Estudos têm mostrado que tomamos decisões irracionais que prejudicam nossa saúde financeira com frequência. Entenda quais são os erros mais comuns e como evitar essas ‘armadilhas’ mentais.
Você está navegando em uma loja online e fica tentado a comprar um produto.
É um pouco mais caro do que a sua conta bancária permite, mas se torna a coisa mais urgente do mundo naquele momento. E se o preço aumentar e você perder a oportunidade? E se esgotar?
Tomado pelo impulso, você faz as contas de cabeça e decide comprar. Não precisa nem colocar o número de cartão, que já está salvo no navegador.
Nos últimos anos, estudos nas áreas de economia comportamental e neuroeconomia têm mostrado que essas situações – em que tomamos decisões irracionais que prejudicam nossa saúde financeira – acontecem com frequência.
Mas quais são os nossos erros econômicos mais comuns? E como não cair nas “armadilhas” do nosso cérebro?
Uma boa maneira é entender o que essas áreas de estudo têm descoberto e aplicar os ensinamentos no nosso dia a dia.
Você é racional?
Não faça nada por impulso sem antes avaliar se a culpa não vai estragar a festa, aconselha neurocientista — Foto: Getty Images via BBC
“A economia tradicional olhou por muito tempo para o indivíduo como alguém racional, frio e objetivo e que vai querer maximizar o seu bem-estar, seu lucro, seu ganho financeiro e interesse próprio”, afirma a professora Renata Taveiros, coordenadora do Curso de extensão em neurociência e neuroeconomia na FIA.
As tomadas de decisão inconsistentes, que fogem da racionalidade, eram consideradas anomalias. Ou seja, não viravam objeto de estudos.
Mas no final dos anos 70, um grupo de pesquisadores revolucionou a economia ao olhar justamente para essas anomalias.
Surgia o campo da economia comportamental, cujo maior nome é o psicólogo – isso mesmo, um psicólogo – Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel em 2002.
“Eles abrem esse espaço de conversa para que a gente possa perceber que tem outras coisas que influenciam a tomada de decisão, e não só a ideia de maximização da utilidade, do bem-estar e do lucro. Que coisas são essas? As emoções“, explica Renata.
No final dos anos 1980, outro campo de estudos vai ainda mais fundo.
Unindo as descobertas da economia comportamental e as técnicas da neurociência, a neuroeconomia tenta desvendar o que acontece no cérebro dos indivíduos na hora que ele decide fazer uma compra desnecessária, por exemplo.
“Agora a gente tem a possibilidade de abrir a caixa preta, que é como os economistas se referiam à mente das pessoas. Você consegue de fato olhar e entender o que vai acontecendo no processamento cerebral na hora que o indivíduo vai tomar uma decisão”, diz Renata.
“Quando você estuda neuroeconomia, cai por terra a ideia de que podemos controlar o comportamento, a tomada de decisão, tudo o que fazemos. Porque o motivador da tomada de decisão não é o aspecto racional, cortical, lógico e analítico. Ele está muito mais ligado à emocionalidade.”
Aprenda a dizer ‘não’ a si próprio
Antes de tudo, é bom deixar claro que os afetos e emoções não são necessariamente ruins. Pelo contrário, são de suma importância para nossa sobrevivência.
“A seleção natural nos trouxe a combinação do afeto com a razão. E não foi à toa. Isso maximiza nosso acoplamento com o mundo. Quando a gente tira emoção, a gente tira empatia pelo outro. Nossas decisões se tornam mais egoístas, e a sociedade como um todo desfalece“, diz o neurocientista Álvaro Machado Dias, da USP.
Mas é fato que emoções também podem nos levar a cometer erros graves, que levam ao sentimento de culpa e ao endividamento.
É nesse sentido que os ensinamentos economia comportamental e a neuroeconomia podem nos ser úteis: tornar nossa irracionalidade previsível e evitar decisões ruins.
A primeira dica parece simples, mas na prática é bem difícil. Você deve aprender a dizer não para si mesmo.
“Não faça nada por impulso sem antes avaliar se a culpa não vai estragar a festa. Entenda melhor seu ‘eu futuro’, com suas agendas e cobranças. Dizer não para si é como dizer não para um filho: é difícil, mas pode ser engrandecedor”, aconselha Álvaro.
Segundo Renata Taveiros Saboia, um dos motivos que tornam tão difícil essa negação dos próprios impulsos é a facilidade cada vez maior de fazer pagamentos. QR Codes, Pix, cartões de crédito que ficam salvos em sites de compras são alguns exemplos.
Além disso, o neurotransmissor chamado dopamina, que ativa o chamado “sistema de recompensa” do cérebro, também pode atrapalhar.
“Quando a dopamina está trabalhando, ela estimula o comportamento impulsivo. Como funciona? Você tem lá uma expectativa de ganhar algo. Pode ser dinheiro, bem-estar, prazer, uma imagem bacana diante dos outros, etc. E esse comportamento impulsivo te faz querer imediatamente aquela recompensa”, explica.
Um exemplo de como esse sistema de recompensa é explorado atualmente é a gamificação do consumo. Ou seja, a transformação do ato de comprar em um jogo.
Aplicativos de supermercados e lojas online prometem recompensas (descontos, produtos grátis, etc.) ao se atingir um determinado número de pontos, por exemplo.
