A percepção de uma crescente procura nos consultórios para correções de problemas, que vão desde assimetria até cegueira, motivou o estudo.
(FOLHAPRESS) – Uma pesquisa brasileira feita com 160 médicos dermatologistas publicada este ano mapeou a incidência e as causas de complicações nos preenchimentos faciais no Brasil. A percepção de uma crescente procura nos consultórios para correções de problemas, que vão desde assimetria até cegueira, motivou o estudo.
O levantamento, feito em 2021, levou em consideração os registros médicos enviados pelos participantes de 19 estados. Foram solicitados via questionários o número de procedimentos realizados, os tipos de produtos e o detalhamento das complicações atendidas no ano anterior.
Ao todo, foram avaliados 47.360 procedimentos do tipo, dos quais 1.032 tiveram complicações (média de 6,45 por ano), sendo mais da metade deles, 550, ocasionados em procedimentos feitos por não médicos.
Apesar da fraca correlação entre o número total e as complicações (cerca de 2,2%), a proporção de danos em casos tratados por não médicos preocupa os pesquisadores, bem como o uso incorreto dos produtos.
A média de procedimentos de cada dermatologista foi de 7,4 por semana, e os agravamentos decorrentes de procedimentos dos próprios entrevistados representaram um índice de 1,23 ao ano. Já pacientes atendidos por outros tipos de médicos tiveram uma taxa de lesão de 1,79 por ano, e os atendidos por outros tipos de profissionais não médicos chegaram a ter 3,43 por ano.
Excesso de produto e falta de técnica estão entre as causas mais comuns das queixas, sendo as principais complicações relatadas após um mês ou mais do procedimento. Os resultados foram publicadosno artigo “Frequency of Complications of Aesthetic Facial Fillers in Brazil” (frequência de complicações dos preenchimentos faciais estéticos no Brasil), na Revista de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos.
Os autores Mayra Ianhez e Marcela Souza, da UFG (Universidade Federal de Goiás), e Hélio Miot, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), estudaram, além da frequência das complicações, as características de produtos e as técnicas de injeção.
“A questão que nos despertou a curiosidade foi: será que as complicações estão mais frequentes unicamente por que tem mais pessoas fazendo, ou isso está ligado a profissionais com uma habilitação reduzida?”, conta Miot, que é professor do departamento de dermatologia da Unesp.
Uma segunda hipótese avaliada foi a do tipo de preenchimento. “Uma coisa é fazer um que corrija uma ruga pequena, outra é fazer a chamada volumização”, diz Miot.
O professor afirma que grande parte das complicações aconteceu pelo volume de produto, o que reforça a tese de que uma correção mais natural, sem injeção excessiva em locais como bochechas, queixos e lábios, é mais indicada.
“Maior o volume de produto, maior o risco de infecção, maior o risco de reação tecidual, [porque] fica mais tempo no tecido, provocando reações de hipersensibilidade local.”
Outro problema é a regulação de produção e venda. Diferente da toxina botulínica, os preenchedores e os bioestimuladores usados nas chamadas “harmonizações faciais” não são considerados medicações do ponto de vista regulamentar.
“Você não tem que provar a eficácia e segurança igual ao medicamento. Se eu lançar uma dipirona, tenho que provar a bioequivalência do meu com o de referência no mercado. Se eu lançar um ácido hialurônico, não”, alerta Miot.
Segundo o professor, apesar de haver controle de qualidade durante a produção, para o ácido hialurônico, o ácido polilático e a hidroxiapatita de cálcio, as três substâncias básicas avaliadas na pesquisa, não há uma vigilância de efeitos adversos e de segurança.
As principais complicações relatadas foram nódulos (63% da amostra), edema (inchaço) persistente ou intermitente (62%) e infecção tardia (25%). Em menor amplitude, houve oclusão arterial (15%), que leva a necrose, e ulceração da pele (8%).
A pesquisadora Ianhez, que é chefe da cosmiatria da UFG e médica do Hospital de Doenças Tropicais, aponta ainda que, embora efeitos adversos ocorram com todos os tipos de produtos, a incidência varia entre as marcas.
Assim, foram tabeladas as taxas de complicações de marcas específicas, mas os pesquisadores afirmam, no entanto, que para cada uma delas é necessário um estudo direcionado, principalmente quanto à tecnologia de cada fabricante. Para entender melhor os casos, a sensibilidade dos pacientes também deve ser avaliada em uma nova pesquisa em curso.
“Provavelmente, os pacientes que tenham mais autoimunidade, ou seja, que tenham mais doenças de reatividade, doenças reumatológicas, reagem mais a esses corpos e produtos estranhos”, diz Miot.
Também está sendo avaliado se a presença de um produto como o ácido hialurônico após uma infecção viral pode ser um indutor de reação e de inchaço. “Isso é bastante comum e mostra que o produto não é completamente inerte, ele é bem tolerado, bem seguro, mas pode reagir e inflamar após um estímulo imunológico, como dengue, Covid, tuberculose”, afirma Miot.
O cirurgião plástico Luís Maatz reforça que os preenchedores são seguros em mãos especializadas, mas os erros costumam ser de difícil tratamento. “Materiais não biocompatíveis, como metacrilato ou hidrogel, não devem ser utilizados, pois não são completamente absorvidos pelo organismo, apresentando risco de infecção e rejeição, com chance de cronificação e sequelas”, destaca.
Maatz diz ainda que as aplicações superficiais em determinadas áreas, como a pálpebra inferior, podem causar edema e alteração de coloração da pele. “Caso a necrose tecidual ocorra, haverá necessidade de cuidados locais com curativos e reconstrução com retalhos ou enxertos de pele a depender da extensão”, descreve.
O tratamento de deformidades, assimetrias e edemas, por sua vez, varia desde massagens no local até o uso da hialuronidase injetada para dissolver o produto aplicado.
“Há muitos médicos ou outros profissionais (como dentistas, biomédicos, farmacêuticos, enfermeiros, fisioterapeutas) que se intitulam especialistas em estética, mas não possuem formação para realizar os procedimentos de forma adequada e segura. Para minimizar os riscos, garanta que seu médico seja realmente especialista e tenha experiência”, indica o cirurgião.
Para José Horacio Aboudib, membro titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e coordenador de cirurgia plástica da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a pretensa facilidade desse tipo de procedimento induz ao erro e põe pacientes em risco.
“Qualquer procedimento médico deve ser feito, por mais simples que possa parecer, por um especialista no assunto”, diz.
Para escolher um profissional, a recomendação é buscar informações nos sites da SBCP e da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).