Negócios low cost vivem boom com inflação espremendo classe média

Em tempos de inflação alta e perda de poder aquisitivo, saem as marcas tradicionais e entram as opções mais econômicas.

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O brasileiro ficou mais pobre nos últimos anos e está sendo obrigado a reconsiderar os serviços e produtos que cabem no bolso. Em tempos de inflação alta e perda de poder aquisitivo, saem as marcas tradicionais e entram as opções mais econômicas.

Embora essa adaptação do consumo seja vista em todas as classes sociais, a forma como ela ocorre é bem diferente. Enquanto os mais pobres buscam formas de driblar a fome, para a classe média a questão é reduzir despesas sem necessariamente abrir mão de um estilo de vida -o que vem impulsionando os chamados negócios low cost (de baixo custo).

Com o orçamento espremido, famílias de maior renda estão procurando alternativas para aliviar os gastos, principalmente aqueles que pesam no fim do mês, como plano de saúde, academia e até a escola dos filhos.

O movimento tem se traduzido em bons resultados para empresas cuja proposta é ser acessível, como é o caso da Luminova. A rede de colégios faz parte do grupo SEB, uma das maiores redes de educação básica do Brasil, e atualmente possui seis unidades em operação, quatro na cidade de São Paulo, uma em Sorocaba e outra em Natal.

Quando o negócio foi criado, em 2019, o público-alvo eram as famílias das classes C e D. Segundo Victor Hugo Santana, diretor de franquias da Luminova, o objetivo era permitir que crianças da educação pública tivessem acesso ao ensino privado sem precisar pagar uma mensalidade tão cara.

No entanto, de uns tempos para cá, a proporção de alunos oriundos de escolas públicas vem diminuindo, enquanto a quantidade de egressos de escolas mais caras só cresce.

“Por todo o cenário econômico, as famílias acabaram reduzindo o desembolso mensal e estão buscando alternativas mais baratas para manter os filhos na educação privada”, diz.

Atualmente, a mensalidade da Luminova custa em torno de R$ 720, enquanto a maioria das escolas privadas de São Paulo cobram acima de R$ 1.200, afirma Santana.

Em 2019, no primeiro ano de funcionamento, 75% dos alunos na Luminova eram de escolas públicas. Hoje, o cenário é dividido. Considerando todos os 4.200 estudantes, metade estava no ensino particular. “Mas tem escola que já está chegando a quase 70% de alunos com origem no setor privado”, afirma o diretor.

A tendência, ele diz, é que essa proporção aumente ainda mais. No ciclo de matrículas de 2023, por exemplo, a rede já espera atingir 60% de alunos oriundos da rede particular.

Para Santana, isso reflete o atual contexto de preços altos e perda de poder aquisitivo. “As famílias estão buscando alternativas para que o orçamento ainda consiga entregar todas as necessidades básicas da casa.”

Nos últimos 12 meses, a inflação medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) atingiu 11,89%. Desde setembro de 2021, o nível acumulado está em dois dígitos, ou seja, acima de 10%.

Embora a alta dos preços não seja problema exclusivo do Brasil, o empobrecimento no país parece ser pior que no resto do mundo.
Levantamento feito em cem países pela Nielsen Media Research mostra que 64% dos brasileiros declaram sofrer restrições orçamentárias após a pandemia. Na média global, a proporção fica bem abaixo: 46%.

O cenário vira terreno fértil para os negócios low cost, que vêm percebendo um fluxo maior de clientes que possuem margem para manobrar as despesas sem abandonar hábitos.

Exemplo disso é a Red Fitness, rede de academias de baixo custo. Segundo Ellen Fernandes, cofundadora da empresa, o número de clientes tem sido crescente no período pós-pandemia.
Hoje, já são 8.000 alunos nas quatro unidades da rede, todas localizadas na zona norte de São Paulo.

Fernandes diz receber diariamente pessoas saindo de academias mais caras e migrando para unidades da Red Fitness, cuja mensalidade fica em torno de R$ 100.

“Hoje 40% [dos nossos alunos] são pessoas que saíram das ‘academias boutiques’ e vieram para a nossa”, afirma. “Quem pagava R$ 500 hoje não paga mais. Só nível A”, acrescenta.

Segundo ela, a pandemia foi um divisor de águas para os negócios, tanto na procura por atividade física quanto no perfil do público. “Não é só as classes C e D que frequentam a nossa academia. A classe B também vem”, diz.

O modelo tem dado tão certo que, em maio deste ano, a Red Fitness começou um processo de expansão em franquias. A expectativa é inaugurar duas neste ano, quatro no ano que vem e mais 60 até 2026. A projeção, diz Fernandes, considera que a busca por serviços e produtos low cost deve se manter alta.

