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Completei 18 anos um dia antes de sair de casa para cursar a universidade.
Convenientemente, atingi o limite legal para poder comprar bebidas alcoólicas no Reino Unido bem a tempo de visitar os bares e pubs estudantis.
Na minha primeira consulta perto da casa nova, a médica perguntou quantas unidades de álcool eu bebia por semana.
É uma forma comum de avaliar o consumo de álcool aqui no Reino Unido – 1,5 unidades equivalem a cerca de uma taça pequena de vinho.
“Cerca de sete”, respondi, calculando rapidamente algumas discretas doses de vodca com suco de laranja que eu tomava quando saía à noite com os amigos do tempo de escola. Achei que fosse pouco e nunca fui muito de desrespeitar as regras.
“Isso vai aumentar, agora que você está aqui”, respondeu a médica, com um sorriso seco.
Ela não estava errada. Em algumas semanas, eu estava alegremente esvaziando uma garrafa de vinho antes de alinhar shots no bar dos estudantes.
Eu sabia que beber demais poderia causar prejuízos para o resto da vida, mas não imaginava que minha juventude aumentasse esse perigo, em comparação com pessoas com 30, 40 ou 50 anos. Eu pensava que os riscos seriam certamente os mesmos para todos os adultos.
Se eu soubesse o que sei agora sobre como o álcool pode afetar o cérebro dos jovens adultos, eu teria sido um pouco mais cauteloso.
Aos 18 anos, meu cérebro ainda estava se transformando e só atingiria a maturidade pelo menos sete anos depois. Este processo altera a forma como reagimos ao álcool – e beber nesse período crítico pode ter consequências de longo prazo para o nosso desenvolvimento cognitivo.
Conversando com pesquisadores sobre os impactos do álcool sobre os jovens, fui também surpreendido por muitas outras descobertas.
Pesquisas em todo o mundo começam a desmentir uma série de conceitos comuns sobre a idade e o álcool, como a ideia de que a cultura da bebida na Europa continental é mais saudável do que no Reino Unido ou nos EUA. Ou que permitir que os jovens bebam em casa com as refeições ensina a eles o consumo responsável do álcool.
Decidir se as novas descobertas científicas devem ou não alterar nossas leis atuais sobre a bebida é uma questão política complexa. Mas o maior conhecimento dos fatos pode, pelo menos, permitir que as gerações futuras tomem decisões mais informadas sobre suas formas de confraternização – e podem ajudar os pais a decidir como lidar com o álcool dentro de casa.
Corpos pequenos, cérebros grandes
Antes de tudo, vamos deixar um ponto muito claro: o álcool é uma toxina. Seus riscos incluem acidentes fatais, doenças do fígado e muitos tipos de câncer.
Até pequenas quantidades podem ser carcinogênicas, o que levou a Organização Mundial da Saúde a declarar que “quando o assunto é o consumo de álcool, não existe quantidade segura que não afete a saúde”.
Mas poucas atividades são totalmente livres de riscos e os perigos costumam ser ponderados em comparação com os prazeres que o álcool pode gerar. Por isso, nossas políticas de saúde são orientadas pelo princípio de limitação dos danos, bebendo moderadamente.
Nos Estados Unidos, este nível é definido como não mais de duas doses por dia para os homens e não mais de uma dose por dia para as mulheres. E muitos outros países estabelecem orientações similares.
A cerveja e o vinho costumam ser considerados bebidas mais seguras, como indicam as orientações americanas, mas o fator importante não é o tipo de bebida e sim a quantidade de álcool consumida.
“Uma cerveja de 350 ml tem aproximadamente a mesma quantidade de álcool de uma taça de 150 ml de vinho ou uma dose de 45 ml de licor”, dizem as orientações vigentes nos Estados Unidos.
A legislação sobre a idade em que é permitido comprar bebidas alcoólicas segue lógica similar à limitação dos danos. A lei protege as crianças e permite aos jovens adultos fazer suas próprias escolhas.
Na maioria dos países europeus e no Brasil, a idade mínima é de 18 anos, enquanto, nos Estados Unidos, é de 21 anos de idade.
Mas o álcool pode ser mais perigoso para os mais jovens por diversos motivos, mesmo após a idade mínima estabelecida por lei. Um deles é o tamanho e o formato do corpo.
Os adolescentes não atingem a altura que terão na vida adulta antes dos 21 anos. E, mesmo depois que pararem de crescer, eles podem não ter o volume corporal de uma pessoa na casa dos 30 ou 40 anos de idade.
“Beber um copo de álcool, portanto, resulta em teor de álcool no sangue mais alto nos jovens do que nos adultos”, afirma Ruud Roodbeen, pesquisador em pós-doutorado da Universidade de Maastricht, na Holanda. Ele é o autor do livro Beyond Legislation (“Além da legislação”, em tradução livre), que examina o impacto do aumento da idade mínima para beber.
