Ex-juiz candidato a governador de Mato Grosso do Sul, Odilon de Oliveira nega irregularidades
Braço direito por 22 anos do juiz federal aposentado e atual candidato a governador de Mato Grosso do Sul, Odilon de Oliveira (PDT), o bacharel em direito Jedeão de Oliveira, 49, afirmou ao jornalista Rubens Valente, da Folha de S. Paulo que o magistrado concedia à Polícia Federal autorizações genéricas de interceptações telefônicas, o que abria espaço para gravações clandestinas, mandava inflar dados divulgados à imprensa sobre apreensão de bens e abrir inquéritos com base em cartas anônimas para legalizar gravações. Ele procurou o Ministério Público Federal para um acordo de colaboração premiada.
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Em junho de 2016, Jedeão foi exonerado após uma apuração interna ter concluído que ele transferiu indevidamente R$ 53 mil de uma conta judicial para um réu que tinha direito à devolução do mesmo valor. O ex-diretor diz que foi uma manobra financeira para solucionar um problema nas contas da vara, mas que não ficou com nenhum centavo e que o dinheiro seria reposto quando o problema fosse encontrado.
Ele diz que, na época, procurou o juiz para se explicar. Odilon gravou a conversa e a entregou para a PF. Segundo Jedeão, a partir daí ele passou a ser acusado de irregularidades diversas, as quais ele nega, que somadas representariam um desvio de R$ 10 milhões. A PF não encontrou o destino do suposto valor desviado.
O ex-diretor disse que começou a receber ameaças veladas de morte e passou a temer pela sua segurança. Há dois meses, decidiu entregar à Procuradoria da República em Campo Grande (MS) uma proposta de colaboração premiada..
A Folha localizou em um cartório de registro público do interior de São Paulo um texto de 23 páginas registradas por Jedeão e depois o encontrou em Mato Grosso, para onde se mudou em busca de segurança. Ele confirmou os 12 pontos que formam o documento registrado.
Em um dos trechos, o ex-diretor disse que o juiz costumava autorizar interceptações de telefonemas cujos números eram encaminhados em anexos, sem a descrição detalhada do objetivo de cada gravação, abrindo espaço para o que ele chamou de “barriga de aluguel”.
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Em junho o sr. foi a um cartório e registrou uma declaração. O que o motivou a isso?
Procurei meu advogado [e disse]: ‘Eu tenho informação, sei de um monte de coisa que aconteceu e por causa disso eu posso ser eliminado aí numa queima de arquivo. Preciso deixar registrado isso em algum lugar e até por questão de minha segurança e algumas pessoas saberem que está lá. Se acontecer alguma coisa comigo, está lá’. Escolhi então um cartório, onde fiz uma declaração pública contando minha experiência de 22 anos na Justiça Federal. O que eu vi, o que eu acompanhei, e assim eu fiz. Para me resguardar.
Como era a relação do juiz com a mídia? O sr. acha que ele tinha interesse político desde quando?
Desde o momento em que cheguei lá, em 1995, cerca de seis meses, um ano depois, quando começaram os grandes casos da vara, isso ficou claro para mim, nítido. […] É algo assim como necessidade. A ponto de ele ter que, de repente, inventar coisas para estar na mídia. Por exemplo, inflar ou aumentar o número de bens apreendidos na vara para dizer que ele era o cara que tinha bilhões de valores apreendidos graças ao trabalho contra o crime organizado. Grande parte disso era inventada.
Você cita na sua declaração que 18 documentos de aviões foram divulgados como sendo 18 aviões apreendidos.
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Eram cinco ou seis aviões [na realidade]. E se colocava [no balanço] como 18 aeronaves. […] Chegava um momento em que ele acreditava que eram 18 aviões. Ele chegava a brigar com os funcionários. ‘Mas são 18 aviões, eu decretei o perdimento na sentença!’. [Eu explicava:] ‘O sr. decretou o perdimento dessa aeronave através do documento que foi apreendido na oficina tal’. Não se sabia se a aeronave existia, se era carcaça. Era um documento que tinha o prefixo do avião e aquilo entrava como 18 aeronaves [apreendidas]. […] Esses relatórios eram para abastecer a imprensa. Não serviam para nada dentro de processo, do bom andamento processual. Ocorria muito de ter documento mas não ter terra também. E daí vinha o superdimensionamento do valor daquele hectare. Porque precisava atingir ‘bilhão’. A cifra tinha que ser bonita no final do relatório. […] O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] criou um sistema nacional de bens apreendidos, mas a 3ª vara não tinha como cadastrar isso, porque a maior parte dos bens não eram bens, eram documentos que foram apreendidos.
Qual era o processo usado por ele para as intercepções telefônicas?
