Diretor do Butantan contou à CPI que declaração de Bolsonaro contra CoronaVac, em outubro, travou negociações. Governo federal e instituto assinaram acordo em janeiro de 2021.
Em depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (27), o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que uma demora de três meses por parte do governo federal para assinar o contrato da CoronaVac impediu que 100 milhões de doses da vacina fossem entregues até maio deste ano.
A CoronaVac é produzida pelo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
À CPI, Covas apresentou o contrato oferecido ao Ministério da Saúde em 7 de outubro – uma versão parcial do documento acabou sendo firmada em janeiro de 2021 ano e atualizada em fevereiro.
“Na presente oportunidade representamos a oferta de 100 milhões de doses da vacina contra o coronavírus a este ministério. Deste total, 45 milhões serão produzidos no Instituto Butantan em dezembro de 2020, 15 milhões de doses estarão prontas até o final de fevereiro de 2021 e 40 milhões adicionais poderão ser obtidas até maio de 2021 mediante manifestação imediata deste ministério”, leu o diretor do instituto.
O governo federal, no entanto, não levou as negociações adiante, segundo o diretor do Butantan.
Dimas Covas relatou uma série de reuniões com representantes do Ministério da Saúde. Estava previsto para o dia 20 de outubro o anúncio da aquisição da CoronaVac. “Seria até uma comemoração capitaneada pelo então ministro da Saúde [Eduardo Pazuello] no anúncio dessa vacina”, lembrou.
Na véspera do evento, porém, o presidente Jair Bolsonaro deu entrevistas e divulgou em suas redes sociais que havia mandado cancelar o contrato. “Não abro mão da minha autoridade”, reforçou o presidente, na ocasião. Bolsonaro desdenhou da CoronaVac ao longo do ano passado, em meio a disputa política com o governo de São Paulo.
O então ministro Pazuello, na sequência, gravou vídeo ao lado de Bolsonaro no qual dizia: “É simples assim. Um manda e o outro obedece”.
Depois disso, contou Covas, “as tratativas não progrediram”, apesar das “insistências em contatos”.
À CPI, na semana passada, Pazuello disse que as declarações de Bolsonaro não afetaram as negociações com o Butantan.
De acordo com o Ministério da Saúde, até o momento foram disponibilizadas 47 milhões de doses da CoronaVac – ou seja, menos da metade do que o inicialmente previsto.
Oferta em julho
Covas também relatou um primeiro contato do instituto com o governo no dia 30 de julho, quando havia uma previsão de entrega de 60 milhões de doses até dezembro do ano passado. O governo federal recusou também essa oferta.
Mudança no cronograma
O contrato com o Instituto Butantan acabou firmado em 7 de janeiro. No entanto, disse Dimas Covas, o documento inicial, com previsão de 100 milhões de doses, “saiu do sistema” e foi substituído por um contrato de 46 milhões de doses, com a opção de outras 54 milhões – esse adicional apenas foi firmado em fevereiro.
Covas afirmou que as “idas e vindas” do governo federal “mudaram completamente o cronograma”.
“Se nós tivéssemos a assinatura dos contratos com quantitativo maior, de 100 milhões, o cronograma seria outro. Poderia ter sido cumprido até maio. Mas isso se houvesse sinalização lá em outubro. Em janeiro já havia existia escassez mundial da vacina. A própria Sinovac já tinha contratos com o governo da China, já tinha contratos com outros países, e nós entramos em outra negociação”, completou.