Carne bovina subiu 30%, sem previsão de baixa, e mesmo mais alto, porco é uma saída para as festas de fim de ano.
Natal pede lombo suíno ou leitoa à pururuca. Essa frase, tradição em muitas famílias, pode ser agora a saída para salvar o Natal em 2019 para os carnívoros, traço típico dos sul-mato-grossenses. Com a carne bovina lá em cima, que chega, em alguns locais, a atingir 30% a mais no preço final, o jeito é comprar filé mignon suíno.
O Mercado Municipal de Campo Grande – o Mercadão – é ponto de encontro de campo-grandenses e turistas, misto de cores e cheiros e destino de quem quer encontrar carne boa, ainda que a um preço mais salgado. Nesta terça-feira (3), no entanto, o preço está nas alturas.
Nos corredores, a conversa do consumidor é informada. Sabem que os preços subiram porque a equipe econômica do governo priorizou a exportação (entre outros motivos) e que o brasileiro é que paga o pato.
O aposentado Marcelo Aparecido, 51, estava na boca do caixa e o preço alto da carne bovina não fez com que mudasse a escolha pelo coxão mole e a bisteca, mas fez com que comesse menos carne ao longo da semana, conforme explicou.
“Fomos pegos de surpresa. Assustou, mas acho que é em função das exportações, faltou a previsão, faltou planejamento. É claro que o empresário vai querer lucrar, vai estar preocupado com o lucro, para ele em dólar é melhor”, avaliou.
A proprietária de um açougue que preferiu não ser identificada pedia ajuda para um dos funcionários para avaliar o impacto nas vendas. Afirma que por ali o movimento caiu em 60%. Nem o porco, que subiu um pouco menos do que a carne bovina, tem vendido muito. Especialistas acreditam que demore, em média, 4 meses para que os preços caiam novamente.
“Não é como antes, é um Natal fraco, antes tínhamos tanta encomenda, as pessoas sabiam o que queriam comprar. Até agora, nenhuma encomenda de leitão”, disse. Basta olhar a tabela para entender: R$ 37 o quilo do leitão.
“Matar o próprio boi” – A crise ensina o campo-grandense a comer outras carnes além da bovina. É o que alega o fiscal de obras Cláudio Roberto Gomes, 43, que não vai sempre ao mercadão, só em ocasiões especiais, porque prefere o preço mais ameno dos mercados de bairro.
“Venho de vez em quando, mas subiu em todo lugar. Tenho comido frango e peixe, antes comíamos sempre carne bovina. Para o Natal comprei 1 boi, vou buscar na fazenda, é a minha sorte, na fazenda do meu primo. Eles exportaram, preferiram mandar para fora e deixar o brasileiro sem”, comentou ele, de braços cruzados.
A pensionista Ainda Cristaldo, 63, trocou o bife pelo puchero (Foto: Marcos Maluf)
A pensionista Ainda Cristaldo, 63, mudou, e bastante, o cardápio. Trocou a costela e o “bife” que ela diz nem saber de qual tipo de carne pelo “puchero”, vendido a R$ 1 o quilo em uma das lojas do mercadão. “Vou ficar assim até abaixar, está sem condição. Natal vai ser porco e frango”, afirmou.
Fernanda Ajala tem 24 anos e gerencia o açougue de suínos do padrasto, que fica em frente ao mercadão. O local existe há 3 anos e a família avalia que este é o pior momento, desde que começaram, para o consumidor. Por ali, no entanto, a crise trouxe coisa boa: mais gente indo atrás de carne de porco.
“Na verdade o preço está em alta desde junho. Os chineses estão importando. Tudo subiu, mais ou menos, R$ 2,00”, analisa ela. O lombo suíno passou de R$ 14,90 para R$ 17,90, o filé mignon suíno subiu de R$ 15,90 para R$ 16,90 e a costelinha, que antes era R$ 17,90, agora está R$ 19,90.
“O que mais subiu foi o lombo, as pessoas dão uma reclamada, mas compram. Eles entendem. O público da carne bovina está vindo pra cá. Mas porco no Natal é tradição”, emenda Fernanda.
A alta dos preços, de modo geral, faz com que todos os comerciantes fiquem apreensivos. Gerente de uma loja de doces, geleias e queijos, Flávio Roberto da Silva Rocha, 33, afirma que os preços da carne vermelha acabam influenciando todos os produtos, ainda que o preço do queijo continue “estável”.
“Querendo ou não influencia. Tudo muda e afeta a todos. Esse ano está sendo fraco, estamos esperando o fim do ano para ver se melhora”, afirma.
Jovem, Fernanda aproveita a maré boa de quem trocou o boi pelo porco e vai comprar no açougue que ela gerencia (Foto: Marcos Maluf)
Subiu por quê? – O aumento que chega, em média, até 30% nos preços da carne bovina já virou até piada nas redes sociais, mas majoração do produto deve ser levada a sério pelo consumidor. De acordo com levantamento feito pelo Nepe (Núcleo de Estudos e Pesquisas Econômicas e Sociais), da Uniderp, de janeiro a novembro as cotações subiram até 18%, a exemplo da picanha.
Ainda assim, no final de novembro até agora o mercado enlouqueceu com altas que superam 30%. O coordenador do Nepes/Uniderp economista Celso Correia de Souza lista uma série de motivos para a disparada nos preços.
O especialista fala da entressafra do boi gordo para o abate – as pastagens continuam secas com os níveis de chuvas abaixo das médias históricas para as regiões produtoras de bovinos; aproximação do final do ano com aumento de consumo de carne bovina; liberação de parte do 13º Salário, como também do FGTS, injetando dinheiro na economia; valor do dólar muito elevado em relação ao real, favorecendo as exportações do produto; e finalmente a entrada da China como compradora do produto brasileiro.
“A entrada da China comprando carnes no mercado brasileiro é devido à peste suína que assola esse país. Desse modo, os preços da carne bovina no mercado varejista de Campo Grande aumentaram, em média, 8,14%, de janeiro a novembro de 2019, principalmente, na última quinzena de novembro quando noticiou-se a intenção da China em comprar o nosso produto. Os efeitos disso já chegaram no campo com o aumento da arroba do boi gordo, superando R$200,00, como também, já sentimos esse aumento no varejo da cidade”, destacou o economista.
Ele alerta que também as demais proteínas de origem animal estão sendo afetadas e o aumento chega ao frango e suíno. “As carnes de frango e suína também aumentaram de preços já que são substitutas da carne bovina. Com a carne de frango o aumento foi, em média, de 5,75% e a carne suína foi de 11,81%, nesse mesmo período”, frisou o professor.
A tendência ainda é que a onda de reajustes continue. “Estamos no início das exportações de carne para a China, portanto, a médio e a longo prazo os preços das carnes podem continuar aumentando, afetando o consumidor brasileiro”, concluiu.
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