O cansaço é uma das reclamações mais comuns entre os pacientes que procuram clínicos gerais. Estudos apontam que entre 20% e 50% da população mundial relata sofrer de fadiga, em níveis variados de intensidade, frequência e duração.
“Em geral, quem tem um cansaço não tem só esse problema, ele vem acompanhado de outros sintomas associados”, afirma o psiquiatra Mario Juruena, professor do King’s College, da Universidade de Londres, na Inglaterra. “Podemos ter duas vertentes: uma mais ligada a sintomas psicológicos e outra à parte orgânica. Em geral, o indivíduo primeiro passa por uma revisão física, que identifica se ele tem alguma doença, anemia ou algum tipo de infecção, como uma gripe, por exemplo.”
Exames laboratoriais podem servir para confirmar ou afastar diversas doenças que têm o cansaço como sintoma, como diabetes, hipotireoidismo, apneia do sono ou insuficiência cardíaca. Mas, em alguns casos, o permanente estado de fadiga e uma sensação de esgotamento físico e mental podem representar um problema mais específico.
PULICIDADE.
“Nesses casos, o diagnóstico é eminentemente clínico, feito por exclusão. Vai depender muito da experiência do médico”, diz o reumatologista Roberto Heymann, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Os médicos apontam ainda que há fatores que contribuem para deixar os indivíduos com uma sensação maior de cansaço e, como consequência, mais expostos a doenças como a depressão ou a síndromes como a fadiga crônica e o burnout (processo de esgotamento físico e mental associado a um desgaste no trabalho). O estilo de vida é um desses fatores, em especial hábitos que podem levar as pessoas a níveis de estresse maior, como horas extras dedicadas ao trabalho, dificuldade para dormir, alimentação inadequada e sedentarismo. Outros fatores são a vulnerabilidade orgânica, genética ou psicológica, que também aumentam a predisposição a essas doenças.
“Existe uma relação entre a vulnerabilidade do indivíduo e o agravante ambiental. A combinação dos dois é que vai desencadear esses tipos de doença”, diz o psiquiatra Mario Juruena. “As pessoas que passaram por maus-tratos ou uma situação de negligência emocional na infância ou na adolescência, o chamado estresse de vida precoce, também têm um risco maior de desenvolver essas doenças.”
Mesmos sintomas, doenças diferentes A síndrome de burnout, a fadiga crônica e a depressão, muitas vezes, apresentam os mesmos sintomas. As diferenças aparecem no papel que cada sintoma tem no quadro do paciente e no fator que desencadeia a doença. Na depressão, por exemplo, o cansaço é um sintoma acessório, menos significativo do que os sintomas fundamentais do problema, que são uma tristeza permanente e a anedonia (perda da capacidade de sentir prazer ou interesse pelas coisas).
Além do cansaço, outros sintomas acessórios da depressão –que podem ou não aparecer em um paciente– são alterações no peso, no sono e na libido, problemas psicomotores (agitação ou apatia), sentimento excessivo de culpa, dificuldade de concentração, pensamentos recorrentes de suicídio e baixa autoestima. Para um paciente ter o diagnóstico da doença, é preciso que ele apresente um dos dois sintomas fundamentais e pelo menos cinco dos acessórios.
Já a síndrome da fadiga crônica tem como principal característica um cansaço altamente incapacitante em associação com outros sintomas. A fadiga é grave a ponto de causar uma perda significativa de funções físicas e sociais por pelo menos seis meses. Além disso, quatro dos seguintes sintomas também precisam estar presentes: alterações do sono (em geral, sonolência excessiva), prejuízo na concentração, dor muscular, dores múltiplas nas articulações, dores de cabeça, cansaço exagerado depois de algum esforço, garganta inflamada e nódulos linfáticos inchados.
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“Em geral, é algo bastante incapacitante”, afirma Juruena. “O indivíduo acaba, muitas vezes, perdendo o emprego porque não consegue ter energia para se levantar de manhã.”
“Geralmente, a pessoa já acorda fatigada, e o repouso não descansa”, acrescenta o reumatologista Roberto Heymann. O médico destaca ainda que é comum a fadiga crônica ser acompanhada por outras doenças. “Muitas dessas pessoas são pacientes sofridos, que passam de médico em médico.”
