- Da BBC News Brasil em Londres
Vídeos compartilhados em TikTok, Instagram e outras redes sociais têm espalhado uma tendência perigosa: a de acusar os protetores solares de serem “inúteis” ou até causarem doenças, contrariando o que mostram as pesquisas científicas e o consenso entre especialistas da área.
Alguns desses vídeos, apresentados por palestrantes, influencers, modelos e até médicos, dizem — sem apresentar evidências concretas — que a eficácia do protetor solar é “discutível” ou que esses produtos supostamente trazem “compostos que são danosos aos neurônios“.
Outros indicam não usar o protetor solar como meio de melhorar problemas de pele (como o melasma, o surgimento de manchas escuras) ou chegam a acusar o produto de até causar câncer — de novo, sem basear as afirmações em nenhuma prova.
Há ainda alguns desses conteúdos que acusam os filtros solares de não bloquearem os raios ultravioleta do tipo C (UVC). Segundo essa linha de raciocínio, esses raios são os grandes causadores de tumores cutâneos.
O problema é que, segundo a Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória americana, e diversas outras entidades, o UVC sequer chega à superfície terrestre — ele é bloqueado pela camada de ozônio que recobre o nosso planeta.
“Assim, a única maneira pela qual os humanos podem ser expostos à radiação UVC é a partir de uma fonte artificial, como uma lâmpada ou laser”, explica a FDA.
‘Corrente perigosa’
A médica Aparecida Moraes, coordenadora do Departamento de Oncologia Cutânea da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), vê uma “tendência muito negativa” na disseminação de conteúdos sobre proteção solar em plataformas populares da internet.
“Há uma perigosa corrente nas redes sociais que criminaliza o filtro solar, como se ele fosse um produto químico que causa câncer de pele. Isso é uma irresponsabilidade”, critica ela, que também é professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Falar uma coisa dessas é um enorme desserviço. Temos três ou quatro décadas de pesquisas publicadas que revelam o papel do protetor solar na prevenção do câncer de pele”, reforça a dermatologista.
Além da própria SBD e de outras academias de dermatologia da Europa, da Austrália e da América do Norte, os filtros solares são uma estratégia recomendada para resguardar a pele por diversas entidades, como a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).
Aliás, entidades australianas lançaram neste ano uma nova diretriz sobre proteção solar que individualiza os cuidados segundo o tipo de pele (leia mais abaixo).
A OMS recomenda “a aplicação generosa de protetor solar de amplo espectro (proteção contra os raios UVA e UVB) e de pelo menos FPS 30, num total de 3 a 4 colheres de sopa cheias para todo o corpo adulto”.
“É importante reaplicar a cada duas horas, principalmente depois de suar, nadar, brincar ou fazer exercícios ao ar livre”, diz a OMS.
Vale lembrar aqui que UVA e UVB são raios ultravioletas que vêm do sol.
O UVA tem um comprimento de onda mais comprido e penetra a camada intermediária da pele (a derme). Já o UVB é mais curto e afeta a camada superficial, a epiderme.
Ao longo do tempo, a radiação vinda do sol danifica as células que compõem a pele e gera mutações genéticas que evoluem para um tumor.
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que o câncer de pele não melanoma é o tipo de tumor mais frequente no Brasil — são diagnosticados mais de 220 mil casos deles no país todos os anos.
O tamanho da desinformação
Apenas 16,6% dos conteúdos sobre proteção solar compartilhados no TikTok foram produzidos por profissionais da saúde.
Esse é um dos principais achados de uma pesquisa publicada no início de junho que foi realizada na Universidade de Miami, nos Estados Unidos.
O trabalho avaliou os 100 vídeos mais relevantes em diversas categorias que usavam hashtags relacionadas à proteção solar ou câncer de pele e que foram postados entre os dias 25 e 27 de agosto de 2023.
A análise mostra que 38,7% dos materiais têm blogueiros e produtores de conteúdos relacionados a temas de beleza e estética como autores. Na sequência, 33,7% dos vídeos vêm de consumidores ou pacientes.
