‘Não atendo criança’, admite médica que não prestou socorro a menino no Rio
A médica Haydee Marques da Silva, de 66 anos, que não prestou socorro a Breno Rodrigues Duarte da Silva, de 1 ano e 6 meses, na última quarta-feira, afirmou que não atende crianças. A profissional conta que saiu do condomínio onde o menino morava com os pais, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio, após discutir com o motorista da ambulância. Breno, que sofria de uma doença neurológica chamada síndrome de ohtahara (uma epilepsia muito severa), morreu uma hora e meia depois, esperando outro atendimento médico.
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Haydee, que deve prestar depoimento na 16ª DP (Barra da Tijuca) nesta segunda, às 11h, explica que, minutos antes de receber o pedido de atendimento ao menino, estava indo para uma emergência na Penha, na Zona Norte, quando pediram para a equipe mudar o trajeto.
— Até então, eu não sabia qual era o caso. Quando me passaram o atendimento, na porta do condomínio, eu vi o nome, o plano, a idade e o que o paciente tinha. E eu disse que não ia atender por ser uma criança muito pequena e que já tinha um profissional de saúde (técnica de enfermagem do Home Care) em casa, sem falar que não era um caso grave. Não atendo criança — justifica a médica, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1978.
Apesar de não ter ido até o apartamento onde vivia o menino, na visão da médica, ela não negou o atendimento.
— Isso não foi omissão de socorro, já que não era um caso grave. O menino não faleceu imediatamente, morreu só depois de uma hora e meia. Eu não sou pediatra e nem neurologista e se tratava de uma criança muito pequena com quadro neurológico. Sem falar que eu estava muito estressada e sem condições psicológicas para atender. Naquele dia, eu nem ia para o plantão — justifica a profissional, que tem residência em anestesia, mas não atua mais na área há 20 anos.
Haydee conta que, em uma outra ocasião, brigou com o motorista e não queria mais trabalhar na mesma equipe que ele. A ambulância buscou a médica em sua casa, na Barra da Tijuca, às 8h45. Quando ela descobriu, ainda em sua residência, que era o mesmo motorista com quem havia se desentendido, se recusou a entrar no veículo:
— Eu só entrei porque a técnica de enfermagem disse que tinha recebido um sinal vermelho (caso de emergência) de um paciente na Penha. A firma tem vários motoristas. Por que mandar aquele com quem eu já havia brigado? Ele também disse, na hora, que não me queria na equipe. Num outro plantão, ele bateu na minha mão (durante um discussão). Agora, por causa disso, a minha vida está destruída.
Haydee destaca que já entrou na ambulância estressada e começou a discutir, novamente, com o motorista.
— Eu estava descidida a descer e ir para casa. Só fui mesmo porque era um caso de emergência na Penha e eu, como profissonal, não podia deixar de atender, pois aquele paciente corria risco de vida — contou a médica, que pediu outra ambulância e solicitou ao motorista que a levasse de volta para casa, já que não tinha condições de continuar o plantão.
Um vídeo gravado por uma câmera interna do condomínio mostra a médica dentro da ambulância rasgando um documento, antes de o veículo ir embora do prédio, às 9h13. Haydee garante que esse documento não era o pedido de atendimento de Breno e sim o papel do procedimento do paciente da Penha, que não havia sido preenchido.
— Em ambulância nenhuma, de qualquer firma, podemos carregar uma guia de internação ou receituário. Não é só a nossa, nenhuma carrega. Por um motivo simples, quem dá a internação é o plano de saúde, no caso da criança, a Unimed. O que eu rasguei era o boletim de atendimento, no qual vem o nome da equipe, a data, o nome do paciente. É um documento de identificação — disse.
Haydee, que é viúva e não tem filhos, afirmou que a criança não morreu de gastroenterite e nem de taquicardia, ela morreu por broncoaspiração.
— Agora eu pergunto: como uma criança ou até um adulto que tem um home care e está com broncoaspiração, com um profissional do lado, não foi socorrido por essa pessoa, que poderia pegar a criança no colo, colocar ela de barriguinha para baixo, para que o bebê tirasse tudo o que prendia a respiração pela boca? Essa criança foi aspirada? O que a profissional de saúde que estava ao lado fez? — questiona a médica, acrescentando que não está “fugindo” da polícia.
O motorista da ambulância Robson Oliveira nega as acusações da médica:
— Eu nunca a agredi.
Rhuana Lopes Rodrigues, mãe do pequeno Breno, discorda da médica:
— Foi omissão de socorro sim. Quando ela chegou meu filho não estava engasgado mesmo, mas estava precisando de socorro para não chegar ao ponto de engasgar. A central de atendimento da Cuidar me ligou antes de ela chegar à nossa casa e eu fiquei minutos explicando o que o Breno tinha — contou.
Para Rhuana, se a médica estava indo para um alerta vermelho e foi deslocada para o caso de Breno, é sinal de que seu filho estava em pior situação que o outro paciente.
— Como ela faz esse julgamento se nem desceu da ambulância? — questionou a mãe, grávida de três meses.
A técnica de enfermagem Marta Campelo, que acompanhava Breno, garante que fez tudo o que podia para salvar a criança:
— Na hora do refluxo eu virei o garoto de cabeça para baixo e o líquido caiu no chão. Na mesma hora, peguei o aspirador e as sondas e aspiramos a boca e o nariz, com ele em pé, no colo do pai. Essa médica quer tirar a culpa dela. Todos os recursos que nós tínhamos na residência, nós utilizamos. Ela nem viu como a criança estava, pois não subiu ao apartamento. Estou com a minha consciência tranquila.