Denise Paro
Especial para o H2FOZ
Fotos e vídeos Marcos Labanca
Se no passado a migração brasileira rumo ao Paraguai foi impulsionada pela agricultura, hoje as faculdades de Medicina é que são o chamariz. Somente no departamento (estado) de Alto Paraná, cuja capital é Ciudad del Este, estima-se que cerca de 15 mil estudantes cursam Medicina, 98% brasileiros, de acordo com a Direção Geral de Migrações do Paraguai. O número é maior se comparado à população de inúmeros municípios brasileiros, como é o caso da paranaense Itaipulândia, com cerca de nove mil habitantes.
A presença dos estudantes na fronteira movimenta a economia do Brasil e Paraguai e atrai uma cadeia de negócios, desde restaurantes a cursos preparatórios para fazer provas e revalidar o diploma no Brasil. Nas áreas de Ciudad del Este, onde as universidades estão instaladas, uma verdadeira comunidade de jaleco branco contrasta com quem circula pelas ruas com as típicas vestimentas urbanas.
A corrida dos brasileiros em busca do tão sonhado diploma de médico no Paraguai é antiga, mas aumentou nos últimos anos após o governo federal criar o Programa Mais Médicos, que possibilita a graduados no exterior atuarem no Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil sem a necessidade de serem aprovados no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira (Revalida).
(“A crise consiste no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”)
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Instituído em 2013 para ampliar o atendimento na rede de atenção básica, o Programa Mais Médicos absorveu inicialmente profissionais de Cuba – realidade que está mudando. Em outubro do ano passado, os brasileiros já representavam 45,6% dos participantes do programa, de acordo com o Ministério da Saúde. Outros 47,1% eram cubanos. Entre os 1.375 médicos que ingressaram em outubro do ano passado, a maioria era brasileira graduada na Bolívia, Argentina e Paraguai.
Para aqueles que quiserem exercer a medicina no Brasil fora do SUS e obter o CRM, o único caminho é ser aprovado no Revalida, um exame considerado difícil e feito em duas etapas.
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Outro motivo que estimula os brasileiros a procurar o país vizinho é a recente decisão do governo federal, anunciada em abril, de suspender por cinco anos a abertura de novos cursos de Medicina no Brasil, não aliviando a concorrência já acirrada para o ingresso nas universidades. No Brasil há cerca de 31 mil vagas em cursos de Medicina, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Em algumas universidades paraguaias, há turmas com 100% de brasileiros nas salas, que chegam a reunir até 160 alunos ou mais no primeiro ano. Com o tempo, há muita desistência em razão da inadaptabilidade, e o número de estudantes acaba reduzindo em mais de 50%. O valor das mensalidades varia de R$ 600 a pouco mais de R$ 1.000. No Brasil, o preço médio da mensalidade é de R$ 6 mil a R$ 7 mil.
Na única universidade pública da região, a Universidade Nacional del Este (UNE), situada em Mingua Guazú, vizinha a Ciudad del Este, cerca de 90% dos alunos são de origem paraguaia. Lá as turmas não passam de 40 estudantes. A insignificante oferta de vagas no ensino gratuito faz com que os paraguaios priorizem as universidades públicas, porque a maior parte não tem condições de cursar uma instituição particular.
Para ter acesso ao diploma, o estudante precisa cursar Medicina durante seis anos, entre aulas teóricas e práticas. Quem leva o curso a sério precisa dedicar-se diuturnamente para vencer a jornada de trabalhos e provas e para compreender bem o espanhol, idioma das aulas. “O ensino é puxado”, diz a estudante Carla Araújo, 29 anos, que veio de Maceió.
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Exercício de desapego
Fazer Medicina no Paraguai não significa apenas frequentar uma universidade. É um exercício de se adaptar a uma nova cultura e idioma e ficar longe da família. A presença de estudantes brasileiros imprime um ritmo particular em Ciudad del Este. Aos poucos, eles formam uma comunidade à parte pelo fato de frequentarem as mesmas faculdades e restaurantes e boa parte morar nos mesmos condomínios.
