Em meio a 12,9 milhões de pessoas que buscam emprego no Brasil, Larissa Silva Deloste, de 21 anos, pegou o ônibus esta semana, em São Paulo, e pensou: “Dessa vez tem que dar certo”. Ela estava a caminho da “20ª ou 30ª entrevista” em 2018.
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Em outro ponto da cidade, Gustavo Dias da Costa, de 19 anos, cadastrou o currículo em um site, olhou os classificados do jornal e saiu às ruas “onde tem bastante comércio”, de novo, à procura de placas de “estamos contratando” para funções como vendedor.
Dados divulgados hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o batalhão de trabalhadores desocupados – os que estão, como eles, nessa peregrinação – caiu no país, e o contingente dos que estão ocupados aumentou.
O movimento foi registrado entre maio e julho, após três anos seguidos de alta do desemprego nesse mesmo período.
Entre fevereiro e abril deste ano – o intervalo que oferece o panorama mais atual da situação esmiuçada por estado, faixas de escolaridade e grupos de idade da população – o recuo no índice já era percebido. Mas, apesar dos números positivos, outros dados mostram que o cenário está longe de uma melhora.
Nesta reportagem, a BBC News Brasil explica os motivos e por que o momento ainda é ruim – particularmente para os jovens, que representam 40% da população que acabou desistindo de encontrar trabalho.
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‘A situação é bastante crítica’
Se o momento atual do mercado de trabalho brasileiro fosse resumido em uma palavra, o coordenador de emprego e renda do IBGE, Cimar Azeredo, escolheria “crítico”. E diria também que “não está bom para ninguém”.
Os dados do IBGE divulgados nesta quinta, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, a Pnad Contínua, mostram 12,9 milhões de brasileiros como desocupados ou desempregados – grupo definido como o que segue em busca de emprego.
Essa multidão, identificada entre maio e julho, é 4,1% menor que a existente no período que engloba os três meses anteriores e 3,4% inferior à registrada em igual trimestre do ano passado. Mas isso pode não refletir algo tão positivo.
“Há uma desestrutura muito forte, ou seja, uma entrada de informalidade bastante agressiva”, disse Azeredo, em entrevista à BBC News Brasil ontem, quando analisou informações que já haviam sido publicadas neste mês pelo órgão indicando números parecidos.
Na pesquisa mais recente, com dados apenas nacionais, 458 mil pessoas que estavam na fila do desemprego saíram dessa estatística, em comparação com 2017, mas fizeram isso não porque foram gerados novos empregos na economia, mas principalmente porque, de tanto esperar que isso acontecesse e de procurar vaga sem encontrar, desistiram – entrando numa outra estatística da pesquisa, a do desalento.
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Informalidade só cresce
Outro grupo, por sua vez, acabou se vendo sem alternativas ou quis empreender, mas migrarando sobretudo para atividades informais, como empregadas sem carteira assinada ou com negócios por conta própria que não oferecem direitos como aposentadoria, auxílio-doença ou seguro-desemprego.
“Eu acho que a situação é bastante critica em função principalmente da quantidade de postos de trabalho com carteira assinada que o Brasil perdeu. Haja vista a importância que tem a carteira de trabalho para o o trabalhador brasileiro, principalmente o de baixa renda, essa queda na carteira vem de forma constante, sem nenhuma recuperação desde o início da crise, em 2014. Isso é grave”, analisa o coordenador.
“O desemprego em queda é, na verdade, o aumento do desalento”, acrescenta. “O Brasil nunca teve tanto desalento quanto agora.”
Quanto às carteiras assinadas, foram quase 3,7 milhões de perdas, numa comparação entre o terceiro trimestre e igual período de 2014, ano em que a economia ainda crescia, complementa o professor emérito do instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Saboia.
“Com a crise econômica, (o mercado de trabalho) piorou bastante a partir de 2015. Desde então, tem tido grandes dificuldades para mostrar alguma recuperação, pois a economia está praticamente estagnada”, observa Saboia, “ressaltando que o desemprego permanece elevado e a informalidade também nunca esteve tão alta”.
Outros dados que os especialistas apontam como alarmantes são os dos chamados trabalhadores subocupados, ou subutilizados – aqueles que estão trabalhando menos de 40 horas e querem trabalhar mais. “Essa medida subiu, ou seja, o desemprego caiu, mas a quantidade de pessoas subutilizadas no Brasil também aumentou”, analisou Azeredo em entrevista nesta semana.
Entre o desemprego e o desalento
Ao mesmo tempo em que o desemprego diminuiu no Brasil, os dados do trimestre anterior – que são mais detalhados e também apontam queda – mostram que ele aumentou para pessoas com ensino superior completo e incompleto. O desalento também subiu, e tem a cara principalmente de pessoas jovens.
