O problema das notícias falsas não se resume a blogs apócrifos. Veículos oficiais ou de “checagem de fatos” também erram
Na segunda-feira 11, a página oficial de Lula no Facebook divulgou que o Papa Francisco havia enviado um terço ao ex-presidente, preso em Curitiba. A publicação afirmou que o petista recebera o objeto abençoado na sede da Polícia Federal na capital paranaense.
A Agência Lupa, parceira do Facebook na checagem de postagens feitas na rede social, passou a apurar a história na terça-feira 12. Baseada em uma primeira nota do site Vatican News, veículo de notícias mantido pela Secretaria de Comunicação da Santa Sé, a agência classificou a informação como falsa.
Inicialmente, o Vatican News negou que o objeto levado pelo argentino Juan Grabois, identificado como consultor do Papa, havia sido efetivamente enviado por Francisco a Lula. Na sequência, o veículo da Santa Sé se retratou: apagou a primeira nota e, em novo texto, afirmou que Grabois queria levar a Lula um terço abençoado, assim como palavras do Pontífice.
Com a nova informação, a Lupa mudou a classificação da notícia de “falsa” para “de olho”, ao argumentar que aguardava ainda um posicionamento oficial do Vatican News. A agência garantiu ainda ter suspendido todas as classificações feitas no projeto de verificação de notícias do Facebook.
A controvérsia sobre o terço de Lula revela como é difícil checar notícias atualmente. Confiar em veículos oficiais como ocorreu neste caso nem sempre é garantia de acerto.
Um outro episódio, ocorrido também nesta semana, é didático dessa dificuldade. A Agência Brasil, subsidiária da Empresa Brasileira de Comunicação, divulgou uma matéria com o seguinte título: “Ministro da Cultura deverá pedir demissão”. A informação foi considerada “fake news” pelo próprio Sérgio Sá Leitão, responsável pela pasta, mas foi reproduzida por diversos veículos de comunicação no Brasil.
A polêmica estava relacionada a críticas do ministro à redução de recursos da pasta para a criação do Sistema Único de Segurança Pública. Em suas redes sociais, o ministro ironizou a publicação da agência oficial. “Jornalismo Estatal…”, respondeu a um usuário do Facebook que questionou o ministro sobre a publicação ser falsa. Ele usou a plataforma para negar a intenção de pedir demissão. Na sequência, a Agência Brasil publicou uma nova nota, com o título “Ministro da Cultura informa que não pedirá demissão”.
Checar fatos é um processo árduo, e confiar em fontes oficiais como incapazes de propagar notícias falsas é perigoso. Embora devam ser consideradas como ponto de partida, informações oriundas de órgãos estatais não são verdadeiras a priori. Todos somos sujeitos ao erro ou até mesmo à má-fé.
Agências como Lupa e Aos Fatos terão papel importante na filtragem do que é considerado conteúdo verdadeiro ou falso no Facebook ao longo das eleições. Os dois veículos foram convidados pela rede social por integrarem o International Fact-Checking Network, organização que atesta o compromisso dos checadores com a “imparcialidade” e a “transparência”.
As agências têm poder para confirmar a falsidade de notícias e, assim, derrubar o alcance de páginas que supostamente espalham boatos. É uma missão importante, mas o episódio do terço mostra que injustiças podem ser cometidas no processo.
Por muito tempo, a historiografia também dava atenção apenas a fontes oficiais, o que dava a entender que a verdadeira história é aquela contada pelas instituições. Historiadores do século XX mostraram como é importante cruzar esses documentos com fontes não oficiais, como relatos de cidadãos, objetos de cultura material e até mesmo literatura e o imaginário popular.
Se a prática da história hoje assimilou esse olhar cuidadoso com o que é oficial, por que o jornalismo faria diferente? Por esse motivo, precisamos democratizar a checagem de fatos. Uma verdadeira cultura de combate à fake news passa por cidadãos comprometidos com a verdade, e não apenas instituições ou agências de checagem.