A estrutura reduzida do corpo dos adolescentes também é caracterizada por maior relação entre a cabeça e o corpo.
Eu certamente tenho consciência de que me parecia um pouco com um daqueles bonecos “cabeçudos” de brinquedo. E essas proporções relativas também podem influenciar os efeitos do álcool nas pessoas.
Quando você bebe álcool, ele entra no seu fluxo sanguíneo e se espalha pelo corpo. Em cinco minutos, o álcool atinge o seu cérebro, cruzando facilmente a barreira hematoencefálica que costuma proteger o cérebro contra substâncias prejudiciais.
“Uma parte relativamente grande do álcool acaba no cérebro dos jovens e esta é mais uma razão que os leva a terem maior propensão a ficar intoxicados pelo álcool”, explica Roodbeen.
Modelando o cérebro
As mudanças que ocorrem dentro do crânio são igualmente importantes.
No passado, imaginava-se que o desenvolvimento neural humano terminasse no início da adolescência. Mas um grande número de pesquisas demonstrou recentemente que o cérebro dos adolescentes sofre um recabeamento complexo que só termina, pelo menos, aos 25 anos de idade.
As mudanças mais importantes incluem a redução da “massa cinzenta” à medida que o cérebro elimina as sinapses que permitem a comunicação entre as células.
Paralelamente, a massa branca (conexões de longa distância conhecidas como axônios, cobertas com uma camada de gordura isolante) tende a se proliferar.
“Elas são como as super-rodovias do cérebro”, explica a neuropsicóloga Lindsay Squeglia, da Universidade Médica da Carolina do Sul, nos Estados Unidos. E o resultado é uma rede neural mais eficiente, que pode processar informações com maior rapidez.
O primeiro a amadurecer é o sistema límbico, relacionado ao prazer e à recompensa. “Estas áreas estão totalmente adultas durante a adolescência”, explica Squeglia.
Já o córtex pré-frontal, localizado atrás da testa, amadurece mais lentamente. Esta região é responsável pelo pensamento de ordem superior, incluindo a regulagem emocional, tomada de decisões e autocontrole.
O relativo desequilíbrio entre o desenvolvimento dessas duas regiões pode explicar por que os jovens e adolescentes tendem a assumir mais riscos do que os adultos. “Muitas pessoas descrevem o cérebro dos adolescentes como tendo um acelerador totalmente desenvolvido sem freios”, compara Squeglia.
Mergulhar nossos neurônios em álcool – que sabemos que libera a inibição – só pode amplificar essa busca de adrenalina. E, para os adolescentes particularmente impetuosos, o álcool pode criar um círculo vicioso de mau comportamento e delinquência.
“Os adolescentes mais impulsivos tendem a beber mais e beber aumenta a impulsividade”, explica Squeglia.
Em volumes e frequências suficientemente altos, a bebida pode prejudicar o desenvolvimento de longo prazo do cérebro dos adolescentes.
Estudos longitudinais associam beber cedo ao declínio mais rápido da massa cinzenta e à redução do crescimento da massa branca. “Essas super-rodovias não recebem a mesma pavimentação em adolescentes que começam a beber”, segundo Squeglia.
As consequências podem não ser imediatamente evidentes em teste cognitivos. Nos cérebros jovens, as regiões responsáveis pela solução de problemas podem trabalhar um pouco mais para compensar o déficit. Mas elas não conseguem manter esse acompanhamento para sempre.
“Depois de vários anos bebendo, observamos menos ativação do cérebro e desempenho inferior nesses testes”, afirma Squeglia.
Beber cedo também pode prejudicar a saúde mental e aumenta o risco de abuso de álcool em fases posteriores da vida. Isso é particularmente válido para pessoas com histórico familiar de alcoolismo – quanto mais cedo elas começam, maiores são as chances de desenvolver problemas com a bebida.
Os genes associados ao maior risco de abuso de álcool parecem ser mais influentes durante esse período crítico do desenvolvimento cerebral. “E, quanto mais tempo alguém puder esperar, menor a probabilidade de que esses genes entrem em ação”, segundo Squeglia.
E o modelo europeu?
Como essas descobertas podem influenciar as escolhas dos adolescentes e as decisões dos pais sobre como e quando devem permitir que eles bebam em casa?
“Nossa mensagem é ‘atrase o máximo que puder'”, orienta Lindsay Squeglia, “pois o seu cérebro ainda está em desenvolvimento, e deixe seu cérebro se desenvolver e ser o mais saudável possível antes de começar a se aventurar em coisas como o uso de álcool e outras substâncias.”
Mas, se este conselho deve ser estabelecido em lei, já é outra questão.
