Esta semana o mundo inteiro foi chacoalhado com a notícia de que o Sistema Solar poderia voltar a ter nove planetas. Não, não se trata da volta de Plutão através de algum tapetão cósmico, mas algo mais interessante: a possibilidade de haver um outro e ainda desconhecido planeta no nosso sistema.
Outro planeta ainda desconhecido? Como é isso?
Assim, os astrônomos Mike Brown e Konstantin Batygin (um fera da computação matemática), analisaram as órbitas de 13 KBOs, sigla para objetos do cinturão de Kuyper em inglês, aqueles mundinhos gelados que estão além da órbita de Netuno. Eles notaram que todos eles têm o seu ponto de máxima aproximação do Sol (o periélio) muito parecidos, mais ou menos alinhados no espaço. Isso deu a ideia para a dupla de cientistas da Caltech, nos EUA, que deveria haver um elemento externo que fizesse as órbitas se alinharem artificialmente. Inicialmente eles testaram a hipótese de que essa coincidência fosse aleatória, uma obra do acaso. A conclusão foi de que as chances para isso acontecer seriam de 0,007%, ou seja, extremamente improvável.
Aí entrou a parte da computação pesada. Os dois astrônomos pegaram as órbitas dos 13 KBOs e simularam seus comportamentos em mais de 4 bilhões de anos inserindo um elemento perturbador externo. Traduzindo: a dupla simulou como as órbitas dos 13 KBOs pesquisados reagiriam à presença de outro corpo no Sistema Solar, além dos já conhecidos. De cara, aqueles que se aproximam muito de Netuno foram descartados, porque esses encontros desestabilizam suas órbitas e no final das contas eles são ejetados do sistema. Isso reduziu o número de objetos para apenas 6.
Trabalhando agora com esses seis KBOs, a dupla fez novas simulações variando a posição, a órbita e a massa do elemento perturbador até que as órbitas dos seis ficassem como as órbitas observadas. Alguns cálculos chegaram a durar meses em supercomputadores na Caltech, até que finalmente um modelo bem promissor convergiu.
Esse seria o caso de um planeta com pelo menos 10 vezes a massa da Terra, o que faria dele uma super Terra ou um mini Netuno. Além da massa, a determinação da órbita restringe seu periélio a algo como 150-250 unidades astronômicas, ou 150-250 vezes a distância Terra-Sol, e seu período (o tempo para dar uma volta no Sol) estaria entre 10-20 mil anos. Os modelos não dão uma solução única, variando-se os parâmetros das órbitas, como a inclinação por exemplo, e a massa do planeta, o efeito nas órbitas dos KBOs é o mesmo. Isso significa que o misterioso planeta pode ser até mais massivo do que isso!
Mas como até agora ninguém o descobriu?
Porque ele está muito longe. Isso tem dois efeitos que complicam sua detecção: ele é muito fraco, reflete pouca luz do Sol e se move muito lentamente. Com isso, sua descoberta exige grandes telescópios e um programa de busca sistemática, que observe uma determinada região do céu pelo menos duas vezes em épocas distintas. Outra necessidade é a de uma câmera que possa observar uma grande área do céu de uma só vez. O telescópio ideal, ao menos por enquanto, é o Subaru, um observatório japonês no alto do vulcão Mauna Kea no Havaí que, além de ter 8 metros de diâmetro, tem uma câmera que observa uma grande área do céu.
Uma tentativa foi feita há alguns anos com o satélite WISE da NASA. Ele observou o céu todo no infravermelho, o que poderia facilitar as coisas, pois nessa parte do espectro o planeta, um gigante gasoso, seria muito mais brilhante. Só que mesmo o WISE não tinha a capacidade para observar um planeta menor que Netuno na distância em que ele deve estar, segundo afrimou o próprio Brown.
Brown, que se intitula o homem que matou Plutão, já vem usando o Subaru há pelo menos um ano. Eu o sigo nas redes sociais e notei que ele estava postando desse observatório com muita frequência. Isso me chamou a atenção porque a Caltech tem dois telescópios de 10 metros também no Havaí que são considerados os melhores do mundo. Por que ele estaria lá? Perguntei se ele estava usando um espectrógrafo de alta resolução, muito comum para quem procura exoplanetas e ele me respondeu que não, era a tal câmera. Quando eu disse, “claro, você precisa varrer uma grande área do céu e não precisa de espectros”, ele parou a conversa. Existe o caso famoso de uma equipe de astrônomos espanhóis que pegou a posição do telescópio usado por Brown na observação de Haumea para anunciar sua descoberta antes dele. Talvez Brown tenha ficado ressabiado e tenha achado melhor não dar maiores detalhes da sua procura.
Então podemos bater o martelo sobre a existência do nono planeta?
As evidências são muito boas, muito mesmo. Além de explicar as órbitas dos 6 KBOs do estudo, o tal planeta, chamado informalmente de ‘Phattie’ (uma gíria dos anos 70 para legal), explicaria a estrutura dos objetos do Cinturão de Kuyper já observados. Só que nem todo mundo concorda com a análise da dupla da Caltech. Por exemplo, a exclusão de mais da metade dos KBOs usados inicialmente no estudo chamou a atenção de astrônomos da área. O fato desses 7 KBOs serem ejetados do Sistema Solar em algum momento poderia dar uma outra pista sobre as órbitas dos outros 6 que ficaram, mas, segundo esses analistas, isso foi esquecido no trabalho. O fato é que, enquanto ninguém o observar, não dá para colocá-lo nos livros.
Isso pode demorar um pouco, dadas as dificuldades do brilho e do movimento, mas no artigo publicado esta semana, Brown e Batygin dão a órbita do tal planeta. Assim, quem tiver um telescópio de 8 metros e uma câmera de campo amplo vai poder procurar pelo bicho, mas outro problema adicional é que ninguém sabe a posição do planeta atualmente. Ou seja, sabe o caminho dele no céu, mas não sabe onde ele está nesse caminho, a procura vai ter que ser feita pedaço por pedaço da trajetória.
Alguns colegas da área de Sistema Solar estimam que em 5 anos esse planeta deve ser descoberto. Talvez até menos, pois com a liberação da órbita dele e a grande vontade de passar para a história como o descobridor de um planeta (que não corre o risco de ser rebaixado futuramente), muitos astrônomos e observatórios vão entrar na disputa. Além disso, Mike Brown é obcecado em descobrir um novo planeta no Sistema Solar. Ainda no tempo em que Plutão era o nono planeta, ele fez a promessa de que iria descobrir mais um. Essa obsessão tem seu lado bom, ele desenvolveu técnicas e estratégias para fazer esse trabalho penoso ser menos dolorido. Talvez ele seja a pessoa mais indicada para essa busca.
Serão anos interessantes. Vamos ver se, assim como aconteceu com Netuno, a matemática antecipa a descoberta de um novo e até agora desconhecido planeta.G-1