Apresentado à violência desde muito jovem, Francisco Lacerda lutou na Guerra do Paraguai e, pelo feito, consagrou-se um herói
Existem histórias que, dependendo de como são contadas, passam por diferentes interpretações. Enquanto, em um contexto, alguém possa parecer bom, em outro, a índole da mesma personagem ganha distintas proporções.
Esse é o caso de José Francisco Lacerda, ou Chico Diabo. Eternizado pela história militar brasileira, o gaúcho é comumente considerado um herói nacional. Quando sua lenda é contada por paraguaios, contudo, as coisas mudam um pouco de figura.
Conhecido como o responsável pela morte de Francisco Solano López, o soldado brasileiro é considerado um grande vilão no imaginário do Paraguai. Mas não se engane: por aqui, muita gente o considera um homem interesseiro.
Infância e violência
Nascido em Camaquã, um município do Rio Grande do Sul, em 1848, Francisco Lacerda era um menino brincalhão, vindo de uma família muito pobre. A condição econômica, inclusive, fez com que ele começasse a trabalhar muito cedo.
Aos precoces 15 anos, Chico foi apresentado ao mundo da violência quando deixou que um cachorro entrasse na carniçaria onde trabalhava. Furioso com os prejuízos, o patrão do menino, um italiano rígido, começou a espancá-lo.
Reza a lenda que, desesperado e lutando pela própria vida, Chico agarrou uma faca e matou seu chefe. Jovem e amedrontado, ele correu para casa e, quando estava subindo a rua, foi reconhecido pela mãe, que o chamou de diabinho.
Diabo bate à porta
Mesmo em meio a um contexto tão terrível, o apelido se espalhou e o menino logo tornou-se Chico Diabo. Com medo das consequências do assassinato, no entanto, o jovem foi enviado para a propriedade de seu tio Vicente Lacerda, em Bagé.
Não demorou muito até que Chico entrasse no universo militar, em 1865. Na ocasião, os Voluntários da Pátria visitaram a casa de Vicente e, convidado pelo coronel Joca Tavares, o jovem gaúcho aceitou fazer parte do pelotão.
Anos mais tarde, em meados de 1870, o soldado e seus companheiros foram enviados até a Guerra do Paraguai. Durante o conflito, Chico foi promovido a cabo e, logo em seguida, lutou na Batalha de Cerro Corá, cujo desfecho o consagrou como herói.
Lanças e revólveres
Em meio ao terrível embate, enquanto cavalos galopavam por um lado e facas brandiam pelo outro, Chico Diabo acertou um golpe fatal. Sua lança, comprida e afiada, havia perfurado a carne do ditador Francisco Solano López.
Como se não fosse o suficiente, o gaúcho João Soares ainda alvejou o oponente com seu revólver. Aquele era o fim do homem que, para o Paraguai, era um herói nacional e, para o Brasil, não se passava de um líder sanguinário.
Diversas teorias surgiram após o fim do conflito, dizendo que Chico Diabo teria descumprido ordens ao matar Solano. Outras fontes, entretanto, indicam que havia uma recompensa de cem libras de ouro para quem acabasse com o ditador.
História contada
Pelo considerado grande feito, Chico Diabo recebeu cem cabeças de gado e reivindicou a faca que Solano usava no dia do combate. Em 1871, o gaúcho voltou para o Brasil e casou-se com sua prima, com quem formou uma família — cujos membros vivem até hoje e, na tradição oral do Sul, crescem escutando a história do homem.
“Não vejo ele como herói”, explicou a tataraneta de Chico, Carmen Lacerda Vargas, ao G1, em 2014. “Acho que ele queria o dinheiro [da recompensa pela cabeça de Solano], na verdade. Mas também não acho que ele tenha sido o vilão da história.”
O fim da figura chegou apenas em 1893, quando ele prestava serviços para Joca Tavares no Uruguai. Boa ou má, sobre um vilão ou um herói, estava terminada a narrativa de Chico Diabo, o homem que ficou marcado na história brasileira.
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