A dermatologista Heather Woolery-Lloyd, que orientou o estudo, destaca que o fato de influencers “dominarem” esse mercado não é algo necessariamente preocupante.
“Precisamos ser cuidadosos, pois existem muitos blogueiros de beleza que fazem um importante trabalho de educação e informação em saúde da pele, que é baseado em evidências científicas“, diz.
“No entanto, acredito que há demanda por uma maior presença digital de médicos, para que as pessoas tenham acesso a uma visão balanceada sobre o tema”, opina Woolery-Lloyd.
Segundo a dermatologista, influencers poderiam focar nos aspectos práticos da rotina de cuidados com a pele — como analisar a facilidade no uso dos produtos e a experiência que eles tiveram.
“Esse tipo de conteúdo pode ser muito útil para os consumidores”, diz ela.
“Mas nós, profissionais da saúde, podemos usar esses espaços para falar como os diferentes protetores solares funcionam, que tipo de doenças eles previnem, quais são os ingredientes, os tipos mais indicados para cada tipo de pele…”, exemplifica a médica.
Ela também cita a possibilidade de desmentir conteúdos falsos para orientar as pessoas sobre como manter a pele saudável de acordo com as diretrizes das sociedades de especialistas.
“E precisamos levar em conta que o TikTok se tornou uma das principais ferramentas de busca de informações”, complementa a estudante de medicina Rachel Lin, outra autora do estudo.
Embora os pesquisadores reforcem que os conteúdos sobre proteção solar no TikTok produzidos por pacientes e influencers não representem automaticamente uma ameaça, eles se mostram preocupados com o risco das informações falsas quando o assunto é a saúde da pele.
O próprio estudo da Universidade de Miami destaca as estatísticas compiladas por um outro levantamento realizado em 2022, em que informações falsas foram detectadas em 15,6% dos vídeos sobre câncer de pele.
Além disso, 18,7% desses conteúdos traziam mensagens favoráveis aos métodos de bronzeamento artificial, que são considerados danosos por acelerar o envelhecimento da cútis e aumentar o risco de tumor nesse tecido.
Então, qual é a melhor maneira de resguardar a pele do sol?
Cuidados personalizados com a pele
Basicamente, como citado no início da reportagem, as entidades de saúde sempre recomendam a aplicação de filtros com Fator de Proteção Solar (FPS) acima de 30.
Também é importante que esses produtos tenham um amplo espectro de ação — ou seja, resguardem contra os raios ultravioleta A (UVA) e B (UVB).
É possível encontrar todas essas informações nos rótulos dos protetores.
Em linhas gerais, segundo as diretrizes feitas por associações de dermatologia, os protetores devem ser usados todos os dias, com maior atenção quando há exposição prolongada ao sol ou quando a radiação está muito elevada.
Mas é claro que as opções disponíveis em supermercados e farmácias estão cada vez mais diversificadas.
“Temos produtos mais finos e aquosos, parecidos a geis, e outros mais cremosos, que lembram até pomadas”, destaca Moraes.
“Cada consumidor tem que avaliar qual alternativa facilita o uso no dia a dia. Pessoas com a pele mais oleosa geralmente se sentem melhor com um produto mais fino e aquoso, enquanto aqueles com a pele seca e quebradiça podem garantir uma cobertura melhor com as loções cremosas.”
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil reconhecem que o preço dos filtros solares é algo que ainda dificulta o acesso — mas garantem que não é necessário comprar as opções mais caras do mercado para resguardar a pele.
“Você não precisa gastar muito dinheiro para ter uma rotina de cuidados cutâneos. É possível encontrar produtos de excelente qualidade por preços razoáveis”, avalia Woolery-Lloyd.
“A relação custo-benefício dos filtros solares evoluiu muito nos últimos anos e hoje é possível comprar um frasco de 120 ou 200 ml por algo em torno de R$ 60 ou R$ 70”, estima Moraes.