No ensino superior completo, a alta na quantidade de desempregados foi de 5,05% na comparação com o segundo trimestre de 2017. Para o incompleto, chegou a 13,35% – enquanto para as outras faixas de escolaridade, caiu.
Já na comparação com o mesmo trimestre de 2014, quando o IBGE começou a enxergar piora no mercado de trabalho, a quantidade de desempregados nos dois grupos com maior qualificação mais que dobrou, enquanto para outros níveis de instrução cresceu menos.
Como, por definição, desempregado é aquele que busca uma vaga, quem continuou procurando o fez por questões relacionadas, por exemplo, a dificuldades financeiras.
Muitas dessas pessoas com ensino superior completo ou incompleto acabaram arrastadas para a fila do desemprego – a dos que buscam vaga – ao terem outras pessoas da família demitidas e se verem diante da necessidade de ajudar em casa, diz Azeredo.
Além disso, observa ele, “procurar trabalho tem um custo. É preciso sair de casa, pagar passagem, comprar alimentação, e não é todo mundo que ainda consegue fazer isso. Procurar emprego não é mais para qualquer um. É uma busca que está limitada”, acrescenta.
Mais desempregados, os jovens são a maior fatia dos que são classificados como desalentados no Brasil.
O número de pessoas desalentadas, aquelas que desistiram de procurar trabalho pelas dificuldades que encontraram no caminho, chegou a 4,81 milhões no trimestre de maio a julho, uma alta de 17,8% que significa 728 mil pessoas a mais ante igual período do ano passado.
Entre fevereiro e abril deste ano, quando esse grupo era composto por 4,72 milhões de pessoas, 40% dos que estavam enquadrados nesse perfil eram mulheres jovens, com idades entre 16 e 29 anos, e ensino fundamental incompleto.
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Mas quem tinha ensino superior completo ou incompleto também não escapou.
“Você tem 161 mil pessoas no Brasil com superior completo que estão desalentadas, ou seja, que desistiram de procurar trabalho. No superior incompleto, são 99 mil”, diz Azeredo.
“Geralmente, são pessoas que estão em uma estrutura que permite que desistam de procurar trabalho, porque têm outro arrimo de família (ou seja, alguém que sustenta a casa) da qual elas passam a depender, ou ainda aquelas que vivem de resquícios de indenização por terem sido demitidas ou têm algum outro tipo de renda extra”, observa ele.
“Porque aquela população que não tem renda alguma, essa população de certa forma hoje está na informalidade.”
A cara dos que procuram
Desde o final de janeiro, quando foi desligada de seu último emprego com carteira assinada, Larissa busca outra oportunidade em São Paulo – uma das metrópoles que viram a quantidade de carteiras de trabalho descer ao nível mais baixo desde que a PNAD Contínua começou a ser divulgada, em 2012.
O ânimo de muitos para procurar uma vaga, nesse contexto, despencou. O de Larissa também nem sempre foi o mesmo.
Entre os meses de maio e junho, “de tanto levar ‘não’ ou simplesmente ser esquecida” por quem prometia “vamos ligar e não ligava”, ela decidiu sair da fila dos que procuravam.
“O que me fez voltar agora foi a necessidade”, diz.
“Moro com a minha mãe, sou a principal fonte de renda em casa e mesmo que eu faça um ‘frila’ aqui e ali, não é todo mês que esses trabalhos aparecem. E as contas, ao contrário, sempre chegam.”
Outro fator ajudou a devolver a confiança que ela precisava para continuar procurando: estar, agora, no grupo dos recém-formados.
A possibilidade mais recente de vaga saltou aos olhos dela sexta-feira passada, em um anúncio online que buscava “assistente de marketing com ensino superior completo, perfil proativo, boa comunicação, inglês intermediário e experiência prévia”.
Larissa havia recebido o diploma de graduação em marketing no dia anterior. E, exatamente uma semana depois, estava sentada em uma cadeira como as da faculdade, com uma caneta na mão e uma ficha para preencher antes da entrevista de emprego.
Em sala de aula, os professores diziam que “o mercado não estava muito bom, principalmente para quem está saindo da universidade agora, e que se a gente encontrasse algo deveria agarrar com unhas e dentes”, lembra ela.
O professor João Saboia, da UFRJ, reforça parte desse discurso.
“Em geral, os jovens são os que enfrentam as maiores dificuldades no mercado de trabalho, mesmo quando a economia está crescendo. Portanto, não é surpresa que eles acabem sendo os mais atingidos no momento de crise. Isso ocorre pelo fato de estarem na fase de entrada do mercado, com menos experiência que os demais, muitas vezes em busca do primeiro emprego. Daí o desalento os atingir com maior intensidade”, diz o professor.
Na avaliação dele, “a situação é terrível, em termos de frustração que traz aos jovens, além da perda que representa para o potencial de crescimento do país”.
