A Justiça da Espanha vai reabrir o processo por tráfico internacional de drogas movido contra o ex-major da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, Sérgio Roberto de Carvalho, 63, conhecido na Europa como o “Escobar brasileiro”, em alusão ao narcotraficante colombiano Pablo Escobar.
O Major Carvalho foi acusado de ser o dono de 1,7 tonelada de cocaína avaliada em 60 milhões de euros, apreendida em agosto de 2018 em uma embarcação na região espanhola da Galícia. Outras 20 pessoas acusadas de envolvimento com o tráfico internacional de drogas também foram processadas.
“O Escobar brasileiro” chegou a ser preso com o nome falso de Paul Wouter, mas pagou uma fiança no valor de 200 mil euros e saiu livre. Quando soube que o Ministério Público da Espanha iria pedir a condenação dele a 13 anos e seis meses de prisão, o narcotraficante armou um ousado golpe.
Ele forjou a própria morte. Segundo a polícia espanhola, o conceituado médico de Málaga, Pedro Martin Martos, assinou o atestado de óbito dele. No documento, ao qual a reportagem teve acesso, consta que a morte ocorreu às 10h50 de 20 de agosto de 2020.
No atestado, também é mencionado que a última pessoa a ter visto o major com vida foi um suposto amigo dele, identificado como Francisco Jesus Pascual Montero. Há ainda informações de que o corpo do falsário Paul Wouter teria sido cremado.
Um tribunal da Espanha considerou o atestado de óbito como verdadeiro e, por isso, o processo por tráfico internacional de drogas movido contra o “Escobar brasileiro” foi extinto. A farsa foi descoberta pela Polícia Federal do Brasil. Agora, a Justiça da Espanha decidiu reabrir o caso e o médico também é investigado.
A reportagem enviou e-mail para o médico esteticista Martos para ouvir a versão dele sobre o atestado de óbito, mas ele não deu retorno. Há rumores de que emissoras de TV tentaram entrevistá-lo e que jornalistas se passando por pacientes até marcaram consulta na clínica onde ele trabalha para flagrá-lo de algum modo.
Primeira prisão
O Major Carvalho foi preso pela primeira vez no Guarujá, Baixada Santista. Era 15 de novembro de 1997, feriado da Proclamação da República. Ele estava hospedado em um hotel e tomava café tranquilamente quando foi surpreendido pelo agente federal Luiz Antonio da Cruz Pinelli.
O policial federal seguiu todos os passos dele. Foram três anos de intensas apurações, diligências e monitoramentos. Por ser militar, o major tinha amplo conhecimento das técnicas de investigação e conseguia escapar da vigilância.
Ele se comunicava por meio de encontros pessoais e falava por rádios, usando códigos nas frequências. No
dia 6 de novembro de 1997, Pinelli e equipe apreenderam uma aeronave com 250 kg de pasta base na fazenda Nova Cordilheira, de Carvalho, em Rio Verde, Mato Grosso do Sul.
O piloto foi preso e o major escapou. Mas cometeu um erro no Guarujá. Saiu do hotel onde estava hospedado e usou um orelhão para falar com parentes no Mato Grosso do Sul. Acabou localizado e devidamente encarcerado.
Os detalhes da prisão – a primeira – do Major Carvalho são narrados no brilhante livro “Agente 114 – O Caçador de bandidos -, escrito pelo policial federal Pinelli e publicado pela Geração Editorial. O número 114 corresponde à matrícula de Pinelli na Polícia Federal.
O agente 114 também investigou o “Escobar brasileiro” na Operação Enterprise, coordenada pelo delegado Sérgio Luís Stinglin de Oliveira. Foram cumpridos 151 mandados de busca em 10 estados, 65 de prisão e apreendidos R$ 400 milhões em bens.
O Major Carvalho não foi preso em Portugal porque, dois dias antes da deflagração da operação, ele viajou em jato próprio para a Espanha, seguiu para a Itália, onde cuidou de negócios ilícitos relacionados ao tráfico internacional de drogas, e depois rumou para o Leste Europeu.
O delegado federal Sérgio Stinglin afirmou que o Major Carvalho é procurado pela Europol (Polícia Europeia) em todos os países do Velho Continente. Caso seja preso, o narcotraficante poderá ser extraditado para o Brasil e ficar recolhido em presídio federal.
Dólares no presídio militar
Aqui no Brasil, o “Escobar brasileiro” foi condenado em 2019 a 15 anos e três meses por usar “laranjas” em empresas de fachada para movimentar “R$ 60 milhões entre 2007 e 2008.
O ex-policial militar também foi condenado, em 2008, a 15 anos de prisão por tráfico de drogas. A carreira criminal do “Escobar brasileiro” teve início nos anos 1980, quando foi investigado e denunciado pelo crime de contrabando.
Em 1999, dois anos após ser preso pelo agente federal Pinelli, o Major Carvalho cumpria pena no Presídio Militar de Mato Grosso do Sul e foi flagrado com 180 mil dólares e R$ 27 mil escondidos debaixo do colchão. Mesmo assim, progrediu de regime e deixou a prisão em 2000.
Sete anos depois, voltou a ser preso. Em 2010, foi acusado de desviar R$ 3,9 milhões de um inventário. Em 2016, o narcotraficante sumiu de Campo Grande e, em 2018, acabou expulso dos quadros da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul.
O criminoso foi visto pela última vez no Brasil em 2018. Investigações da Polícia Federal apontam que ele fugiu para Lisboa, em Portugal, usando documentos falsos. Contra ele, foi expedido um mandado de prisão internacional.
A PF apurou que a quadrilha do Major Carvalho tentou exportar quase 50 toneladas de cocaína para a Europa, via portos brasileiros, avaliadas em R$ 2,25 bilhões. No Brasil, os portos preferidos pelo bando era o de Paranaguá, no Paraná e, na Europa, os de Antuérpia, na Bélgica, e Roterdã, na Holanda.
Sérgio Stinglin disse que o patrimônio do major é bilionário, incluindo uma frota de aviões, e que ele usa documentos falsos feitos com boa qualidade, fatores que dificultam a localização e prisão dele.
A reportagem apurou que há suspeitas de que o “Escobar brasileiro” conta com a ajuda de informantes na Europa e também de policiais corruptos no Brasil, inclusive em São Paulo. Essas informações, entretanto, até hoje não foram confirmadas. vol