazia três shows por noite, especialmente na época dos comícios, que bombavam de gente”.
Num desses fins de semana, que vez ou outra esticavam com shows no sul e sudeste do país, Marlon perdeu o parto do filho mais novo, Alisson Maciel, mas conseguiu chegar no mesmo momento em que o caçula saia da maternidade em direção aos braços da família pela primeira vez. “Foi no dia 20 de agosto de 1994. Estava em Presidente Venceslau, de lá pra cá voei para Guarulhos e fui chegar junto com ele em Campo Grande”, se recorda.
Apaixonado pelos ritmos que fizeram dele quem é hoje, Marlon se mantem fiel a eles. “Foi o que me motivou a sair do Canto da Terra na época. Eles começaram a querer se adaptar à modinhas que tocavam, ao axé, que bombava. Pra mim aquilo não tinha nada a ver. Tanto é que meu primeiro trabalho foi de resgate total à minha origens. Quando aceitei voltar com a formação original do grupo foi porque a intenção era também voltar às produções que fizeram sucesso dentro do chamamé, da vanera e do xote”.
Hoje as apresentações do Canto da Terra acontecem quando o grupo é convidado previamente a se apresentar em algum evento. “Aí quando isso aconteceu eu levo meus músicos, do Trem do Pantanal, também, porque seria chato ir só com o outro grupo para essas viagens. Aí eu faço seguinte, quem chama o Canto tem o baile com Marlon Maciel e Trem Pantaneiro”. Já as apresentações com os parceiros do Trem acontecem mais frequentemente em Campo Grande e no interior.
Hoje Marlon lamenta a respeito do sucateamento da cultura em Campo Grande quando se lembra dos grandes shows que fez no clube Libanês, no Estoril, Bolero, e no União dos Sargentos. “A gente não pode mais fazer música aqui. Sempre incomoda um vizinho que, engraçado, quando se mudou sabia que ali tinha um clube com música alta de madrugada, mas que hoje não suporta mais o barulho”, critica.
Por isso, talvez, seu maior público está espalhado estado adentro e, porque não, fora do país. “Em janeiro eu fui convidado pela cultura da Argentina para me apresentar no Festival argentino em Corrientes. Foi muito especial até porque foi minha primeira apresentação no exterior. Então por mais que hoje esteja mais difícil, a gente vê que é reconhecido pelo nosso trabalho”.
Para os próximos dias, ele toca com Trem Pantaneiro em Sidrolândia, Água Clara, Inocência, Dourados, Laguna Carapã, Guia Lopes e Ponta Porã. Também tem um show especial marcado para acontece no Sesc Morada dos Baís em comemoração aos 40 anos de Mato Grosso do Sul.
CAMPOGRANDE NEWS