Começou a ocorrer a partir de 2005, por conta da especialização da vara em crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Até o dia em que um juiz de outra vara, substituindo ele nas férias, doutor Pedro Pereira, recebeu um pedido da Polícia Federal de interceptação telefônica. Naquele dia, o doutor Pedro abriu meus olhos. Porque quando montei o material, minutei, o modelo de ofício como a gente fazia na 3ª vara e levei para ele, ele: ‘Não, não pode ser assim. Cadê o número dos telefones? Precisa entrar na decisão e no ofício’.
E como era feito até então?
A decisão ficava genérica, em aberto. Não aparecia números, só tinha a ordem: ‘Proceda a escuta’ -não lembro os termos exatos, mas nesse sentido- ‘dos telefones apresentados no anexo da Polícia Federal’. E assim ia o ofício para a operadora. Então no ofício não tinha os números [integrais]. E citava o anexo. E dessa forma ficava em aberto para escuta clandestina através daquilo que a gente conhece como ‘barriga de aluguel’. […] Eu tenho certeza de que ocorreu na vara, e por muitas vezes.
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E se fosse constatado um crime nessas gravações?
Uma coisa que ocorria muito na 3ª vara, de tempo em tempo, eu diria até que era quase semanal, chegava pelos Correios uma carta com uma denúncia anônima. […] O juiz despachava à PF para instauração de inquérito. Chegando lá, era realmente instaurado um inquérito e começava o procedimento bonitinho, legal e oficial, conforme está na lei.
Por que o sr. na época não comunicou às autoridades competentes?
A autoridade que eu tinha em mente era o juiz federal Odilon de Oliveira.
Por que a correição não pegava esses procedimentos?
Não, porque na véspera da correição havia a preparação de alguns processos para que isso não fosse detectado. Processos que estavam naquele cofre à prova de fogo [na sala do juiz]. […] O juiz determinava e eu mesmo fazia muitas coisas, colocava em ordem para parecer normal, para parecer legal.
Neste momento em que o juiz é candidato, as pessoas podem entender que há uma razão política nas suas declarações. Como o sr. responde a isso?
O processo que respondo na 5ª vara da Justiça Federal de Campo Grande é que me trouxe até esse ponto. Eu estou completamente alheio à questão política, quais são os interesses dessa pessoa [juiz] politicamente. A minha preocupação é a minha integridade, a da minha família, e a minha defesa no processo da 5ª vara.
OUTRO LADO
O candidato pelo PDT ao governo de Mato Grosso do Sul, Odilon de Oliveira, negou irregularidades na concessão de interceptações telefônicas quando juiz federal em Campo Grande (MS) e disse que as acusações do ex-diretor da 3ª Vara Federal, Jedeão de Oliveira, “têm fundo político”.
“Os ofícios para interceptação são encaminhados com a relação. No teor do ofício, já consta a relação. É então humanamente impossível, mesmo porque as empresas de telefonia não fazem monitoramento sem que no ofício conste a relação dos telefones.”
O juiz negou ter inflado dados de balanços de apreensões divulgados à imprensa. Ele disse, porém, que há diferenças entre os dados que constam da base nacional de bens apreendidos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e “a realidade processual”.
“Muitas vezes não bate com o que está apreendido no Brasil, em qualquer vara. Porque muitas vezes o juiz não alimenta, quer dizer, a Justiça não alimenta aquele cadastro nacional no tempo certo. Muitas vezes não tem condições técnicas de alimentar, pois é um cadastro muito falho. Os bens constantes do cadastro nacional nunca conferem com a realidade processual.”
O juiz disse que processos de monitoramento telefônico eram guardados no cofre de sua sala porque “são ultrassigilosos”.
Sobre a escolta da PF, Odilon disse que nenhum policial se recusou a fazer o trabalho. “Os agentes, todos eles, nunca se recusaram a prestar serviço. E todos os deslocamentos meus são registrados em livros de ocorrência. […] Isso é simplesmente conversa de pessoas que querem vingança, querem se vingar porque eu fiz a apuração.”
Odilon disse que o ex-diretor “enganou o juiz da vara, enganou a corregedoria” e por isso as 13 correições feitas pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região não teriam localizado as irregularidades na vara.
“Ele quer jogar lama no ventilador para atingir qualquer pessoa e afastar dele qualquer possibilidade [de investigação].”
Em nota, a Superintendência da PF em Mato Grosso do Sul afirmou que “em todas as suas investigações, atua dentro da mais estrita legalidade. Todas as representações e diligências são objeto de controles rígidos, seja internamente (por meio das Corregedorias), seja em âmbito externo pelos órgãos de controle”.
Jedeão negou qualquer interesse eleitoral nas suas declarações, disse que não teve contato com campanhas de adversários de Odilon e afirmou que registrou o termo em cartório para preservar sua integridade física.
Folha de Dourados
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