A palavra “ambição” talvez seja a que melhor descreva essa máquina, quatro vezes maior e 10 vezes mais poderosa que o mais moderno equipamento do tipo usado atualmente.
O desejo de aprofundar os limites da Ciência e descobrir, finalmente, a história do Universo é o objetivo da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN, sua sigla em francês) ao propor a construção do que seria o sucessor do Grande Colisor de Hádrons, ou LHC (sua sigla em inglês), o mais poderoso acelerador de partículas planeta.
O equipamento, batizado de Futuro Colisor Circular (FCC), seria montado em Genebra, na Suíça, com um custo estimado de US$ 25,5 bilhões (cerca de R$ 95,5 bilhões).
O objetivo dos pesquisadores do CERN é que a estrutura já esteja operante em 2050, explorando novas partículas subatômicas.
Críticos do projeto argumentam, contudo, que os recursos consumidos por ele seriam melhor aplicados em áreas de pesquisa em que novas descobertas são mais urgentes, como aquelas que investigam as mudanças climáticas.
Para diretora geral do CERN, a professora Fabiola Gianotti, a proposta seria “uma conquista notável” para a comunidade científica.
“Demonstra o tremendo potencial do FCC para melhorar nosso conhecimento da física fundamental e avançar em muitas tecnologias que têm um amplo impacto na sociedade”, disse ela.
Os planos do CERN foram apresentados em um “relatório conceitual de design” e serão avaliados, em paralelo a outras propostas, por um painel internacional de físicos de partículas responsável por desenhar a nova Estratégia Europeia de Física de Partículas de 2020.
O professor John Butterworth, do University College of London (UCL), que está entre os especialistas que desenvolvem o programa para o continente, disse à BBC que, ainda que mantivesse a “cabeça aberta”, estava particularmente interessado na proposta da instituição.
“O programa é ambicioso, empolgante e seria meu plano A”, disse.
O projeto envolve a construção de um novo túnel sob a estrutura física do CERN em Genebra para instalar um anel de cerca de 100 km de diâmetro, que inicialmente promoveria a colisão de elétrons com partículas carregadas positivamente, os pósitrons.
A etapa seguinte prevê a colisão entre prótons e elétrons e os estágios um e dois lançariam as bases para possibilitar a colisão entre prótons com uma força 10 vezes maior do que a que é usada hoje pelo LHC.
Novas descobertas
Físicos esperam que essas colisões, a uma velocidade sem precedentes, revelem um novo mundo de partículas, aquelas que permitem que o Universo funcione – em vez das partículas subatômicas que conhecemos e que desempenham apenas um papel de mediadoras nas forças da natureza.
A atual teoria da física subatômica, chamada de Modelo Padrão, tem sido um dos grandes triunfos do século 20.
Ela explica claramente o comportamento da matéria e das forças através da interação de uma família de 17 partículas. A última delas, o bóson de Higgs, foi descoberta pelo Grande Colisor de Hádrons em 2012.
Mas as observações dos astrônomos sugerem que há mais no Universo do que poderia ser explicado pelo Modelo Padrão.
As galáxias giram mais rápido do que “deveriam” e a expansão do Universo está acelerando em vez de desacelerar. Além disso, o Modelo Padrão não consegue explicar a gravidade.
Portanto, teria que haver um processo mais profundo, envolvendo partículas que ainda não foram descobertas.
Encontrá-las forneceria aos físicos a Teoria de Tudo, que uniria todas as forças da natureza e unificaria os pilares sobre os quais a física moderna repousa: relatividade geral e mecânica quântica.
Quando os físicos propuseram a construção do LHC pela primeira vez, eles sabiam que, se o Modelo Padrão estivesse correto, eles seriam capazes de encontrar o bóson de Higgs, como aconteceu finalmente.
Eles também esperavam descobrir partículas além do Modelo Padrão, mas até agora não conseguiram.
A dificuldade com as propostas do CERN para construir um Grande Colisor de Hádrons de maior escala – o FCC – é que ninguém sabe a que velocidade será necessária colidir as partículas para que as descobertas fossem além do bóson de Higgs.
Os pesquisadores esperam que a proposta de construção em estágios permita que os físicos identifiquem ondulações criadas pelas super-partículas e, assim, consigam determinar a velocidade que será necessária para encontrá-las.
Os contribuintes que bancaram os primeiros investimentos, contudo, a essa altura talvez esperassem que o LHC já tivesse encontrado partículas além do Modelo Padrão. Assim, a construção de um acelerador maior corre o risco de gerar a impressão de que o desejo da comunidade física por aceleradores cada vez maiores e mais caros é potencialmente tão ilimitado quanto o próprio Universo.
Custos e benefícios
O cientista britânico David King, que tem assessorado o governo do Reino Unido e a Comissão Europeia em petições de grandes financiamentos, disse à BBC News que acredita que é hora de realizar uma análise de custo-benefício dos investimentos, especialmente por não ter ficado claro se a máquina de US$ 25,5 bilhões descobriria novas partículas.
“Temos que colocar um limite em algum ponto, senão acabaremos com um colisor tão grande que vai girar ao redor da Linha do Equador. E, se não parar por aí, talvez a gente receba um pedido para que ele vá à Lua e volte.”
“Sempre haverá pesquisas mais aprofundadas que poderão ser feitas com colisores cada vez maiores. Minha pergunta é: até que ponto isso aumentará o conhecimento que já temos para beneficiar a humanidade?”
O professor King acredita que os governos deveriam avaliar se esse dinheiro poderia ser mais bem gasto na pesquisa de outras prioridades mais urgentes.
“Estamos caminhando para uma era na qual a vida no planeta será cada vez mais quente. Na qual a atual economia global deixará de funcionar e mais de 150 milhões de pessoas serão forçadas a se mudar”, disse ele.
“Então, se tivéssemos uma bolsa de US$ 25,5 bilhões e estivéssemos discutindo o que fazer com ela, teríamos que debater com pessoas da comunidade de ciências médicas ideias para melhorar a saúde e o bem-estar do ser humano”.
“Lidar com a mudança climática é agora a nova prioridade para os seres humanos”, concluiu o professor King.
O que é bosônico?
No entanto, o diretor do CERN para aceleradores e tecnologia, Frédérick Bordry, disse que não acredita que os US$ 25,5 bilhões sejam um valor alto para um projeto de vanguarda.
Ele lembrou que o custo seria distribuído entre vários parceiros internacionais durante 20 anos e acrescentou que os gastos com o CERN se reverteram em muitos benefícios tecnológicos.
“Quando me perguntam sobre os benefícios do bóson de Higgs, eu digo ‘bosônico’. E quando me perguntam o que é bosônico, eu digo ‘não sei'”.
“Mas se você imaginar a descoberta do elétron por J.J. Thomson em 1897, ele não sabia que seria a eletrônica. Mas hoje não podemos imaginar um mundo sem ela.”Fonte: BBC Brasil