Morre aos 56 anos em São Paulo o produtor musical Eduardo Miranda
O rock brasileiro já viveu dias melhores. Na noite desta quinta-feira, dia 22 de março, morreu, aos 56 anos, em São Paulo, Carlos Eduardo Miranda, produtor musical que descobriu e moldou alguns dos maiores talentos do estilo no País.
Reconhecido pelo grande público como jurado do programa Ídolos, do SBT, e por trabalhos com nomes de sucesso comercial como Raimundos, O Rappa e Skank, Miranda foi principalmente uma ponte para o rock independente nacional tentar, e muitas vezes conseguir, furar as bolhas e os padrões repetitivos da indústria musical.
Sua morte, ocasionada por um mal súbito, deixa vários artistas e fãs brasileiros órfãos de uma referência na descoberta e na criação da trilha sonora de diversas gerações.
A capacidade de reconhecer potencial em Miranda relevou-se inicialmente nos textos sobre bandas independentes que escrevia para a extinta revista Bizz. Ao menos duas cenas musicais brasileiras o impressionaram naqueles anos: o manguebeat de Pernambuco e a segunda onda do Rock de Brasília.
Em 1994, o produtor criou junto com integrantes dos Titãs o Banguela Records, ligado à Warner Music Brasil. Apesar de integrar uma grande gravadora, o selo apostou em bandas que em nada pareciam com os grupos da década anterior. Às vezes introspectivo, às vezes político, o rock no início dos anos 1980 no Brasil era mais apegado a influências estrangeiras. Renato Russo não negava sua inspiração em Ian Curtis, do Joy Division. A Plebe Rude reverenciava The Clash. O Ira! lembrava muito The Jam.
As bandas de 1994 descobertas pelo Banguela pareciam-se menos com suas referências. Para além das letras, o rock brasileiro encontrava uma nova cara ao rejeitar a pureza de seus formatos tradicionais. No Distrito Federal e Pernambuco, o que unia bandas era sua capacidade de ampliar as fronteiras do estilo.
Enquanto o manguebeat sentia-se livre pra fundir inúmeras referências de rock internacional e brasileiro com o maracatu, as bandas do Distrito Federal também não tinham qualquer pudor. Era o rock com reggae do Maskavao Roots. O rock com baião do Raimundos. O rock com ainda mais rock do Little Quail and The Madbirds. Havia bom humor, letras sacanas, uma certa dose de machismo e misoginia típica daqueles anos, mas acima de tudo liberdade criativa. Eram bandas que não queriam ser “cabeça” como foi a geração de Renato Russo.
Miranda percebeu que as duas cenas poderiam furar a bolha do mainstream em 1994. De Brasília, o Banguela Records gravou Maskavo, Little Quail e Raimundos. Do manguebeat, lançou Mundo Livre S/A, possivelmente a principal referência do movimento depois da Nação Zumbi de Chico Science. No selo, ele ainda destacaria dois grandes nomes do rock de Porto Alegre, sua terra natal: Flávio Basso, o Júpiter Maçã, que morreu em dezembro de 2015, e a Graforréia Xilarmônica de Frank Jorge.
O Banguela Records fechou suas atividades em 1995, mas Miranda continuou a construir pontes fundamentais para o rock independente. Em 2004, ele foi o primeiro diretor do site Trama Virtual, de João Marcelo Boscôli. A plataforma foi fundamental para a descoberta de notáveis bandas daquela década, como Vanguart, Superguidis, Los Porongas e tantas outras. O projeto foi um dos pilares da cena independente dos anos 2000, assim como o circuito de festivais. Miranda continuava a trabalhar com grupos criativos, como Bois de Gerião, Móveis Colonais de Acaju e Nevilton.
O rock dos anos 2000 não foi tão reconhecido comercialmente como o da década anterior, mas muito de sua vitalidade insistente devia-se a iniciativas como a Trama Virtual e os aconselhamentos de Miranda, que estava sempre antenado em novidades. Em 2018, quando fábricas de guitarras históricas como a Gibson ameaçam falir e jovens parecem menos interessados em formar bandas, o rock brasileiro perde um de seus maiores olheiros e entusiastas.