Em entrevista ao jornal espanhol “El País”, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em relação à atual crise econômica no Brasil, não temer que voltem à pobreza aqueles que haviam saído dela durante seu governo.
“Não voltarão”, disse. “Em vez de comer carne todos os dias, pois um dia vão comer arroz, por assim dizer. Isso é passageiro.”
“Quando cheguei ao poder, tinha medo de terminar como [o ex-presidente polonês] Lech Walesa. Eu dizia a meus companheiros: não posso falhar, porque, se falhar, jamais outro trabalhador será presidente”, disse. A entrevista foi publicada nesta quinta (10).
Questionado sobre uma possível candidatura, respondeu que “nem sim, nem não”. “Eu gostaria que fosse outro. Mas, se tenho que me apresentar para evitar que alguém acabe com a inclusão social conseguida nesses anos, farei isso”, disse Lula.
Boa parte da conversa teve como mote o impeachment da presidente Dilma. O pedido, afirmou, “não tem nenhuma base legal ou jurídica”.
“O que a presidente fez foi o que todos os presidentes fazem alguma vez: financiar projetos sociais e pagar depois mediante o Estado.”
Desgraça pouca é bobagem?
Por VINICIUS TORRES FREIRE
Quando desgraça pouca passa a ser bobagem? Qual o efeito extra de uma desgraça adicional tal como, por exemplo, o Banco Central aumentar os juros no dia 20 de janeiro?
A presidente da República pode ser deposta; Eduardo Cunha continua solto. Tratar dos juros do Banco Central parece, portanto, preciosismo diversionista ou alheamento da realidade. Mas a vida continua, continua a ir para o brejo, alheia ao universo marginal de Brasília.
Mais juros, mais descrédito do país, mais deficit, tudo isso resulta em dívida pública cada vez maior. Quanto maior a dívida, maior o sofrimento social necessário para reduzi-la, maior o conflito político pelas sobras dos fundos públicos, mais comprida a crise. Não se trata pois de ninharias.
A inflação dita “oficial”, medida pelo IPCA, foi a 10,5% em um ano, soube-se ontem. Na estimativa mediana dos economistas do setor privado, deve chegar perto de 7% em 2016 e, chuta-se de modo informado, ainda seria de 5,1% em 2017. E daí?
Daí que a turma do Banco Central quer que se acredite em inflação menor que o teto da meta no ano que vem (menos que 6,5%) e que o IPCA baixará a 4,5% até o final de 2017. Como as expectativas dos povos dos mercados tendem apenas a piorar até o final de janeiro, ou bem o BC eleva os juros ou então terá renunciado a qualquer pretensão de que seja levado em consideração, o que também terá consequências.
Note-se que, aqui, não vem muito ao caso o debate da necessidade de taxas de juros ainda mais altas. O problema é que o BC se ensanduichou entre a cruz e a caldeirinha. Enfim, como se pode notar, nada de bom vai resultar dessa situação, seja qual for a decisão.
Há outros moinhos a estraçalhar as esperanças da economia.
Por exemplo, outra dessas empresas que dão nota ao crédito de governos e empresas ameaçou ontem rebaixar o Brasil, talvez entre o Carnaval e a Semana Santa, o que vai causar algum estrago extra na quantidade e no preço de crédito para empresas e governo do Brasil.
Tudo isso, meio ponto de juros aqui, um descrédito adicional ali, vai fazer diferença? De imediato, vai parecer que não. Caso o espírito da santidade e da razão baixe de súbito sobre a política brasileira, esses danos extras à economia podem ser compensados.
Afora essa hipótese, as degradações extras, que não parecem lá grande coisa, deixarão mais sequelas, até porque o déficit do governo continua também a aumentar. Para trocar em miúdos, déficits, degradação de crédito e juros mais altos vão fazer com que a dívida pública cresça com ainda mais velocidade.
Quanto maior a dívida, maior o esforço, maior a contenção de gastos públicos e/ou privados, necessário para reduzi-la, o que não apenas implica mais sacrifício social, mas também mais risco de confronto político com “p” maiúsculo.
Além da barafunda dos desclassificados em Brasília, haverá disputa social feia pelos fundos recolhidos pelo Estado ou mais inflação, que é um modo de derrotar um dos lados desse conflito, os mais pobres. A “Ponte para o Futuro”, o suposto programa liberal do pós-Dilma, e a reação que se forma entre alguns movimentos sociais são os primeiros sintomas dessa doença ruim do Brasil que vem por aí.
Fonte: EL PAÍS + Folha de S. Paulo/UOL