É o caso de Cristian Salemme, 39, que há cerca de 16 anos foi diagnosticado com a síndrome da fadiga crônica e fibromialgia, uma dor também crônica que migra por vários pontos do corpo, especialmente pelos tendões e articulações. “Os primeiros diagnósticos foram difíceis”, recorda. “Você é tratado como um vagabundo. Não consegue levantar, não consegue fazer nada. Chega ao ponto de você não ter energia para levantar da cama e tomar um banho.” Cerca de quatro anos depois do início do tratamento para as duas doenças, Salemme ainda recebeu um terceiro diagnóstico: polineuropatia periférica, uma doença degenerativa que afeta o sistema nervoso. Por conta do novo problema, teve de se aposentar do trabalho em uma empresa da indústria automobilística.
Estado de estresse permanente Já na síndrome de burnout, o cansaço aparece como consequência da principal característica da doença: um estado de estresse permanente, provocado necessariamente por um desgaste físico, emocional ou psicológico no ambiente de trabalho. Em geral, costuma atingir pessoas que trabalham em atividades como profissionais da área de saúde, educação, recursos humanos ou assistência social, por exemplo, que, muitas vezes, trabalham em pé, por longas horas, ou lidam com dramas e frustrações de outras pessoas.
“São pessoas que se deparam com situações extremamente traumáticas. Esses profissionais vivem um estresse, um desgaste permanente, no seu dia a dia”, afirma o psiquiatra Mario Juruena. “A pessoa passa a querer evitar aquele ambiente de trabalho, porque aquilo desencadeia mal-estar, lembranças, cansaço. E isso leva a reações físicas semelhantes à fadiga crônica e à depressão.”
Os principais sintomas do burnout são o esgotamento físico e emocional, que tendem a levar a um aumento da irritabilidade e da agressividade, mudanças bruscas de humor, isolamento, ansiedade e a uma sensação de desgosto e desmotivação pelo trabalho. Juruena diz que a síndrome de burnout se desenvolve aos poucos e se instala mais rápido dependendo das vulnerabilidades de cada pessoa.
A professora Íria de Marco, 53, enfrenta o problema desde 2010, quando, ao final de mais um longo dia de trabalho, resolveu abandonar a sala de aula, em uma escola da rede pública do Paraná, após um processo de desgaste que durou pouco mais de seis meses. “Eu tive, primeiro, sintomas físicos, alergias, pedras nos rins, bruxismo. Depois, começou a irritabilidade. Comecei a brigar com colegas, alunos, passei a não gostar mais do meu trabalho. Não via mais resultado nenhum, achava aquilo tudo uma bobagem, que não ia dar em nada”, recorda.
Em seguida, a professora passou a sofrer com sintomas psiquiátricos: taquicardia todas as noites, insônia e pesadelos sempre associados ao trabalho. “Eu não parava de chorar, ficava totalmente exausta com o trabalho”, descreve. Depois, veio a busca por um diagnóstico, o início do tratamento e o afastamento do trabalho. “A síndrome de burnout destrói a pessoa”, lamenta Íria. “Cada sintoma é uma doença. Tenho depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Já tentei o suicídio quatro vezes.”
Sete anos depois, aposentada por conta dos problemas de saúde, Íria diz que o tratamento tem altos e baixos e o que mais ajuda são duas novas atividades que surgiram durante a luta contra o burnout: um grupo de apoio que criou para ajudar outros professores com o problema e um livro (“Eu, Professora e Burnout”, Juruá Editora), lançado no ano passado, que fala sobre a síndrome e o ensino público no Brasil.
Etapas semelhantes de tratamento De acordo com o psiquiatra Mario Juruena, os pacientes de depressão, fadiga crônica e burnout passam por etapas semelhantes de tratamento. A psicoterapia, por exemplo, é fundamental para mudar a percepção que o paciente tem dos problemas que está vivendo e conseguir enfrentá-los. Além disso, também é preciso tratar os sintomas associados, como a ansiedade e as alterações de sono. “É um quadro complexo, que envolve muitos especialistas”, afirma.
Além de remédios para os sintomas específicos que abalam a saúde do paciente, o médico diz que, em alguns casos, o tratamento também pode envolver o uso de medicamentos para regular o funcionamento de um conjunto de órgãos do sistema neuroendócrino conhecido como eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal), que controla o hormônio do estresse, o cortisol.
Juruena afirma que todos os casos têm tratamento e podem resultar em graus diferentes de recuperação. “Cada pessoa reage de forma diferente a esses quadros. Há muitos indivíduos que passam por essas doenças e não vão ter mais sintomas, vão se recuperar completamente”, diz o psiquiatra. “Provavelmente não são a maioria, mas muitos poderão voltar às suas atividades pessoais e profissionais com o tratamento adequado.”(UOL)
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