- Ignacio J. Molina Pineda de las Infantas
- The Conversation*
Essa é a pergunta que todos nós nos fazemos. O que aconteceu para que, em apenas algumas semanas, nos encontrássemos em uma situação igual ou pior do que a que tínhamos durante o confinamento do primeiro semestre. A velocidade de propagação do coronavírus nos surpreende e, embora ainda não tenhamos todas as respostas para a pergunta, nas últimas semanas foram feitas descobertas muito importantes que nos ajudam a entender o que está acontecendo.
O Sars-CoV-2 é mais contagioso do que outros coronavírus?
A resposta é sim. Existem dois outros coronavírus muito semelhantes que também causam doenças respiratórias muito graves: o Sars-CoV, que apareceu na China em 2003, e o Mers, que se espalhou no Oriente Médio em 2012. Ambos tiveram uma taxa de mortalidade muito maior do que o Sars-CoV-2 (35% dos pacientes com Mers morreram), mas sua taxa de infecção foi muito menor. Apesar dos temores iniciais, os dois surtos sumiram sem causar a temida pandemia.
Mas, se eles são tão parecidos, por que o coronavírus atual é tão altamente contagioso, enquanto os outros não?
A resposta está na inserção de quatro aminoácidos. Apenas quatro. Na verdade, um vírus age como um parasita que precisa entrar na célula para se replicar. Para ingressar nela, ele se liga a uma molécula presente em sua superfície (seu receptor) e, uma vez ancorado, esse receptor atua como um Cavalo de Tróia, internalizando-se e arrastando o vírus com ele para a célula.
Para que isso aconteça, é necessário que a membrana do vírus e a da célula se fundam, e aí, certas enzimas (proteases) que favorecem esse processo desempenham um papel fundamental. Poderíamos pensar que o Sars-CoV-2 é muito mais infeccioso do que seus outros dois parentes próximos porque usa um receptor ou proteases diferentes. Mas não. Ele usa o mesmo receptor (enzima angiotensina convertase-2, ACE-2) e também a mesma protease (serina 2 protease transmembrana, TMPRSS2).
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Então qual é a diferença? Voltamos aos quatro aminoácidos que foram inseridos na proteína da espícula (a “coroa”) do novo vírus, e que não está presente nos anteriores. Esses quatro aminoácidos (Arginina-Arginina-Alanina-Arginina, RRAR) criam um novo local de corte no qual uma protease diferente, a furina, pode atuar, que é muito ativa e abundante no pulmão.
Durante meses, suspeitou-se que este local era um elemento chave para explicar o aumento da taxa de infecção do Sars-CoV-2, mas apenas recentemente conseguimos confirmar esta hipótese. Em um estudo interessante, uma variante do Sars-CoV-2 foi produzida em laboratório em que esses quatro aminoácidos haviam sido eliminados, de forma que o local de corte da furina já não existia. A variante resultante tinha uma menor capacidade de infectar células pulmonares in vitro e também uma menor capacidade de infectar animais modelo.
Os hamsters infectados com a variante deletada tinham uma doença muito branda e o vírus tinha pouca capacidade de replicação, enquanto os animais infectados com o Sars-CoV-2 não manipulado sofriam de doença grave. Portanto, este local de corte da furina (os quatro aminoácidos inseridos) confere muito maior capacidade de infecção ao vírus que causa a covid-19 do que aquela exibida por seus predecessores de 2003 e 2012.
Mas isso não é tudo. Dados muito recentes mostram que, como consequência do corte da furina, surge um segundo local no Sars-CoV-2, também não presente nos seus antecessores, que favorece a infecção ao interagir com uma nova molécula: a neuropilina, que ajuda ainda mais na entrada do vírus. Uma pequena mudança nos causou um grande problema.
Variantes novas e mais infecciosas
Esses dados explicam por que o vírus é mais infeccioso do que os anteriores, mas a progressão da doença agora parece muito mais rápida do que na primavera. O que aconteceu?
Bem, o vírus mudou, e desta vez em um único aminoácido: o aminoácido 614 da proteína spike, inicialmente um aspartato, agora é uma glicina. Isso é o que é chamado de mutação D614G. Ela começou a ser identificada na Europa no final de fevereiro e, em abril, a maioria dos vírus que circulavam já continha essa variante hoje hegemônica no continente.
A lógica indicava que essa mudança mínima, um aminoácido por outro, era suficiente para conferir capacidade de infecção muito maior, uma vez que a variante mutada conseguiu substituir completamente a original.
Mas ainda era preciso que isso fosse demonstrado em laboratório. E, de fato, essa variante é muito mais eficiente infectando diferentes tipos de células. O mais importante é que os modelos animais também lhe dão aval. Quando hamsters foram inoculados com a nova variante, descobriu-se que era muito mais eficiente infectar células do nariz e da traqueia, mas não do pulmão. Além disso, quando os animais recebiam simultaneamente ambas, a versão com mutação rapidamente se sobrepunha à original.
Esses experimentos indicam que a nova variante, agora dominante, é muito mais infectante. Felizmente, ela não é mais virulenta, pois não há diferenças na capacidade de infectar as células pulmonares. E nem se estabeleceu em pacientes uma correlação entre a nova variante e a gravidade da doença.
A variante espanhola
Recentemente, apareceu uma nova variante, agora dominante na Europa. Cientistas espanhóis e suíços descobriram uma nova mutação (adicionada ao D614G), e que novamente resulta da alteração de um aminoácido: a Alanina 222 do pico é substituída por uma Valina (mutação 20A.EU1). Foi detectada em sete amostras espanholas e uma holandesa obtidas em 20 de junho. No dia 18 de julho ela estava no Reino Unido, no dia 22 na Suíça e no dia 23 na Irlanda. Na Nova Zelândia, estava em 22 de setembro.
Embora o significado biológico dessa variante ainda não seja conhecido, é possível que ela confira uma capacidade de infecção ainda maior ao vírus por ter se propagado rapidamente.
Como chegamos a esta situação
Para explicar isso, existem elementos relacionados ao vírus e outros ao comportamento social. A onda atual pode ser devido a uma variante muito mais infecciosa do que a do primeiro semestre, embora não seja mais letal, o que explica parcialmente a tremenda velocidade de propagação.
Nesse sentido, é possível que o que se vivenciou na Espanha tenha sido um avanço no calendário da segunda onda que toda a Europa agora sofre, já que a nova variante teria se originado neste país. Muito provavelmente, uma desaceleração abrupta e um comportamento social despreocupado durante os meses de junho, julho e agosto contribuíram para isso, então não há apenas efeitos atribuíveis ao vírus.
Duas boas notícias para terminar. Essas mutações, além de não serem mais patogênicas, provavelmente não terão efeito sobre as vacinas que estão sendo desenvolvidas, que se baseiam na sequência original, nem na capacidade de bloquear o vírus por neutralização de anticorpos monoclonais perto de serem aprovado. É melhor que nada.
*Ignacio J. Molina Pineda de las Infantases Catedrático de Inmunología en el Centro de Investigación Biomédica de la Universidad de Granada
Esteartigo foi publicado originalmente no The Conversation e publicado sob uma licença Creative Commons.