‘Mais um entre milhões’
Gustavo Dias, de 19 anos, sabe bem como é essa frustração na prática e manifesta isso se descrevendo, no Instagram, como “mais um entre milhões de desempregados” ou na legenda de uma foto em que diz “indo para mais uma entrevista que não deu certo”.
Depois de concluir o ensino médio no final de 2016, ele começou uma jornada por emprego, mas poucas vezes chegou até a fase de entrevista.
“Eu chego nos processos seletivos e tem 30 pessoas para uma vaga. E não são pessoas do mesmo nível que eu. Elas têm diploma de técnico, de administração, curso de inglês, ou já bastante experiência. E é aí que a minha situação complica”.
“Como eu não tenho experiência, as pessoas ficam receosas de arriscar e eu acabo sem a vaga. Passam 10 ou 15 na minha frente por causa disso”.
Gustavo mora na zona norte de São Paulo, com o pai, a mãe e um irmão de 2 anos.
O pai trabalhava como ajudante de pedreiro e de mudança, mas teve problemas de saúde e, por enquanto, recebe um auxílio do INSS. A mãe é auxiliar de serviços gerais em um edifício e ensinou a ele que segunda e terça-feira são os melhores dias para procurar emprego, por serem ainda o início da semana.
E é assim, praticamente todas as semanas, que o rapaz sai de casa em busca de placas ou cartazes que anunciem uma chance, ou arriscando mais ainda: batendo mesmo porta a porta onde acha que alguém pode estar precisando.
No fim do ano passado, ele conseguiu uma oportunidade sem carteira assinada substituindo um conhecido da mãe que, ao sair de férias, o indicou para “fazer um pouco de tudo”, como repositor, entregador e balconista, em uma loja que vende desde pacotes de feijão e frango assado até quentinhas para moradores das redondezas.
Em meados deste ano, o rapaz voltou ao estabelecimento temporariamente enquanto os donos procuravam outro empregado.
Em cerca de três semanas de trabalho, conseguiu menos da metade de um salário mínimo, considerando R$ 45 que recebia por dia e a soma das notas de R$ 2 que ganhava cada vez que atuava como entregador.
Ele diz que, apesar de encontrar muitas portas fechadas, não vai desistir de procurar outra oportunidade.
“Pretendo procurar e achar até o fim do ano. Eu não tenho escolha e não gosto de ficar dependente”, diz. A intenção, segundo ele, é conseguir um emprego que lhe permita também estudar. Ele quer fazer curso de Rádio e TV na universidade e faz planos de morar sozinho aos 25 anos.
“Às vezes eu penso ‘nossa, mas já entreguei mais de 20 currículos e não fui chamado’, aí fico uns três dias parado para esfriar a cabeça e volto a procurar na mesma disposição de antes. Porque tem que seguir em frente.”
Larissa, que fez mais uma entrevista esta semana e espera a resposta, também diz que não vai desistir se não der certo.
“Dizem que o segundo semestre é um pouco melhor para procurar e eu vou continuar procurando.”
Assim como Gustavo, a recém-formada planeja continuar estudando. “Se conseguir o emprego”, o plano é voltar para o curso de inglês que precisou interromper há alguns anos. E, a longo prazo, quer fazer pós-graduação, de preferência, fora do Brasil.
Apesar das dificuldades que enfrenta para encontrar vaga mesmo com o diploma em mãos, ela diz que o investimento vai valer a pena. “Com emprego ou sem emprego, o conhecimento é algo que ninguém tira da gente.”
Qual é a tendência para o mercado de trabalho?
De forma global, a tendência é muito desfavorável na questão do emprego no Brasil, diz o professor João Saboia, da UFRJ. “Desde 2017, o crescimento econômico tem sido muito fraco e as perspectivas de curto e médio prazo não ajudam”, analisa.
O professor observa que há muita incerteza sobre o resultado das eleições de outubro, e as propostas que os candidatos puseram na mesa “são muito vagas”.
Quem vencer, acrescenta ele, “terá a dura tarefa de arrumar a economia e ao mesmo tempo aplicar políticas que resultem em ampliação do emprego e renda”.
“Só com muito crescimento econômico pode-se vislumbrar alguma melhora efetiva no mercado de trabalho”, diz o professor, mas não há sinais animadores em relação a isso.
“Tendo em vista a dimensão do déficit fiscal (as despesas do governo maiores que as receitas) e os ajustes que serão necessários para um equilíbrio das contas públicas, as perspectivas de crescimento econômico não são favoráveis. Com isso, o mais provável é que o mercado de trabalho continue andando de lado nos próximos anos.”
Larissa e Gustavo, no entanto, esperam que o contrário aconteça. Ela acredita: “Uma hora a nossa vez chega”.
Fonte: BBC Brasil
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