Especialistas explicam que embora não exista um alimento ‘perfeito’ que vai induzir essa sensação no corpo, práticas saudáveis quando associadas com um melhor relacionamento com a comida estimulam o sentimento. Veja como isso é possível.
Por Roberto Peixoto, g1
Existe alimento que traz felicidade, tal como numa poção mágica? Por que associamos o cacau e comidas calóricas de fast-food a essa sensação de bem-estar? Mas e outras comidas mais caseiras, como o típico arroz e feijão do brasileiro, são capazes de induzir esse sentimento? Isso realmente acontece?
Para responder essas e outras perguntas que explicam quais são os processos químicos que ajudam nessa sensação o g1 ouviu especialistas no tema.
Todos são claros: embora alimentos como os ricos em triptofano sejam importantes para o nosso bem-estar, não existe uma única comida perfeita e ideal que vai induzir sozinha essa sensação no corpo. Os especialistas defendem a prática de hábitos saudáveis associada ao melhor entendimento do que estamos comendo para que o alimento nos ajude a sermos de fato mais “felizes”.
Abaixo, entenda o por quê.
O papel do triptofano e da serotonina
Neiva Souza, nutricionista e doutoranda em Neurologia e Neurociências pela UNIFESP explica que nenhum alimento, isoladamente, passará a sensação de felicidade.
O que acontece é que algumas comidas possuem certos nutrientes que estão envolvidos no processo que regula o humor no nosso cérebro e o triptofano é um deles.
Para entender como ele funciona, precisamos lembrar que os nossos neurônios, as células nervosas do corpo, se comunicam uns com os outros e esse processo todo de troca de informações acontece por meio dos chamados neurotransmissores, moléculas mensageiras que são liberadas de um neurônio para outro.
Como age o triptofano — Foto: Editoria de arte/g1
E é no intestino que fica o maior conjunto de neurônios fora do cérebro. São mais de 100 milhões de células nervosas que “falam” com o cérebro e informam o que está acontecendo no nosso estômago e intestino.
Por isso, ao consumirmos alimentos que possuem boas quantidades de triptofano, um aminoácido que estimula a síntese da serotonina (neurotransmissor que está associado a sensação de bem-estar), mandamos uma mensagem para o cérebro que incita o sentimento da felicidade.
Mas se a prática for isolada de uma alimentação equilibrada e hábitos saudáveis, ela não irá trazer os resultados esperados (entenda mais abaixo).
“A alimentação como um todo precisa estar equilibrada, com fontes vegetais, verduras, legumes, frutas, cereais integrais e sementes, para que essa alimentação como um todo entregue os nutrientes para a saúde cerebral”, alerta a médica.
Arroz e feijão já entregam boa quantidade
Como o triptofano é um aminoácido essencial (o corpo não o produz), precisamos ingerir alimentos ricos na substância (veja ilustração acima), e diversas comidas presentes no nosso dia a dia contêm triptofano. Não é preciso ir longe: cereais, carnes, frutas, peixes e até mesmo o leite contêm bons níveis da substância.
“A combinação arroz e feijão é muito interessante, por exemplo, pois entrega boa quantidade de triptofano”, acrescenta Souza.
Cereais como o arroz e sementes como o feijão são boas fontes de triptofano. — Foto: Celso Tavares/g1
“Uma salada rica em vegetais, principalmente os verde escuros, auxilia a saúde cerebral, e se misturarmos oleaginosas [como castanhas] e sementes, agregaremos além de mais sabor, maior quantidade de triptofano e dos nutrientes importantes para formação de serotonina”.
Entre a lista dos alimentos que são fontes desse aminoácido e possuem também outras vitaminas e minerais envolvidos na formação de serotonina, os especialistas ouvidos pelo g1 citam os principais grupos:
- Carnes, peixes, ovos, leite e seus derivados;
- Sementes oleaginosas (como amêndoas, macadâmia, castanha do Pará, castanha de caju, nozes, amendoim, pistache, pinhão);
- Sementes integrais (principalmente a de girassol e abóbora);
- Cereais (como o arroz, aveia, milho);
- Leguminosas (como o feijão, grão de bico, ervilha e lentilha);
- Vegetais como brócolis, tomate, rúcula e cogumelo (que tem ácido fólico, que interage com a noradrenalina e com a serotonina);
- Cacau;
- Frutas como a banana e kiwi
Mas também não adianta exagerar no consumo. A dose diária de triptofano recomendada pelos especialistas para a dieta de um adulto de cerca de 80kg vai de 278 a 476 mg (veja abaixo a concentração de alguns alimentos).
Assim como sua colega, a endocrinologista Paula Pires ressalta que, quando o assunto é comida, precisamos lembrar que ela não faz “mágica” e não é exagerando no consumo de alimentos ricos em triptofano que, instantaneamente, teremos um pico de felicidade. Pelo contrário.
“O kiwi, por exemplo, é bom porque ele aumenta o triptofano, mas não adianta comer um quilo de kiwi por dia”, alerta a médica.
Como estimular a produção de serotonina?
Simon Young, professor da McGill University no Canadá e especialista em neuroquímica comportamental ressalta que qualquer pessoa que esteja comendo uma dieta saudável estará recebendo triptofano suficiente através da alimentação, porém se o nível de triptofano no sangue for reduzido, como mostram alguns estudos, algumas pessoas, mas não todas, podem apresentar uma diminuição do humor.
“Da mesma forma, aumentar a serotonina dando triptofano tem um efeito antidepressivo em algumas pessoas deprimidas, mas não em todas”, destaca.
