O endereço 284 Green Street, em Enfield, no norte de Londres se tornou conhecido por uma razão macabra: é o local de atividade do poltergeistmelhor documentado do Reino Unido.
A palavra poltergeist – utilizada em inglês e conhecida em todo o mundo por causa do filme de terror Poltergeist – O Fenômeno, de 1982 – vem do alemão. Poltern é um verbo que significa fazer barulho e Geist, um substantivo que significa fantasma.
Durante 18 meses, começando no verão de 1977, Peggy Hodgson, seus quatro filhos e mais de 30 testemunhas presenciais (incluindo vizinhos, detetives de fenômenos paranormais e jornalistas) viram e ouviram, dentro da casa da família, incidentes em que havia móveis em movimento e objetos voando sem razão aparente, ruídos inexplicáveis e até levitação.
A história atraiu o casal americano Ed e Lorraine Warren, investigadores de fenômenos paranormais retratados na série de filmes A Invocação do Mal. O enigma de Enfield é mostrado no segundo filme da série.
Na época, os fenômenos se concentraram nas filhas de Peggy, Janet e Margaret Hodgson. Em alguns momentos, Janet, que tinha apenas 11 anos, falava inexplicavelmente com uma voz misteriosa e rouca.
A BBC reuniu três das testemunhas de primeira mão do mistério, que ficou conhecido como “O poltergeist de Enfield”. Com a ajuda deles e de outros depoimentos da época, nossa reportagem reconta os fatos.
A penteadeira que se movia
Na noite de 31 de agosto de 1977, Peggy Hodgson entrou no quarto de seus filhos e viu uma penteadeira movendo-se sozinha.
“Eu não conseguia acreditar. Cheguei a empurrar (a penteadeira) duas vezes, mas na terceira vez não consegui movê-la”, relembra, em uma entrevista gravada na época.
O estranho episódio foi acompanhado de repetidos barulhos de batidas.
Com medo, Hodgson pediu que um de seus filhos fosse chamar seu vizinho, Vic Nottingham.
“Escutei as batidas quando entrava pela porta principal. Andei por toda a casa e não consegui entender o que estava acontecendo. Por isso, imaginei que só havia uma coisa a fazer: chamar a polícia”, disse, também em depoimento na época.
A jornalista Rosalind Morris, da BBC, Graham Morris, o primeiro a fotografar as crianças levitando, e o advogado Richard Grosse, que interrogou o “fantasma”, foram reunidos pela apresentadora da BBC Sue MacGregor
A policial Carolyn Heeps foi a primeira a chegar ao local, e viu uma cadeira deslizar, sem explicação, pelo quarto.
“A cadeira se levantou cerca de 1,5 cm do chão, e deslizou aproximadamente 1 a 1,2 metros para a direita, antes de parar”, descreveu.
No entanto, assim como Peggy Hodgson e Vic Nottingham, Heeps não sabia o que fazer.
As primeiras fotos
O fotojornalista Graham Morris, que na época trabalhava para o jornal Daily Mirror, ainda se lembra do que aconteceu quando ele recebeu um telefonema de seu editor e foi enviado à casa dos Hodgson para um trabalho que, segundo ele, “mudou sua vida”.
Para ele, era claro que os acontecimentos estranhos ocorriam quando as crianças estavam em casa – especialmente Janet.
Ao chegar na casa, ele parou na penumbra da cozinha enquanto adultos levavam, uma a uma, as crianças, que estavam dormindo.
“A última a entrar foi Janet. De repente, os objetos simplesmente começaram a voar… um pedaço de Lego, inclusive, me atingiu no olho direito”.
Até hoje, Morris se diz convencido de que os objetos da cozinha não foram atirados nem levantados por ninguém. Ele diz ter se posicionado na esquina do cômodo para ter uma visão clara de todas as pessoas que estavam ali. “Nenhuma delas estava fazendo nada”, afirma.
Em uma das sequências de fotos que fez na casa, ele mostra um momento em que Janet “levitava” em seu quarto.
“Na imagem principal, ela estava no ar, no momento em que voava. E havia subido deitada com a boca para baixo”, descreve.
Os investigadores de fenômenos paranormais
Maurice Grosse, membro da Sociedade para a Investigação Psíquica, coordenou a investigação do que estava ocorrendo na casa dos Hodgson.
“Eu mesmo vi bolas de gude se movendo de um lado para outro. Vi a porta se mover sem ajuda. E senti uma diminuição na temperatura sem explicação”, disse, em entrevista na época.
No início de novembro de 1977, ele confrontou a suposta presença na sala de estar.
“Quando perguntei: ‘Você está brincando comigo?’, me atirou uma caixa de papelão e uma almofada na cara.”
No ano seguinte, o casal de americanos Ed e Lorraine Warren, que se consideravam demonologistas, também visitaram a casa e gravaram entrevistas com os Hodgson e outras imagens dos fenômenos aparentemente sobrenaturais.
Richard Grosse, o filho de Maurice Grosse, era um advogado recém-formado quando começou o caso do poltergeist de Enfield. Como tal, ele é provavelmente o único membro da Sociedade de Direito inglesa que pode dizer que interrogou um fantasma.