Próximo a algumas instituições de ensino é fácil perceber o expressivo número de carros com placas brasileiras dos mais longínquos estados, incluindo do Norte e Nordeste. A chipa é um alimento típico do Paraguai, mas o pão de queijo começa a invadir o balcão de mercados e principalmente lanchonetes das faculdades. Um fornecedor do produto, de Foz do Iguaçu, resolveu levar o negócio para Ciudad del Este para atender à tamanha demanda.
Clayton Ribeiro de Souza: decidiu cruzar a fronteira com o Paraguai para estudar e diz que a experiência vale a pena.
Entre os estudantes, é comum encontrar enfermeiros, fisioterapeutas, graduados em biomedicina e até doutores. Um deles é Clayton Ribeiro de Souza, 39 anos. Com doutorado em enfermagem no Brasil e experiências em hospitais da capital paulista, ele decidiu cruzar a fronteira com o Paraguai para estudar e diz que a experiência vale a pena.
Rafael David: “Ciudad del Este me surpreendeu”
Há também aqueles que decidiram mudar de vida para morar no Paraguai e fazer a primeira graduação. Rafael David, 25 anos, é um deles. A família dele deixou a capital de São Paulo para morar em Ciudad del Este e acompanhá-lo. Hoje, ele gasta cerca de R$ 2.400 entre aluguel e faculdade e se mostra satisfeito com a nova vida. “Ciudad del Este me surpreendeu”, conta.
Quando se trata das dificuldades de adaptação relatadas por estudantes, a língua guarani é uma delas – há paraguaios que falam em guarani para despistar os brasileiros. Outro problema é a alimentação. Pelo fato de os estudantes não terem tempo de almoçar em casa – o curso é integral –, o jeito é fazer refeições fora, e nem sempre o menu paraguaio agrada por não ter o tradicional feijão com arroz.
Em razão disso, restaurantes com comida típica brasileira ou dirigidos por brasileiros começam a se instalar próximo às universidades. O Restaurante Clube Monday é um deles. O proprietário é Carlos Alberto do Amaral, 34 anos, que dirigia o Restaurante Maringá, em Foz do Iguaçu, fechado no início deste ano.
Ele diz que tem uma clientela cativa de estudantes brasileiros durante a semana, principalmente alunos das regiões Norte e Nordeste, acostumados a comer peixe. Aos domingos, o movimento também é intenso. “Muitos estudantes almoçam durante a semana e voltam no domingo para assistir programas brasileiros e jogos na televisão”, informa. Carlos, que também cursa Medicina e já é graduado em nutrição e gastronomia, disse que valeu a pena transferir o restaurante, administrado pela irmã, para Ciudad del Este.
Desafios
Os revezes também fazem parte da vida estudantil no Paraguai. Existem incômodos entre os próprios brasileiros. Alguns estudantes não priorizam o curso e se envolvem em festas e bebedeiras, causando má impressão naqueles que pretendem estudar.
Dessa realidade surge uma preocupação relacionada ao estado emocional. É comum ouvir casos de depressão e já houve relatos de práticas de suicídio.
Na Universidade Maria Serrana os alunos têm aulas sobre as peculiaridades da fronteira, diferenças culturais e a respeito do próprio Paraguai.
Por reunir alunos provenientes de vários locais do Brasil, o estudo de antropologia faz parte da grade de algumas universidades. A Universidade Maria Serrana é um exemplo. Lá os alunos têm aulas sobre as peculiaridades da fronteira, diferenças culturais e a respeito do próprio Paraguai. Outro propósito da universidade, reconhecida pelo Conselho Nacional de Educação (Conaes), é formar não somente médicos, mas também pessoas, prezando por um estudo humanizado da medicina. Por isso, os estudos de humanização na saúde estão incluídos no currículo da universidade.
A Maria Serrana também oferece gratuitamente aos alunos serviço de atendimento psicológico e psiquiátrico, apesar de não ter registrado casos graves de problemas com os estudantes brasileiros.
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