As pessoas se espremem, se empurram, se tocam, se esfregam, e de tão próximas parecem até que estão saindo de dentro de outras pessoas – como se fossem matrioshkas.
Uma senhora, com mais de 60 anos, leva sacola plástica no lombo, quase cai no meio-fio, quase perde as miudezas baratinhas, as roupinhas, capas de celular, ofertas imperdíveis e os presentes para a família. “O quê, filho? A máscara? Tá no bolso. Tirei pra respirar um pouquinho”, disse. “Mas, filho, é alguma reportagem sobre o Natal? O que tem a ver com a minha máscara?”
É isso: com a aproximação das festas de fim de ano, a população esqueceu isolamento social, máscara, álcool em gel, e se jogou na aglomeração das principais vias de comércio.
Ainda no Brás, conforme o dia avança, as calçadas vão se estreitando. Parte da rua também vai sendo ocupada pelos ambulantes sem banquinha – que colocam seus produtos no asfalto. O que se vê é gente pisando em gente – literalmente. A comerciante Dulce Amorim, de 40 anos, diz que está lá pelo ganha-pão, mas que é “quase como se pudesse pegar a covid com a mão. É uma confusão. E cada vez vejo menos gente preocupada com a pandemia.” Aqueles que são pegos em flagrante delito, normalmente, guardam uma desculpa na ponta da língua. “Só vim para cá porque preciso comprar um presente para minha mãe”, disse Mateus Nascimento, de 22 anos, que trabalha em call center.
Quem, preocupado, tenta se afastar um pouco da balbúrdia, logo é abordado por alguém, com máscara no queixo, oferecendo um almoço por apenas R$ 12. Mas não adianta fugir. Poucos metros adiante, vem outro gritão na orelha, dessa vez de um cidadão oferecendo três calças jeans por um preço convidativo. Mas cadê a máscara, amigo? “Com ela não consigo trabalhar, não consigo chamar as pessoas para dentro da loja”, falou o laçador Roni Alves, de 34 anos.
Não muito longe do Brás, na região da 25 de Março, o cenário é o mesmo. Na frente de uma loja, um homem apoia-se em um totem de álcool em gel. Ele não usa máscara, bebe uma latinha de cerveja e parece flertar com a atendente. Atrás deles, na vitrine, uma manequim sem cabeça compõe a cena.
Na 25 de Março, as máscaras também saíram de moda. Ou viraram pochetes de queixo. Uma Mamãe Noel desprotegida aborda possíveis compradores. “Quer tirar uma foto comigo?, indaga a vendedora natalina. Faltam poucos dias para o Natal e ninguém quer perder tempo. Um casal parece extasiado com o frisson da rua e decide se beijar.
A pergunta que não quer calar é: vale a pena? “Os preços estão bons. Você vem aqui um dia e compra presente para toda família”, afirmou um homem carregado de três sacolas. Mas a pergunta é outra: é se vale a pena correr o risco de pegar covid em uma aglomeração tão grande. “Ah, tá, eu me cuido. Não tem problema”, respondeu o homem sem máscara e com três sacolas na mão.
Negação e medo
A sensação de subir ou descer a Ladeira Porto Geral (tanto faz o sentido) é a de ir de encontro com um paredão de negacionistas. Falta máscara, falta distanciamento.
E foi lá, neste contexto, que a doméstica Angelita Dantas, de 37 anos, e a filha, Marina,de 4 anos, decidiram se sentar na calçada, encolhidinhas, e com medo. Abraçadas, observavam o movimento. “Hoje é o primeiro dia que saio de casa desde março.
Eu tô assustada com tudo isso. Só saí porque precisava arrumar o celular que quebrou. E aproveitei pra tirar a menina um pouco de casa. Mas tô arrependida”, disse. “Acho que se as pessoas respeitassem mais a doença, a covid não estaria se ‘esponjando’ tanto entre a gente. Mas o povo gosta de se enroscar”, completou.
De acordo com a Prefeitura, a Secretaria Municipal das Subprefeituras faz fiscalizações diárias em estabelecimentos para verificar se eles estão excedendo o horário permitindo e se estão colocando mesas nas calçadas. “De janeiro a outubro deste ano, foram realizadas 123.267 mil apreensões nas Subs Sé e Mooca, responsáveis pela 25 de Março e Brás, respectivamente”, informa. (Colaborou Renato Vieira)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.