Na rua Terenos, no bairro Amambaí, a casa é centenária, mas a história de Maria Alves de Almeida, de 70 anos, completa cinco décadas por ali. Ela mora na parte do terreno que diz ter sido o primeiro cemitério de Campo Grande, há mais de 100 anos.
A história é confirmada por uma das vizinhas antigas da rua, dona Carmem Vieira da Cunha, que durante andanças do Lado B pelo bairro sugeriu que a equipe conhecesse a coragem de Maria em viver num terreno que até hoje é “mal assombrado”.
Na história de Campo Grande, conforme um artigo da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, o primeiro cemitério foi fundado em torno 1872 na fundação do povoado e ficava na praça Ary Coelho. Mas em 1887, a comunidade local decidiu transferir o cemitério para o atual bairro Amambaí, que à época, foi instalado onde hoje funciona o SESI e a Casa da Indústria de Mato Grosso do Sul.
A menos de um quilômetro dali está a casa de Maria, que apesar das datas distintas constadas na história, jura estar na terra que recebeu as primeiras covas. “Todo mundo acha que é a Praça Ary Coelho, mas já enterravam gente aqui antes”, conta.
A história é baseada em um cruzeiro que ela diz ter existido no terreno ao lado, visto do quintal de casa e que hoje fica entre a casa de Maria e o Hospital Infantil São Lucas. Ao chegar perto, o cruzeiro é, na verdade, um pedaço de madeira antigo. “Era o cruzeiro, quem me contou foi um coronel do bairro, logo que eu cheguei nessa casa. Ele era dono de um desses terrenos e contou para todo mundo que aqui era um cemitério”, acredita.
Verdade ou lenda, o fato é que o que ficou foram aparições para dona Maria. Ela jura ver vultos há 50 anos na casa. “Vejo na janela, de dia e de noite. Minha filha também já viu”, garante.
Apesar da narrativa que parece conto de assombração, Maria dá gargalhadas. “Não tenho medo de gente morta, tenho medo é dos vivos. Quem se foi não faz mal pra gente, quando eu vejo algo, apenas rezo e peço para que essa pessoa fique bem”, descreve.
A casa onde mora é também das mais antigas da rua, com aproximadamente, 100 anos de construção, calcula. “Sei porque quando cheguei aqui ela já existia há 50 anos. Era meu sogro que morava nela e me mudei para ajudar cuidar dele”.
Entre estéticas modernas, com construções comerciais de um lado e edificações recentes do outro, a casa de dona Maria viu, intacta, o Amambaí se transformar durante o século. Sem nunca ter ganhado uma reforma, os detalhes são os mesmos do teto ao piso, ainda de ladrilhos, com detalhes que foram no passado de cores claras.
A moradora ficou um tempo sem mexer na decoração, mas há alguns anos tudo mudou. A casa de Maria, apesar de centenária ganhou mais vida, os móveis, os objetos queridos e as plantas fazem parte de cada espaço, especialmente, na fachada. “Elas (as plantas) são a minha terapia. Acordo, converso com elas e meu dia começa calmo. Os anos passam e as plantas só aumentam”.
A varanda pequena já foi tomada pelo verde e tornou-se o encanto do lar, que vulto nenhum é capaz de tirar a beleza, garante. “Minha casa é maravilhosa, eu amo esse lugar e olha que muita gente já quis tirar de mim”, se refere as propostas de compra do terreno com, aproximadamente, 1.000 m².
Mas ela diz que não vende e planeja manter cada detalhe antigo que resta. Na sala, a parede é lotada de quadros antigos, maioria feito por Maria que usou fotos de revista e colocou na moldurada para servir decoração.
Casa nunca passou por reforma, mas já foi cobiçada para virar comércio. (Foto: Fernando Antunes)
Santos, retratos, o diploma do marido falecido há um ano e objetos antigos completam a casa. Em um dos cômodos, prateleiras, geladeiras e azulejos que o tempo não conseguiu tranformar. “Meu filhos até falam pra eu dar uma mudada na casa, jogar as coisas fora, mas eu não consigo, gosto do meu jeito”.
Ao entrar na cozinha, outra porta dá visão ao banheiro de azulejo azul, nunca trocado, mas sonhado por Maria. “A gente não encontra mais, infelizmente, é uma cor tão bonita”, diz enquanto arruma os cabelos para a fotografia.
Do lado de fora, o quintal de terra que abriga o Fusca e os materiais de trabalho do marido que se foi. “Aqui era a oficina dele e onde sempre tinha histórias do cemitério”, lembra. Apesar da saudade, o tempo de amor parece ter sido suficiente para Maria continuar caminhando. “Não me sinto só, ainda bem. Tenho meus filhos que me amam muito e fico aqui fazendo meus artesanatos. Sou feliz no primeiro cemitério da cidade”, ri.
CGNEWS