Países vizinhos esperam reação da economia brasileira para aliviar desconfiança com Temer
Michel Temer em cerimônia no Palácio do Planalto em setembro; avaliação de vizinhos sobre gestão dependerá de desempenho econômico, apontam políticos e analistas
Duas semanas após o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e a posse de Michel Temer (PMDB) na Presidência, políticos, empresários e analistas de países vizinhos continuam de olho na crise política brasileira e no comportamento da economia do país ─ considerado fundamental para o desempenho econômico regional.
Enquanto setores e governos mais à esquerda no continente já descrevem Temer como “inimigo externo”, analistas destacam que o novo presidente ainda é desconhecido por grande parte da população, e terá na condução da economia peça-chave para a imagem que criará de agora em diante na região.
Para os vizinhos, é difícil permanecer indiferente ao que ocorre no Brasil, maior país da América Latina. Muitos deles, como a Bolívia, dependem do Brasil.
Nos últimos dias, por exemplo, a discussão sobre a saída de Dilma e a chegada de Temer ao poder provocou divisões na base governista uruguaia e até seminários em escolas do ensino médio de Buenos Aires.
A Argentina tem no Brasil o principal destino de suas exportações, e a Bolívia exporta seu principal produto ─ o gás ─ ao país, e está prestes a negociar um novo acordo para venda do produto, lembra o analista econômico Javier Gomez, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário, de La Paz.
No caso argentino, a polarização verificada no Brasil se projeta no cenário político local. O kirchnerismo, grupo político que governou o país de 2003 a 2015, critica Temer como “golpista”, lembra Andrés Kozel, professor de Ciência Política da Universidade de San Martín.
Recentemente, Nestor Pitrola, deputado do partido esquerdista Polo Obrero, disse no plenário do Congresso argentino que Temer é um político “muito impopular” que fará “um ajuste contra os trabalhadores”.
Incógnita
Para a maioria da população argentina, contudo, Temer ainda é uma “incógnita”, afirma o economista Dante Sica, da consultoria ABECEB.
“Até o momento, o que vemos é uma indefinição. Ele (Temer) também tem envolvimento em suspeitas de corrupção. Mas é fundamental saber como a economia brasileira reagirá para vermos os efeitos no Brasil, Argentina e região”, disse.
Em 2016, segundo estimativa da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), o PIB da Argentina deverá cair 1,5% – e o do Brasil, 3,5%.
Ex-presidente da União Industrial Argentina, o deputado federal José Ignacio de Mendiguren, opositor do governo Mauricio Macri, afirmou que o “principal” para a Argentina, independentemente da luta política, é que o Brasil se recupere economicamente.
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“Nossa dependência é muito grande. Quando o Brasil vai mal, vamos mal também. E pior: o Brasil tenta aumentar exportações para nosso mercado quando não está bem. O melhor é que o Brasil se recupere logo”, disse o parlamentar, que defende interesses dos exportadores argentinos.
O presidente da Fiat na Argentina, Cristiano Rattazzi, disse que o ideal, “seja qual for o presidente”, é que o Brasil volte a crescer e “abra sua economia” ─ para ele, uma das “mais fechadas no mundo”.
O peruano Carlos Aquino, professor de economia internacional da Universidade de San Marcos, lembra que o governo Temer já mostrou que se afastará de antigos aliados políticos do Brasil, como a gestão de Nicolás Maduro na Venezuela. A expectativa maior no Peru, porém, segundo ele, é que Temer “faça algo para reativar a economia”.
Aquino diz que a nova gestão é vista como um governo de transição, em meio a um sistema político que demonstra “precariedade” com representantes que mudam de lado por “interesses pessoais.
Juan Pablo Lohlé, ex-embaixador da Argentina no Brasil, afirmou que a visita de Temer a Buenos Aires em outubro será um gesto importante para a Argentina. Disse esperar que o peemedebista “cumpra o processo institucional de terminar o mandato com plenos poderes em 2018”.
Laços fracos
O professor de Ciência Política da Universidade Autônoma do Chile Ricardo Israel lembra que Temer ainda precisa construir “laços” com líderes do país andino, algo que os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e inclusive Dilma Rousseff fizeram.
O presidente brasileiro é visto no Chile, diz Israel, como “um político experiente, mas sem carisma e voo internacional”.
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“Será a economia que irá legitimar ou afundar Temer, mas antes disso é preciso ver como ficará a situação política e judicial dos casos de corrupção que estão em pleno processo, depois da destituição de (Eduardo) Cunha”, disse.
Temer tem sido citado em artigos de opinião na imprensa uruguaia e observado com atenção especial na Bolívia, onde foi alvo de críticas duras do presidente Evo Morales.
“Evo aproveitou a saída de Dilma para encontrar um novo inimigo externo (Temer) e distrair (a população) dos problemas internos”, disse o analista boliviano Javier Gomez.
Para Gomez, porém, a política deverá abrir espaço ao pragmatismo econômico pois a Bolívia depende da exportação de gás ao Brasil.
“O governo sabe que a relação comercial com o Brasil é mais importante e terá que negociar com Temer o novo contrato do gás”, afirmou, por e-mail.
Cautela
No Uruguai, país onde o Brasil costuma ser descrito como “gigante do norte”, a cúpula da coalizão governista Frente Amplio declarou na semana passada que o governo de Temer é “ilegítimo”.
Alguns integrantes da frente, porém, não assinaram a declaração, sob justificativa de que a posse teve respaldo constitucional.
Em comunicado divulgado após a queda de Dilma, a Presidência do Uruguai afirmou que “apesar da legalidade argumentada o governo uruguaio considera uma profunda injustiça a destituição (de Dilma)”.
Horas depois da divulgação, no entanto, o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Rodolgo Nin Novoa, afirmou a uma rádio local que o Uruguai “reconhece o governo do presidente Michel Temer e não questiona sua autoridade”.
“Para nós é uma situação muito difícil. Porque mesmo sendo contra a posse de Temer não podemos romper com o governo brasileiro. Isso é impossível. Seria dar um tiro no pé. Somos ‘muy chiquititos’ (pequenos)”, disse um parlamentar governista, sob condição de anonimato.
Fonte: BBC Brasil