Crise põe em xeque força de pequenos e médios varejistas

Viver de varejo nunca é fácil: em um ramo que sobrevive com margens apertadas, é preciso contar centavos para fechar o mês no azul. Se isso já é um problema quando a economia está bem, torna-se quase insuportável às portas do segundo ano consecutivo de recessão. Como a corda sempre estoura do lado mais fraco, consultores e empresários do ramo são unânimes em afirmar que a sobrevivência dos pequenos e médios varejistas (aqueles que faturam até uns R$ 2 bilhões por ano) está em jogo – e o pior, alguns não aguentarão.
“Vamos ver muita empresa fechando; isto é certo”, afirma Mário Gazin, fundador da rede de varejo que leva seu sobrenome. “Será uma perda muito grande”, lamenta. Com sede em Douradina (PR), o Grupo Gazin é um dos 15 maiores varejistas do país, com 225 lojas espalhadas pelas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, mas conta também com uma financeira e seis fábricas, que produzem de móveis a colchões. No ano passado, faturou R$ 3,3 bilhões. Para se ter uma ideia do ritmo de crescimento, basta lembrar que, em 2009, a Gazin faturou, pela primeira vez em sua trajetória, R$ 1 bilhão.
Obcecado por metas, seu fundador Mário costuma espalhar cartazes com elas por toda a sede e premia aqueles que as entregam. Em 2016, porém, ele deve experimentar uma sensação nova. “Depois de 21 anos crescendo sem parar, este ano cairemos em faturamento e lucro”, explica, sem detalhar o tamanho da queda esperada.
As dificuldades da Gazin são um exemplo do que pequenos e médios varejistas enfrentam nesse momento. “As empresas com menos recursos estão mais vulneráveis à crise”, afirma Cláudio Felisoni de Angelo, presidente do Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo). Parece uma afirmação óbvia, mas tamanho e saúde financeira não são, necessariamente, proporcionais. Tanto que a corrida dos pequenos e médios varejistas às consultorias se acentuou apenas nos últimos meses, quando a crise já estava mais do que clara. “A procura por ajuda cresceu nos últimos seis meses”, conta Eugênio Foganholo, presidente da Mixxer, consultoria especializada no setor.
Correndo atrás do rabo
Segundo quem vive o dia a dia desse ramo, o mais preocupante é que as empresas caíram em uma espiral infernal: têm cada vez menos garantias para oferecer pelo dinheiro que precisam pegar no banco – a famosa antecipação de recebíveis. E, por isso, contam com cada vez menos recursos liberados.
Apesar dos termos pomposos, o raciocínio é simples: é como trocar um cheque pré-datado que você recebeu de um amigo. Se você não pode esperar até a data combinada para compensar o cheque e transformá-lo em dinheiro de verdade, pode trocá-lo com alguém. Para incentivar o negócio, você concorda em dar um desconto, em vez de receber o valor total. A diferença seria o “lucro” que a pessoa que ficará com o cheque terá, quando ele cair na conta dela.
Agora, imagine que, em vez de um cheque pré-datado, você tenha centenas deles por dia para trocar por dinheiro vivo. No mundo dos negócios e das finanças, essa transação é conhecida como antecipação de recebíveis, e sua base são as vendas a prazo que as varejistas realizam para seus clientes. Como não precisam de capital de giro, em vez de esperar que o cliente volte no mês seguinte para quitar a prestação e, com isso, receber dinheiro de verdade, as empresas levam essa carteira de recebíveis para o banco, que as compra mediante um desconto.
De que vale, mesmo?
Há três observações aqui. A primeira é que a inflação corrói essas contas a receber. Todos já passaram por isso: o dinheiro demora tanto para cair na conta que, quando chega, já não vale o que se esperava. A segunda é que a taxa de desconto cobrada pelos bancos está cada vez maior. Enéas Pestana, ex-presidente do Pão de Açúcar e dono da consultoria que leva o seu nome, calcula que ele possa chegar a 20%, dependendo do grau de risco da carteira (e estamos em recessão, com a inadimplência em alta) e do perfil da empresa. É uma mordida e tanto na previsão de faturamento de qualquer empresa – sobretudo as que operam com margens pequenas, como elas.
Em terceiro lugar, diante da crise econômica, as vendas estão caindo. O IBGE, por exemplo, divulgou um recuo de 4,3% nas vendas do setor em 2015 – o pior resultado desde o início da série histórica, em 2001. Na prática, isso significa menos vendas parceladas, o que reduz a carteira de recebíveis. Traduzindo: as empresas têm cada vez menos prestações para vender para os bancos em troca de dinheiro imediato. Tudo somado, pequenas e médias varejistas estão se descapitalizando rapidamente. “O maior problema é que as empresas foram muito assediadas pelos bancos, venderam seus recebíveis e não têm mais”, diz Gazin.
Como o setor não pode contar com a recuperação da economia nos próximos anos para reverter a situação, as empresas estão por sua própria conta e risco. A recomendação mais frequente dos consultores é aumentar ao máximo a eficiência da operação. Se isto é verdade para qualquer companhia, é especialmente crucial para pequenos e médios negócios. “Empresas desse porte apresentam o dobro de perdas operacionais que as grandes”, afirma Felisoni, do Ibevar.
Segundo uma pesquisa de 2013 feita pelo Ibevar, o varejo brasileiro desperdiça 1,83% de seu faturamento líquido com quebras (33% do total) e erros administrativos (24%). No caso das pequenas e médias empresas, esses números são ainda maiores. No ramo de produtos perecíveis, por exemplo, ela chega a 6,20% do faturamento líquido, puxados pelos supermercados, que perdem 10,1%. Em bom português, por falhas de gestão, eles rasgam R$ 10 de cada R$ 100 faturados. “Esta é a hora de uma reestruturação profunda para melhorar a produtividade”, resume Foganholo, da Mixxer. Afinal, quem rasga dinheiro em tempos de recessão?
O Financista
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