Como se não bastasse a polêmica envolvendo os satélites Starlink, da SpaceX — que, mesmo ainda longe de completar a constelação de até 42 mil unidades, já estão afetando negativamente algumas observações astronômicas por conta de sua reflexividade —, chegou a vez da OneWeb de dar continuidade a seu projeto similar, que visa posicionar uma grande quantidade de satélites na órbita da Terra para fornecer internet de alta velocidade a todo o mundo.
Nesta quinta-feira (6), a empresa lançou o segundo lote de seu projeto, enviando mais 34 satélites à órbita do planeta. O primeiro lote foi lançado em fevereiro do ano passado com apenas seis unidades. A primeira fase do projeto prevê uma constelação de cerca de 650 satélites, com o projeto final considerando um total de até 2 mil. A companhia espera começar a oferecer o serviço, em caráter de testes, ainda neste ano, planejando estar totalmente operacional em 2021.
Contudo, tamanha quantidade de objetos ao redor do nosso planeta, enviados em intervalos tão curtos de tempo, tem potencial de arruinar estudos espaciais feitos a partir de telescópios terrestres — e, não, abandonar esses equipamentos e utilizar apenas telescópios espaciais não é a solução.
Astrônomos diversos já vêm alertando e até mesmo mostrando provas de que os satélites da SpaceX já começaram a atrapalhar seus trabalhos mesmo com um total de 240 unidades na órbita — e, por isso, a empresa de Elon Musk está testando um revestimento escuro que, se funcionar, pode reduzir a reflexividade dos satélites, minimizando o problema causado à comunidade astronômica. Contudo, essa solução ainda não se mostrou efetiva, e o novo lançamento da OneWeb só coloca ainda mais lenha nessa fogueira.
Se a OneWeb e a Starlink derem certo, teremos quase cinco vezes mais satélites em órbita na próxima década do que todos os satélites já lançados desde o primeiro da história — o soviético Sputnik 1, em 1957. E, além de refletir luz solar, atrapalhando observações do céu noturno com tanto brilho, essas constelações também afetam a radioastronomia, pois interrompem frequências de rádio usadas para se estudar o espaço profundo.
Como a OneWeb pode prejudicar a radioastronomia
Grandes radiotelescópios foram construídos nos últimos anos, capazes de estudar objetos espaciais que emitem pouca luz visível mas emitem ondas de rádio — capturadas por essas antenas. Estamos falando de planetas e galáxias distantes, bem como de nuvens de gás e poeira onde se formam estrelas. Inclusive, a primeira imagem real de um buraco negro, divulgada no ano passado, foi viabilizada graças ao trabalho de um conjunto de radiotelescópios espalhados pelo mundo, que atuaram em conjunto como se fossem um telescópio virtual gigantesco, do tamanho da Terra.
Ou seja: caso constelações de satélites realmente atrapalhem a radioastronomia, grandes avanços no que diz respeito ao nosso entendimento do universo estão em risco. Certas frequências de rádio, usadas para essas pesquisas espaciais, são protegidas por regulamentações federais nos Estados Unidos, mas o problema é que tanto a SpaceX quanto a OneWeb planejam transmitir sinais muito próximos de uma dessas bandas usadas pela ciência — e astrônomos consideram isso potencialmente perigoso.
Jordan Gerth, meteorologista da Universidade de Wisconsin, faz a seguinte analogia: “É muito parecido com quando você tem dois apartamentos um ao lado do outro. Até certo ponto, o som em uma unidade fica confinado, mas se ficar muito alto, ele vaza”. Por isso, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA exigiu que a SpaceX e a OneWeb trabalhassem em conjunto com radioastrônomos, ouvindo o que a comunidade científica tem a alertar e, assim, impedindo um retrocesso.
Ambas vinham conversando com o Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO), centro de pesquisa financiado pelo governo, e também com a Fundação Nacional da Ciência (NSF), agência governamental independente que promove pesquisas científicas. No entanto, representantes do NRAO disseram que não receberam contato algum por parte da OneWeb por mais de dois anos. “Pareceu-me que eles estavam negligenciando sua responsabilidade”, disse Harvey Liszt, do NRAO, no ano passado, quando acionou a FCC, que, por sua vez fez a OneWeb retomar as conversas com os cientistas. Só que a empresa não chegou a assinar nenhum acordo operacional de maneira formal, que garantisse não usar as bandas dedicadas à ciência.
E, para Tony Beasley, diretor do NRAO, o impacto que os satélites da OneWeb podem causar na radioastronomia pode ser maior do que os danos que os satélites da SpaceX já estão causando nas observações do céu noturno. É que, como o projeto Starlink contará com muitas unidades para fornecer cobertura global, os raios enviados de volta à Terra pelos satélites têm pouco menos de 48 km de largura, mas a OneWeb planeja uma constelação menor com design diferente e, por isso, seus feixes são maiores, com mais de 1.120 km de largura. Isso significa que a empresa fica menos capaz de desligar temporariamente satélites que estejam passando acima de instalações de radioastronomia, porque seus clientes perderiam a conexão com a internet. Já no caso da SpaceX, até é possível dar esse “jeitinho” sem prejudicar o sinal.
Astrônomos expressaram recentemente suas preocupações com a SpaceX e a OneWeb por meio de um comitê formado pela Sociedade Astronômica Americana (AAS). Ambas as companhias têm se mostrado receptivas às críticas, ainda que uma solução, de fato, não tenha sido proposta até o momento. Mas Ruth Pritchard-Kelly, vice-presidente de assuntos regulatórios da OneWeb, garantiu que a empresa está comprometida neste sentido.
Fonte: Com informações de NY Times
Fonte: Enel