Squeglia afirma que, nas suas palestras públicas sobre o consumo de álcool, membros do público costumam levantar a questão do “modelo europeu de beber”. Em países como a França, menores de idade são autorizados a beber uma taça de vinho ou cerveja para acompanhar a refeição da família.
Mesmo fora da Europa, muitos pais acreditam que a introdução lenta do álcool em contextos controlados ensina os jovens a beber com segurança e reduz o consumo de álcool em excesso com mais idade, enquanto a restrição leva a bebida a ser um tentador “fruto proibido”.
Mas este é um mito.
“As pesquisas demonstraram que, quanto mais permissivo for o pai com o consumo, maior a probabilidade de que o filho tenha problemas com álcool em fases posteriores da vida”, afirma Squeglia.
Uma análise abrangente indica que, contrariando a crença do fruto proibido, “os pais que impõem regras rigorosas relativas ao consumo de álcool por adolescentes são esmagadoramente relacionados ao menor consumo de bebidas e à redução dos comportamentos de risco atribuídos ao álcool”.
E a maior parte das evidências indica que leis mais rigorosas de proibição do consumo de álcool, com maior idade mínima para compra, também incentivam o consumo responsável.
Um exemplo é um estudo de Alexander Ahammer, da Universidade Johannes Kepler de Linz, na Áustria. Lá, qualquer pessoa com mais de 16 anos pode legalmente comprar vinho ou cerveja.
Se as leis mais rigorosas apenas aumentassem o desejo pelo álcool, seria de se esperar que a Áustria tivesse uma cultura de bebida mais saudável que os Estados Unidos, onde a idade mínima para beber é de 21 anos. Mas não é o caso.
Os dois países observam aumento do consumo excessivo de álcool depois que as pessoas atingem a idade mínima. “Mas este salto é 25% mais alto na Áustria aos 16 [anos] do que nos Estados Unidos, aos 21”, afirma Ahammer.
Em outras palavras, esperar parece incentivar o comportamento mais responsável quando os americanos são autorizados a comprar bebidas legalmente.
Ao questionar os participantes sobre seu comportamento, Ahammer concluiu que as percepções dos austríacos sobre os riscos associados à bebida são radicalmente diferentes entre os maiores de 16 anos.
“Quando o álcool passa a ser legal, os adolescentes percebem que ele representa muito menos riscos do que antes”, afirma Ahammer.
Aos 16 anos, essa falsa sensação de segurança pode ser perigosa, enquanto, aos 21, o cérebro mais maduro está um pouco mais preparado para lidar com a bebida.
A própria ideia de que a cultura europeia da bebida seria mais saudável também não se justifica. Segundo a Organização Mundial da Saúde, dados indicam que a metade de todos os casos de câncer que podem ser atribuídos ao álcool na região da Europa são causados pelo consumo de álcool leve a moderado.
Considerando as evidências científicas, deveriam os governos definir a idade legal mínima de 25 anos ou mais, depois que o cérebro terminou seu desenvolvimento?
Especialistas indicam que esta decisão não é tão simples, já que os benefícios à saúde pública precisam ser avaliados tendo em vista a percepção das pessoas sobre a liberdade pessoal.
“Acho que existe muito pouca disposição entre o público para adotar a idade de 25 anos para beber”, afirma James MacKillop, estudioso da dependência da Universidade McMaster em Hamilton, Ontário (Canadá).
Para ele, “altas idades legais mínimas são consideradas paternalistas e podem ser vistas como hipocrisia se a idade legal da maioridade para votar ou servir o exército for de 18 ou 19 anos”.
Ahammer concorda. “Em algum momento, precisamos simplesmente permitir que as pessoas tomem suas próprias decisões.”
MacKillop sugere que os adolescentes recebam melhor educação sobre os riscos do álcool e as formas em que a substância pode prejudicar o cérebro em amadurecimento.
“Considerar simplesmente que as pessoas irão desenvolver naturalmente hábitos responsáveis em relação a essas drogas é uma premissa bastante otimista”, segundo ele.
Analisando minha adolescência, eu teria ficado curioso para conhecer a contínua transformação do meu cérebro e os efeitos que o consumo de álcool poderia ter sobre as suas conexões.
Não acredito que eu teria sido abstêmio – afinal, ainda bebo até hoje, mesmo conhecendo os riscos de longo prazo à saúde. Mas talvez eu tivesse pensado duas vezes antes de pedir uma nova rodada.
* David Robson é um escritor de ciências premiado. Seu próximo livro (em inglês) chama-se As Leis da Conexão: A Ciência Transformadora de Ser Social, a ser publicado em junho de 2024 pela editora Canongate (no Reino Unido) e pela Pegasus Books (nos Estados Unidos e no Canadá). Sua conta no X (antigo Twitter) é @d_a_robson. Ele também pode ser encontrado com o nome @davidarobson no Instagram e no Threads.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês).