Pesquisadores do Instituto Sou da Paz mergulharam no universo de armas desviadas e apreendidas no estado de São Paulo. Eles analisaram quase 24 mil ocorrências policiais entre os anos de 2011 e 2020 e descobriram uma relação surpreendente entre os modelos mais roubados, furtados e extraviados e os tipos de armas encontrados nas mãos dos criminosos.
“O que a gente descobriu nessa análise é que essa arma que é desviada muitas vezes não demora 24 horas para começar a ter uso criminal”, afirma Bruno Langeani, do instituto.
O Fantástico teve acesso a esse levantamento com exclusividade. No topo das cinco armas mais apreendidas está o revólver calibre .38, com 42% dos registros. Depois vem a pistola .40, o revólver .32, a pistola .380 e o revólver .22.
Os tipos de arma e calibre coincidem com o perfil das cinco armas mais desviadas. Foram comparados também o calibre e a marca. Quase todos os tipos e marcas de armas mantêm a mesma relação, o que indica, segundo os pesquisadores, que o crime se abastece, na maioria das vezes, de armas compradas legalmente.
A pesquisa mostrou também que em todo o estado são desviadas, em média, nove armas por dia: 46,2% das armas foram levadas de residências, 22% das vias públicas, e 14,4% de empresas de vigilância.
O estudo ainda revela que os desvios têm aumentado entre caçadores, atiradores e colecionadores de armas, os chamados CACs. Um homem que não quer se identificar e tem registro de atirador é testemunha de uma investigação da Polícia Federal sobre um esquema que falsificava documentos do Exército para desvio de armas.
“Eu conheço muitos amigos que foram na loja e retiraram uma arma com documento falso. O dono da loja não sabe que o documento é falso? O dono da loja tem que saber, né?”, conta.
A flexibilização para a compra de armas no governo de Jair Bolsonaro aumentou de forma expressiva a quantidade de armas legais no país. A lei permite que os atiradores comprem até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, como fuzis. No ano passado, foram desviadas mais de 840 armas dos CACs.
Procurado pelo Fantástico, o Exército disse, em nota, que executou 59 operações de fiscalização interagências em 2021, que o foco da auditoria tem sido os grandes acervos – com 30 armas ou mais – e as entidades de tiro, e que servidores cadastrados da PF têm pleno acesso aos dados do sistema de gerenciamento militar de armas. Já a Polícia Civil e o Ministério Público podem solicitar as informações sempre que necessário.