Isso ocorre porque, conforme explica Lina Sant’Anna, mestre em Nutrição e Metabolismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, baixos níveis de serotonina estão frequentemente associados a muitos distúrbios comportamentais e emocionais que podem levar à problemas psicológicos como depressão, ansiedade, crises de raiva, insônia, comportamento suicida e transtorno obsessivo-compulsivo.
Por isso, além uma dieta contendo alimentos ricos em triptofano como carnes, tofu e aveia, Sant’Anna diz que uma boa estratégia que pode elevar a serotonina cerebral é a prática de exercícios físicos, principalmente os aeróbicos como caminhada, corrida e dança.
Praticar exercícios físicos também é fundamental para ajudar na sensação de bem-estar. — Foto: Caíque Cahon – UFJF/Divulgação
Além disso, ressalta a pesquisadora, cuidar da saúde do intestino também é muito importante nesse caso, tendo em vista que a maior parte da serotonina é produzida no órgão.
“Está cada vez mais evidente a relação da microbiota intestinal no comportamento, nas emoções e na imunidade e problemas intestinais como diarreia frequente ou prisão de ventre podem causar perturbações do sistema nervoso central”, diz.
Por isso, aponta a especialista, consumir alimentos ricos em probióticos (bactérias que regulam a saúde intestinal) como kefir, kombucha, repolho azedo, iogurtes naturais, e alimentos ricos em prebióticos (fibras) como aveia, alho, cebola, banana e feijões também pode ser uma boa ideia para estimular a produção de serotonina no organismo.
Suplementação é necessária?
“A suplementação de triptofano definitivamente não é necessária para a maioria das pessoas”, revela Young.
O pesquisador destaca que a prática pode ser apropriada se um médico estiver, por exemplo, tratando um paciente com depressão e achar, por algum motivo, que o triptofano pode ser preferível a outros medicamentos antidepressivos.
Banana, ameixa e maçã também são frutas que contêm triptofano. — Foto: Celso Tavares/g1
Sant’Anna esclarece que uma a avaliação da dieta caso a caso é fundamental para verificar a necessidade da prescrição desse aminoácido por um médico ou nutricionista, mas diversos estudos mostram que a suplementação dietética de triptofano para a regulação do sono e do humor é segura para adultos quando utilizada com uma dose de até 4,5 gramas por dia.
Doses maiores que isso podem trazer efeitos negativos como tontura, náuseas, sonolência excessiva e tremores.
“Pessoas que utilizam medicamentos antidepressivos também devem evitar a suplementação de triptofano, pois podem causar uma grave interação”, alerta a especialista.
Água também é fundamental
E não adianta também se alimentar bem e ter hábitos saudáveis e esquecer de beber água.
A doutoranda em Neurologia pela Unifesp, Neiva Souza, explica que a ingestão do líquido é fundamental para todas as reações e funções do corpo, incluindo o cérebro.
“Existem estudos mostrando que a desidratação só impacta negativamente nas funções cerebrais, dessa forma, a regulação de algumas funções, como o humor, prazer e bem estar, provavelmente possam ser afetadas”, diz.
Beber água faz parte dos hábitos saudáveis — Foto: Shutterstock
Outro fator importante, destaca Pires, é que às vezes o corpo confunde sede com fome.
“Então, na verdade, você tá com sede, mas tá achando que tá com fome às vezes. Come até mais porque, na verdade, você está desidratado”.
Chave é adaptar com o que temos, não restringir
É só procurar pela internet pela palavra dieta que podemos encontrar uma lista de diferentes regimes alimentares que prometem de tudo e mais um pouco; desde secar o corpo em 7 dias até aquelas que com um simples shake ou suco garantem acelerar o nosso metabolismo.
Mas Pires garante que não é preciso irmos atrás dietas milagrosas que além de restringirem a seleção de alimentos a uma cesta de produtos que às vezes é díficil de encontrar fora das grandes das capitais do Brasil, como frutas silvestres e condimentos importados, termina muitas vezes frustrando mais do que satisfazendo quem as segue.
“Hoje em dia a gente orienta que as pessoas achem prazer em atividades mais saudáveis porque só fazer dieta e restringir libera hormônios do estresse”, explica a médica.
Ela salienta que tudo o que é muito radical estressa o organismo. E estressar o organismo significa uma ativação do do chamado eixo hipotalamo-hipofise-adrenal que secreta o cortisol, o hormônio do estresse.
“E muito cortisol acaba aumentando o apetite, diminuindo o metabolismo. Por isso que chega uma hora que o corpo para de perder peso. Precisamos de outras atividades para regular esse estresse.
Na prática, a pesquisadora diz que a chave da questão é adaptarmos com o que temos, e não restringir nossa alimentação, através da busca por produtos regionais e mais acessíveis que nos sejam prazerosos e estimulem o hábito de cozinhar.
“Quanto mais comida caseira, feita em casa e mais próximo do natural, sem excesso de industrializados e ultraprocessados melhor”, pontua Pires.
Esses últimos são, na verdade, os vilões do bem estar, explica a médica. Eles levam ao comportamento automático e repetitivo e, muitas vezes, um arrependimento pós consumo. Mas de novo, não adianta restringi-los 100% de nossa dieta.
Por isso, por mais clichê que pareça, a questão é o equilíbrio, pontua a endocrinologista.
“As pessoas precisam entender que essas dietas são muito parecidas e que na verdade a gente tem que encontrar o que a gente consegue seguir a longo prazo. Eu brinco no consultório: cada panela tem a sua tampa, vamos escolher a sua tampa.