LOW COST GANHA FORÇA NA CRISE
Para Marco Vinholi, diretor-superintendente do Sebrae-SP, há um movimento claro de consumidores indo em direção a serviços e produtos low cost. Ele lembra que, de 2021 para cá, 90% das profissões foram impactadas com a perda do valor real do salário, o que aumenta a atratividade dos produtos de baixo custo para todas as classes.

“Tem sido constante essa busca por modelos low cost. Na outra ponta, o empreendedor percebe essa janela de oportunidade e tem crescido o número de empresas que trabalham com esse modelo”, diz.

Na visão dele, quando há um longo período inflacionário, a brecha para os negócios econômicos fica mais clara e há um boom dessas empresas. No entanto, mesmo em cenários de retomada econômica, o consumidor costuma optar por empresas de baixo custo, como ocorre com as companhias aéreas.

Lauro Gonzalez, coordenador do centro de estudos em microfinanças e inclusão financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas), também percebe fenômeno semelhante.

Segundo ele, o orçamento da baixa renda vem passando por mudanças não só conjunturais, mas estruturais também, em decorrência das transformações do mercado de trabalho. Ele cita a uberização, a pejotização e a informalidade -que indicariam uma certa precarização do trabalho.

“Dentro desses orçamentos, uma coisa notável é a inconstância na renda. Isso faz com que as pessoas tenham de usar uma série de estratégias para conseguir o que os economistas chamam de suavização do consumo. Ou seja, conseguir consumir razoavelmente a mesma coisa ao longo do tempo”, afirma.

Do lado conjuntural, ele menciona a crise gerada pela pandemia e a Guerra da Ucrânia, que também provocaram efeitos semelhantes.
“As pessoas recorrem a essas empresas low cost justamente para tentar buscar uma suavização em meio a um cenário de inflação crescente”, diz.

PLANO DE SAÚDE LOW COST ENTRA NA CESTA
A pandemia ajudou a mudar a realidade dos planos de saúde. Ao mesmo tempo que o interesse aumentou -dada a gravidade da crise sanitária-, os valores subiram e uma parte dos brasileiros precisou abrir mão do benefício diante da inflação e do desemprego.

Outros, porém, recorreram aos planos low cost para tentar conciliar atendimento privado e orçamento espremido. A cuidar.me, startup de planos de saúde de baixo custo, tem sentido a alta procura nos últimos meses.

A healthtech, que atua no estado de São Paulo desde 2021, saiu de 500 clientes na virada do ano para mais de 6.000 agora. Segundo Rafael Morgado, diretor financeiro da empresa, o negócio já foi planejado para capturar uma classe B que vem perdendo poder aquisitivo -mas a velocidade de crescimento está surpreendendo.

“É possível que, neste mês de julho, nos tornemos a healthtech que mais cresce. Devemos trazer 2.000 clientes só neste mês, em junho foram 1.200”, afirma.

Morgado diz que os planos da cuidar.me variam entre R$ 169 e R$ 949, o que é cerca de 50% ou 70% mais barato do que os concorrentes com cobertura similar.
De dois meses para cá, as vendas aceleraram muito. “Como fizemos um produto voltado para essa classe média com desafios orçamentários, está dando certo”, diz. “Até o fim do ano, nossa expectativa é ficar entre 12 mil e 15 mil vidas”, acrescenta.
No setor de cosméticos, a Vult, hoje controlada pelo grupo Boticário, também notou uma expansão do negócio diante da perda de poder aquisitivo dos brasileiros. A empresa diz que já nasceu em 2004 com um posicionamento low cost e, por isso, acaba sentindo a atual retração econômica de forma mais positiva que outras companhias.
Embora não seja voltada a um público específico, a Vult dialoga mais com as mulheres das classes C e D. No entanto, de uns tempos para cá, mais clientes de outras faixas de renda vêm consumindo a marca.
“O que temos percebido agora é que o consumo está muito aquecido. A questão do custo-benefício, atrelado à qualidade, é realmente o que a consumidora busca”, afirma Bruna Carneiro, gerente de marca, inovação e business make da Vult.
Segundo ela, com o atual contexto econômico global e a guerra, a disponibilidade de matérias-primas para o setor farmacêutico e de cosméticos caiu drasticamente. Não fosse isso, as vendas poderiam estar ainda mais aquecidas.
“Nós queríamos ter mais insumos para produzir mais. Se tivéssemos as questões econômica e política estabilizada, poderíamos vender mais do que já estamos”, diz.