No Brasil, esse tipo de decisão ruim pode ser identificada nos nossos altos níveis de endividamento, diz Renata.
Um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), de agosto de 2021, aponta que um em cada quatro brasileiros (25,6%) não conseguia quitar as dívidas no prazo naquele mês.
“A gente tem problemas muito sérios no Brasil, e todo esse estímulo para consumo que estimula o comportamento impulsivo piora ainda mais essas condições”, diz a neuroeconomista.
Por isso, uma dica de ouro para evitar esse tipo de decisão impulsiva é sempre “dar uma volta a mais”.
“Eu costumo colocar um adesivo no cartão de crédito dos clientes dizendo ‘dê mais uma volta, espere mais um pouco, respire’. Quando a pessoa vai fazer outra coisa e volta, a dopamina baixa, já que é uma substância química que tem efeito por um tempo determinado. Logo, a sensação de ‘quero, quero’ vai passar e ela chegará à conclusão que pode usar esse dinheiro para outra coisa. Mas tem que ser depois, na hora não dá”, explica.
Não faça contas de cabeça
Só que essas decisões ruins podem ser evitadas antes mesmo da compra. Renata Taveiros explica que quando você tem a exata noção de como anda a sua vida financeira, é mais difícil ficar endividado.
“É muito importante a pessoa ter coragem e saber que vai ser muito bom se aproximar da vida financeira e olhar as contas. Muitos dizem que é difícil, mas depois que você faz isso, vem uma sensação de alívio. Se você tiver medo de olhar, vai cair em todo tipo de armadilhas mentais.”, diz ela.
Uma dessas armadilhas é a “contabilidade mental” – aquela mania de fazer contas de cabeça, na maioria das vezes erradas, sobre a nossa situação financeira.
Não faça as contas de cabeça, coloque seus gastos na ponta do lápis — Foto: Getty Images via BBC
“A gente faz contas de caixinha. ‘Eu ganho 100, então eu posso gastar 50 no supermercado, 20 no barzinho, só 10 no lanche, também posso ter uma parcela mensal de 15…’. Você compara 15 com 100, 10 com 100, mas não soma tudo. Depois, leva um susto e vê que está no vermelho”, alerta a neuroeconomista.
Ou seja, coloque seus gastos na ponta do lápis. Some todos os seus ganhos e os seus custos de vida. Só assim você terá a real noção de quanto dinheiro pode gastar.
Cuide do seu ‘eu futuro’
Uma das decisões mais importantes que precisamos tomar, pensando no nosso futuro, é a de guardar dinheiro.
É claro que o contexto da economia brasileira – com desemprego, informalidade e inflação em alta – torna isso proibitivo para muita gente.
Mas por que é tão difícil fazer isso mesmo quando há condições?
Um efeito conhecido como “desconto intertemporal” na economia comportamental pode explicar:
“Imagina que você pega um binóculo e vira ao contrário. O que acontece? O que tá lá longe fica pequenino. E o que está perto ganha um valor, um tamanho gigante”, explica Renata Taveiros.
“A gente quer a recompensa imediata, agora, já, porque ela aparenta ser muito maior do que uma recompensa que é muito misteriosa, que você não sabe o que vai acontecer, lá no futuro.”
Estudos neuroeconômicos mostram que algumas áreas do cérebro acionadas quando você pensa em guardar dinheiro para o seu futuro são as mesmas de quando você pensa em dar dinheiro para um estranho.
O que pode significar que, para o nosso cérebro, guardar dinheiro para o Eu futuro e dar a mesma quantia para outra pessoa é quase a mesma coisa.
Segundo Renata Taveiros de Saboia, uma solução pode ser criar um “nudge”, ou seja, um empurrãozinho para que você pense com mais carinho no seu futuro.
“Uma ideia que eu costumo aplicar é usar um desses aplicativos que te deixam mais velho em uma foto. Isso te faz se conectar com aquela imagem. Aí você deve fazer o exercício de pensar o que quer para a vida daquela outra pessoa. Assim, vai criar um circuito neural que conecta o seu eu do futuro com o seu eu de hoje”, diz ela.
Aprenda também a dizer ‘sim’ a si próprio
Mas o neurocientista Álvaro Machado Dias faz um alerta. Ainda que seja importante guardar dinheiro, é necessário também saber se permitir.
“Não assuma que se permitir é sempre ruim e nem caia na falácia de que devemos adiar continuamente o prazer para um dia poder usufruir do mesmo em intensidades maiores. Hoje, o que vemos é um mar de gente sem tesão de viver. Saia deste mar”, diz ele.
De acordo com Álvaro, nem todas as decisões que tomamos na vida, sejam elas econômicas ou não, podem ser realizadas de maneira puramente racional – e nem é desejável que isso aconteça.
“Às vezes a gente é tomado por componentes emocionais, e de fato isso pode gerar desfechos ruins, inclusive arrependimento”, diz ele.
“Mas a entrada em jogo desses componentes que não são formalistas, lógicos, é o que no final das contas torna as nossas decisões melhores para o grupo, espécie e cultura como um tudo”, completa.
Por isso, a dica é saber alocar melhor as suas energias e preocupações:
“Não dá tempo – nem faz qualquer sentido – tentar otimizar todas as decisões. Escolha as suas batalhas. Foque nas escolhas que mais importam; são elas que, ao fim e ao cabo, definirão quem você é”. G1-BBC