Maconha prensada tem urina, esterco e solução de bateria

Especialistas comentam o processo pelo qual a planta passa ao ser traficada ilegalmente, e comparam com a “Supermaconha”.
A luta contra o tráfico de maconha é notícia constante na imprensa, com fotos que mostram enormes barras da planta, enroladas por fita adesiva. Trata-se da maconha prensada, que é consumida pela quase totalidade dos usuários no Piauí. É a única que pode ser encontrada nos pontos de venda de droga, que diariamente são fechados em operações policiais.

O método para produção da maconha prensada é utilizado pelos contrabandistas para facilitar o transporte e evitar que o material seja detectado pelos policiais. Em muitos casos, outras substâncias são adicionadas, que vão desde outras plantas até solução de bateria, esterco ou urina.

Pedro Alencar é um engenheiro agrônomo que estuda a maconha há mais de 20 anos. Sua experiência o fez entrar em contato com a droga ilegal mais consumida em Teresina. Segundo ele, o grande risco que a maconha prensada traz ao usuário é o fato de ele não saber o que está consumindo. “Além de reduzir o volume da maconha, os traficantes precisam acrescentar substâncias para disfarçar o cheiro. Antigamente eles punham café, ou urina, algumas coisas que os cachorros não gostam”, explica Pedro.

O engenheiro comenta que os traficantes misturam outros tipos de plantas, para dar volume, e acrescentam ainda produtos químicos como soda cáustica e solução de bateria. “Muitas vezes a pessoa pensa que está fumando um ‘barato’ e está fumando a morte”, disse.

Maconha prensada apreendida em operação da Polícia Civil (Foto: Divulgação)
O problema se agrava porque os traficantes acrescentam também outras drogas à maconha, como o crack, o que contribui para aumentar o vício. “Há alguns anos, comecei a perceber que as pessoas que fumavam a prensada estavam consumindo mais do que o normal, e não ficavam saciados. Então eu para eles que a maconha estava cheia de uma coisa amarela, que é borra de crack”, relata.

Doutor em biologia, o professor José Ribamar Rocha coordena um grupo de pesquisas sobre fungos aquáticos na Universidade Federal do Piauí. Segundo ele, é possível afirmar que a condição em que a planta da maconha é colocada cria um ambiente propício para o nascimento de microorganismos. “Como [os traficantes] não têm cuidado no manuseio asséptico esterilizado, como têm essas maconhas industrializadas de países onde é permitido, [a prensada] têm o risco de contaminação por bactérias e fungos”, disse.

Diferenças

O PortalODia conversou com um jovem que confirmou a má qualidade da maconha prensada. “A gente é obrigado a consumir dessa forma, pois é o que tem. No Brasil, que tem esse mercado ilegal, você tem que ir numa boca de fumo. E [o traficante] vai te vender da pior forma, e vai ter outras drogas para te oferecer”, disse.

O jovem discorda que a maconha é a porta de entrada para outras drogas. “Na verdade, essa porta é o traficante. Porque você tem que se dirigir até ele. Se você tivesse a maconha numa farmácia, ou outro local, não ia ter contato com as outras drogas, não ia ter esse acesso”, argumenta.

Plantio de Supermaconha encontrado em uma residência na zona Norte de Teresina, em 2014 (Foto: Jailson Soares/ODIA)

Ele explica ainda que a maconha prensada gera algumas reações indesejadas, como o efeito curto, pigarros e a chamada “mazela”, uma forte indisposição que o usuário sente quando o efeito desejado acaba.

O jovem, agora, procura usar a maconha que é plantada e colhida com um certo rigor, e que segundo ele não traz esses efeitos negativos. “Se for uma maconha natural, você vai ter a parte medicinal da planta. Pode ajudar no tratamento de glaucoma, Alzheimer, qualquer tipo de dor ela vai neutralizar. Pode ter a parte espiritual da planta, para quem acredita”, enumera. Para ele, a planta pode ajudar ainda a combater problemas psicológicos, como ansiedade e depressão.

Medicinal

As informações sobre o processo de produção e os materiais que são adicionados à maconha podem ser novidade para quem observa essa realidade de longe, mas são amplamente conhecidos pela maioria dos usuários.

Muitos deles sonham em deixar a maconha prensada para trás e usar apenas a que é plantada com um maior rigor técnico e higiênico. O plantio, entretanto, também é considerado tráfico de drogas, e algumas pessoas já foram presas em Teresina por conta disso.

A maconha natural possui os níveis de substâncias psicoativas aumentados, gerando um efeito mais forte. Essa característica rendeu à planta, em Teresina, o apelido de supermaconha. “O que não deixa de ser verdade. Tanto que faz uma criança, que está entrevada em uma cama, voltar a se mexer”, destaca engenheiro agrônomo Pedro Alencar.

É com essa planta que são produzidos óleos e medicamentos que têm ajudado crianças com epilepsia refratária, além de várias outras patologias, como glaucoma e a doença de parkinson. “Essa que a gente fala que é a maconha medicinal, porque ela potencializou sua carga genética: em outras palavras, é THC e CBD em abundância”.

No último dia 14 de março, após a realização do “Simpósio sobre o uso de medicinas canabinoides”, foram assinados convênios com o propósito de cooperação para o desenvolvimento de produtos terapêuticos baseados nas substâncias encontradas na maconha. Os estudos poderão orientar futuramente a implantação de um centro de pesquisa, inovação e divulgação da substancia no Piauí. O uso do CBD, um dos princípios ativos encontrados em maior quantidade na cannabis para combater os efeitos da epilepsia em crianças, já é uma realidade no Brasil e no mundo.

Pedro Alencar defende que é como o cultivo de qualquer outro produto vegetal, como arroz, feijão, melancia: cada uma tem uma tecnologia, um manejo. “Cada um tem seus tratos específicos, e a maconha não é diferente. Se você cuida como se fosse qualquer coisa, vai dar qualquer coisa. Se você tem um cuidado especial, o resultado é especial”.

Resultado da proibição

Durante o início da década de 1920, o governo dos Estados Unidos da América pôs em vigor a “Lei Seca”, proibindo o uso e a venda de álcool em todo o território americano. A vigência da lei durou cerca de 13 anos. O que se viu como resultado foi o crescimento do crime organizado, que construiu grandes impérios criminosos, personificados na figura do famoso mafioso Al Capone.

O álcool produzido pelos contrabandistas, que recebeu o apelido de “moonshine” (ou brilho da lua, em inglês), era produzido artesanalmente em destilarias ilegais, em locais improvisados. A bebida era de péssima qualidade e causou diversos problemas de saúde aos usuários, que não deixaram de ter vontade de beber por conta da proibição.

Para Pedro Alencar, a comparação é válida, mas o caso da maconha é ainda pior. “Porque o álcool foi proibido, mas não foi criminalizado como a maconha, que se tornou a erva do diabo, a porta de entrada para o inferno. Para as pessoas que usaram e perceberam que não era nada daquilo, era preciso muita cabeça para sobreviver a esse massacre”, comenta.

Para o jovem entrevistado nessa reportagem, o álcool pode ser da melhor qualidade, mas é a droga mais perigosa. “O álcool mata no trânsito, as pessoas podem ficar violentas, além de causar doenças. E não existe incidência de mortes pelo uso da maconha”, questiona.

Edição: Nayara Felizardo
Por: Andrê Nascimento