É uma “doença sem cura”. Existem “tratamentos” paliativos e que procuram manter o “paciente vivo”. Mas, não há duvidas de que, quando o assunto é a circulação de motocicletas [estrangeiras ou de procedência questionável] na fronteira Ponta Porã/Pedro Juan Caballero, todos concordam que esse é um comportamento instituído por razões culturais, sociais e, sobretudo, econômicas, já que a aquisição desses veículos está praticamente ao alcance de todos.
O tema é polêmico, alvo de diferentes opiniões e foco de preocupações de autoridades dos três poderes tanto de um como de outro lado da linha internacional. Todavia, não há como negar que a fronteira vai conviver com essa realidade por muito tempo, quiçá para sempre.
Já se tentou de tudo para resolver esse imbróglio binacional. Desde a instituição de uma política de “tolerância zero”, que acabou “soterrada” pelo amparo social que o assunto transporta, até a regularização das motos “paraguaias” através de cadastramento e emplacamento na Prefeitura Municipal de Ponta Porã. Infelizmente, por melhores que fossem as intenções, a iniciativa também acabou “morrendo atropelada” por dispositivos constitucionais.
“TRATAMENTO”
De qualquer forma, a verdade é que o problema existe e não há como ignorá-lo. Diante disso, esta semana, depois de acompanhar pessoalmente mais uma blitz realizada pela Guarda Civil Municipal de Ponta Porã, com apoio da Polícia Militar, o titular da 1ª Promotoria de Justiça de Ponta Porã, Dr. Gabriel da Costa Rodrigues Alves, disse ao Jornal Che Fronteira que há duas frentes de trabalho para o que se poderia considerar uma “profilaxia permanente”.
A primeira é a orientação e a capacitação dos motociclistas [considerando que uma grande parcela sequer conhece a legislação de trânsito], e a segunda é a fiscalização e o controle dos veículos e de seus condutores, quanto à documentação, os equipamentos e as condições de trafegabilidade das motocicletas. Para o promotor de Justiça, “as pessoas precisam se dar conta de que há uma legislação de trânsito em vigor, estamos no Brasil e isso deve ser respeitado”. Ele reiterou que “não há como permitir que uma pessoa trafegue pelas ruas da cidade sem capacete, sem faróis ou espelhos retrovisores e, principalmente, sem habilitação [o que atinge a maioria dos casos em que as motos acabam apreendidas], além dos episódios em que há mais de duas pessoas engarupadas”.
Rodrigues Alves disse, ainda, que observou a abordagem dos agentes de trânsito e considerou adequado o procedimento aplicado, com destaque para a calma, a educação e sensibilidade no tratamento com os motociclistas barrados nas fiscalizações.
“MAR DE MOTOS”
Por outro lado, outro “efeito colateral” ocorre em virtude do grande volume de motos apreendidas. Para se ter uma idéia, na fronteira, considerando as duas cidades-irmãs como uma só, chega-se a uma população que gira em torno de 240 mil pessoas. Já o número de motocicletas em circulação pelas ruas e “calles” das duas cidades, passa de 80 mil veículos, o que corresponde a um resultado de uma motocicleta para cada três habitantes, muito acima da média de qualquer outro local no mundo inteiro [incluindo a China e a Indonésia, com uma moto para 4,3 pessoas, segundo dados apresentados na última Convenção Internacional sobre Trânsito Rodoviário].
Com isso, a situação da agência do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) em Ponta Porã é a de uma “ilha” cercada por um “mar de motos” por todos os lados. Hoje, há mais de 500 delas “empilhadas” no pátio do órgão. Enquanto o chefe da unidade, Renato Saad, atendia a reportagem do Jornal Che Fronteira, na manhã desta quinta-feira (29), mais um caminhão, com outras 27 motos apreendidas, descarregava o “produto” de mais uma bliz, realizada um pouco antes.
Tanto é que, atendendo ao pedido do Ministério Público do Estado, a Justiça de Ponta Porã determinou, em maio deste ano, que o Detran removesse dos pátios da Agência Regional de Trânsito da cidade, metade dos veículos e motocicletas apreendidos que os donos não foram buscar e que num prazo de 60 dias retirasse o restante sob pena de pagar multa de R$ 1 mil por dia se não fizer.
De acordo com o MP, desde abril de 2018 os pátios estão lotados e isso fez com que as fiscalizações e apreensões por parte da polícia fossem reduzidas por falta de espaço para armazenar carros e motos irregulares.
Desde então, revelou o chefe do Detran, a agência tem disponibilizado as motos e outros veículos nacionais para serem leiloados, enquanto os de procedência estrangeira têm sido enviados para Campo Grande, onde são destruídos e transformados em sucata, servindo de matéria prima para siderúrgicas e empresas de reciclagem.
Em cada “leva”, cerca de 500 motos são enviadas para o sucateamento, já que das apreensões [são mais de 1.000 por ano] devem continuar indefinidamente. Até fevereiro deste ano, eram 379 carros apreendidos, além de 326 motocicletas brasileiras e 1.033 motocicletas estrangeiras.
“MORTES”
O que mais preocupa e motiva a ação de “evitar o pior” é a quantidade de acidentes, muitos com vítimas fatais, que vêm ocorrendo, principalmente em virtude da imprudência, da alta velocidade e da falta de habilidade dos condutores. Em função disso, a ação do MP cita ainda o descaso do Detran, que vem contribuindo para acidentes e mortes no trânsito devido a falta de recolhimento de veículos irregulares nas ruas por falta de local para depositar. Em julho de 2018, já sob o efeito de três meses sem operação de trânsito na cidade, houve um aumento de acidentes e traumas de 300% em relação ao mesmo período de 2017.
O cumprimento da decisão continua sendo monitorado pelo Ministério Público Estadual podendo haver abertura de investigação pela prática de improbidade administrativa por parte do Detran. (Edmondo Tazza – MTE/MS 1266) PONTAINFORMA