“Vale também ficar de olho nas frequentes promoções que são feitas pelas próprias marcas ou pelos mercados e farmácias”, sugere.
Lin, da Universidade de Miami, destaca outras estratégias para reduzir o contato com a radiação solar.
“As peças de roupa que têm proteção UV representam uma boa alternativa, já que não exigem novas aplicações de produtos ao longo do dia e são reutilizáveis, algo positivo do ponto de vista do custo e da sustentabilidade”, lembra ela.
Aliás, usar chapéus, óculos de sol, roupas leves e compridas e outros acessórios para cobrir a pele é sempre uma boa ideia, bem como buscar o abrigo em sombras de árvores, guarda-sóis e outras estruturas.
Ainda na linha da personalização dos cuidados com a pele, há duas novidades relativamente recentes que podem facilitar a vida de muita gente.
A primeira envolve os aplicativos de celular ou tablet que informam a previsão do tempo. Muitos deles também trazem a informação do índice UV.
Quando esse indicador está alto, é preciso caprichar ainda mais nos cuidados com o sol — ou evitar ficar exposto nos horários de pico, entre 11h da manhã e 3h da tarde.
A segunda (e última) novidade tem a ver com as orientações sobre quem deve passar protetor solar de acordo com características individuais.
Tradicionalmente, como mencionado na reportagem, os grupos de dermatologia recomendam o uso recorrente de protetor solar com pelo menos FPS 30 para todo mundo. Essa segue como a principal orientação de entidades dos Estados Unidos e do Brasil, por exemplo.
“A pessoa pode fazer suas atividades, praticar esportes, frequentar a praia, desde que faça uma proteção solar adequada”, concorda Moraes.
Porém, no início deste ano, instituições australianas publicaram uma nova diretriz sobre proteção solar que leva em conta os diferentes tipos de pele.
“A Austrália sempre foi considerada a referência neste assunto, já que eles têm taxas mais altas de câncer de pele”, observa Woolery-Lloyd.
A nova recomendação sugere que pessoas com alto risco de câncer — como aquelas que têm a pele muito clara ou apresentam outros fatores que propiciam tumores cutâneos, como histórico familiar — precisam adotar uma “abordagem extremamente cautelosa”.
“Se possível, deve-se evitar ficar exposto quando o índice UV estiver alto. Em lugares abertos, é necessário sempre usar protetor solar”, diz o texto.
Já para indivíduos com um risco mais baixo de câncer cutâneo, como aqueles que têm a pele preta, a orientação australiana é “passar tempo suficiente em ambientes externos com a pele exposta, mesmo quando o índice UV está alto”.
“Nesses casos, a proteção solar não é necessária, a menos que a pessoa vá passar muito tempo exposto em um local com alto índice UV”, diz a diretriz australiana.
“Já para quem possui tons de pele intermediários, o novo consenso australiano recomenda o uso do filtro solar quando o índice UV está mais elevado”, acrescenta Woolery-Lloyd.
A mudança significativa feita pelos especialistas da Austrália leva em conta não apenas os riscos de câncer de pele, como também a necessidade de gerar uma quantidade suficiente de vitamina D e os benefícios em termos de saúde mental de possuir uma rotina de atividades ao ar livre.
Obtida a partir da exposição ao sol, a vitamina D é importantíssima para a saúde, especialmente na prevenção da osteoporose e na garantia do bom funcionamento do sistema imunológico.
Os especialistas dizem que, por via das dúvidas, é sempre importante buscar a orientação de um dermatologista — até porque existem outros problemas de pele além do câncer que surgem a partir da exposição solar prolongada.
“Pessoas com a pele mais escura podem sofrer com a hiperpigmentação, ou com o surgimento de pontos pretos de acne e manchas do melasma”, detalha Woolery-Lloyd.
“E protetor solar, óculos de sol, chapéus e roupas que protegem a pele também podem ajudar a lidar com essas outras questões”, conclui ela.