“Todos os dias, no café da manhã, meu pai me mostrava uma ou duas das fitas cassete que ele tinha gravado (na casa)”, diz à BBC News.
“Elas começavam com barulhos e batidas. Em seguida, as batidas respondiam ao interrogatório.”
Quando o suposto fantasma começou a falar, Richard se tornou seu interlocutor.
A repórter de rádio da BBC
Durante a investigação de Maurice Grosse, a repórter da BBC Rosalind Morris cobriu o caso para programas de rádio.
Uma noite, ela e Grosse fizeram uma vigília noturna na casa enquanto a família dormia.
“Depois que as meninas foram dormir, ouvimos um barulho enorme vindo de seu quarto, no andar de cima”, relembra.
Morris subiu as escadas e parecia que alguma coisa tinha empurrado uma cadeira para o outro lado do quarto – a uma distância de 2,7 metros de onde o móvel estava.
Para ela, era impossível que as duas crianças, que estavam dormindo na cama, tivessem feito isso. Na época, Morris declarou que “estava convencida” de que “algo” tinha sido responsável.
A voz do ‘fantasma’
Uma voz rouca e masculina começou a ser ouvida quando as crianças estavam em algum cômodo. Ela parecia emanar de trás de Janet Hodgson, que dizia que a voz vinha da parte posterior de seu pescoço.
A voz se identificou como um antigo morador da casa, Bill Wilkins, que morreu aos 72 anos de idade.
Interrogado por Richard Grosse, ele disse que morreu de uma hemorragia. “Morri em uma cadeira que ficava em um canto do andar de baixo”, afirmou.
Quando lhe perguntaram por que Janet não podia vê-lo, a voz respondeu: “Sou invisível… porque sou um G.H.O.S.T. (a palavra fantasma, em inglês, soletrada)”.
A história de sua morte foi corroborada mais tarde por Terry, o filho do ex-morador da casa que, de fato, se chamava Wilkins.
Janet e Margaret Hodgson, as duas crianças no centro do caso, foram entrevistadas recentemente sobre suas experiências.
De acordo com Margaret, “todos estávamos em um estado terrível, muito assustados e cansados, e isso piorou na medida em que passava o tempo”.
Já Janet diz que foi “usada e abusada, houve levitação, vozes e depois… a cortina que se enrolou no meu pescoço. Isso foi muito perigoso e me fez perceber que aquilo podia me matar”.
Era realmente um poltergeist?
Muitos acreditam que a família inventou tudo, usando truques básicos de magia, para conseguir uma casa nova e maior.
Maurice Grosse chegou a ser criticado, depois de dizer que acreditava que parte dos fenômenos era brincadeira das meninas – Janet chegou a ser “pega na mentira” em alguns vídeos – mas que havia elementos genuínos que indicavam uma presença sobrenatural.
Peggy Hodgson era uma mãe solteira com quatro filhos pequenos, mas Rosalind Morris não acredita que uma casa melhor tenha sido sua motivação.
“Ela achava que sua casa era boa, e ficou nela: foi o local onde ela morreu, em 2003”, afirma.
A jornalista admite que, no início, ela mesma era extremamente cética em relação ao fenômeno e buscava diversas maneiras de explicar o “truque”. No entanto, Hodgson lhe pareceu sincera e “muito assustada”.
Richard Grosse também não acredita que o motivo da família pudesse ter sido financeiro: “Eles nunca ganharam dinheiro com isso”.
Ele também rejeita as afirmações de que Janet Hodgson sofria de Síndrome de Tourette – transtorno neuropsiquiátrico que pode se caracterizar por tiques vocais esporádicos.
“Quando a voz (que parecia vir da garota) começava, ela falava sem parar por duas, três horas”, afirma.
Seu pai, Maurice Grosse, também não acreditava na possibilidade de que a menina estivesse fazendo um truque de ventriloquismo. “Manter esse tipo particular de voz por um período de tempo sem machucar as cordas vocais é absolutamente impossível”, diz.
Janet, por sua vez, mantém uma atitude firme diante dos céticos. “Não me importa o que pensem. Eu sei o que aconteceu e sei que foi real.”
A atividade do “poltergeist de Enfield”, que começou em agosto de 1977, chegou ao fim em 1979.
Em um balanço do caso, Rosalind Morris explica que “há um ponto de vista espiritual sobre o que aconteceu – que tem a ver com fantasmas e forças externas – e uma teoria sobre forças interiores, baseada na psicologia junguiana”.
“Esta última diz que o que gera esta energia é uma pessoa jovem que está com problemas, muitas vezes relacionados à puberdade. Janet estava exatamente nesta fase da vida.”
“Não sei o que causou isso. Só sei que algo muito estranho estava acontecendo”, diz, em entrevista à BBC News.
Até hoje, não se sabe qual a explicação científica para o que ocorreu no endereço 284 Green Street, em Enfield, durante o verão de 1977.
Fonte: BBC Brasil