Governo federal não emite novas orientações sobre doses de reforço há cinco meses e especialistas comentam a necessidade de liderança para organizar a vacinação; reforço para crianças e vacinação em 2023 deve começar a ser definido na semana que vem.
Covid-19: Volta Redonda começa aplicar a quinta dose da vacina para idosos acima de 80 anos e imunossuprimidos — Foto: Divulgação/Prefeitura de Volta Redonda
Diante de mais um aumento de casos de Covid-19, capitais brasileiras começaram a ampliar a aplicação da quarta e até da quinta dose da vacina em determinados públicos. A ação acontece sem respaldo do Ministério da Saúde, que não emite novas orientações sobre doses de reforço há cinco meses.
Diante da falta de liderança e de informações, a vacinação contra a Covid no Brasil tem hoje um cenário bagunçado e de incertezas sobre o que virá em 2023, de acordo com especialistas ouvidos pelo g1.
Levantamento feito pela equipe de reportagem na sexta-feira (25) aponta que há seis orientações diferentes sobre a aplicação da quarta dose nas 27 capitais do país. E ao menos cinco prefeituras anunciaram, nos últimos dias, a liberação de uma quinta dose para idosos e até para o público geral com mais de 18 anos.
“Não tem pedra sobre pedra”, disse a médica pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Há muito tempo não se discute com o Ministério da Saúde sobre as atualizações em relação à vacinação”, avalia.
Em relação à quarta dose, apenas seis capitais seguem a última recomendação do governo federal, de junho deste ano, que ampliou um segundo reforço apenas para pessoas com 40 anos ou mais e profissionais de saúde, com um intervalo de ao menos quatro meses da terceira dose.
É o caso de Palmas (TO), por exemplo. No perfil da prefeitura no Instagram, sobram reclamações de moradores que querem que a ‘fila’ da vacinação avance. “Tô tentando mesmo completar o esquema vacinal, mas tô vendo que vou ter que esperar 13 anos até meu aniversário de 40 pra tomar a quarta dose”, escreveu uma seguidora em uma postagem.
“No início da pandemia, ficamos trancados em casa durante um ano. Só levei meus filhos na escola depois da primeira e da segunda doses. Perdi amigos e familiares por conta da Covid”, contou ao g1 Licia Maracaípe, moradora de Palmas.
Aos 36 anos, ela aguarda com ansiedade a quarta dose da vacina. “Eu tenho medo mesmo dessa doença”, completou. A prefeitura responde que aguarda novas orientações e envio de doses para avançar na vacinação.
No entanto, a maioria das capitais não esperou o governo federal: 15 prefeituras liberaram a quarta dose para todos acima de 18 anos. “No esquema LIBEROU GERAL”, diz uma postagem no site da prefeitura de Salvador (BA). Em São Paulo (SP), adultos conseguem tomar a quarta dose desde julho.
Curitiba (PR) e Florianópolis (SC) são dois exemplos de capitais que, até então, estavam seguindo a recomendação do Ministério da Saúde, mas recentemente decidiram avançar no reforço em públicos mais novos, e já aplicam a quarta dose da vacina contra a Covid para 35+ e 25+, respectivamente.
Mais uma dose?
Pela última orientação do governo federal, a quinta dose está liberada apenas para imunossuprimidos com mais de 40 anos. Dentro desse público, considerado mais vulnerável para casos graves de Covid, adolescentes e adultos até 39 anos podem receber até quatro doses do imunizante.
Nesse caso, a vacinação nas 27 capitais brasileiras está bem diferente do que diz o Ministério da Saúde. Em 12 prefeituras, todas as pessoas imunossuprimidas com mais de 18 anos já podem tomar a quinta dose. O reforço a mais também é dado em algumas cidades para gestantes e puérperas.
Teve também quem decidiu ir além e aplicar a quinta dose em idosos com mais de 80 anos, como em Natal (RN) e em Recife (PE), e para os 60+, como Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA).
São Luis (MA) foi a primeira capital a anunciar uma quinta dose da vacina contra a Covid para todos acima dos 18 anos – segundo a prefeitura, a orientação vale para quem tomou o último reforço há pelo menos 6 meses.
São Luís anuncia início da aplicação da 5ª dose contra a Covid-19 em pessoas a partir de 18 anos — Foto: Reprodução/Instagram
As diferentes orientações sobre doses de reforço contra a Covid vão além das capitais e se espalham por outros municípios brasileiros. Volta Redonda (RJ) começou a aplicar a quinta dose para idosos acima de 80 anos e imunossuprimidos com mais de 18 anos. Já em Ouro Preto (MG), a campanha segue ofertando a quarta dose apenas para moradores com mais de 40 anos, assim como diz o Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Gestores vêm cobrando liderança do Ministério da Saúde na tomada de decisões sobre a vacinação contra a Covid.
“O Ministério da Saúde não poderá seguir enfrentando a Covid-19 com base em Nota Técnica que só repete ‘máscara, vacina e que as decisões devem ser tomadas pelos gestores locais com base na realidade de cada território’. Precisamos de liderança e coordenação nacional nas decisões tripartite”, escreveu no Twitter o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Nésio Fernandes.
O que dizem os especialistas
Fernando Spilki, virologista e professor da Feevale (RS), afirma que as evidências científicas mostraram até agora que uma quarta dose não daria tantos benefícios à imunidade para quem tem mais de 40 anos e não possui comorbidades ou não se expõe diretamente à Covid.
“Isso justifica em parte a maneira como o Ministério da Saúde vem levando isso. O primeiro reforço, ou terceira dose, se tornou fundamental. Mas o segundo reforço nesta faixa etária daria pouca possibilidade de um ganho real em termos de proteção”, disse.
“Do ponto de vista prático, pensando em muita gente que não se vacinou, talvez fosse muito mais importante que se mirassem os esforços nesse momento em completar os esquemas vacinais de toda a população”, completou o virologista Fernando Spilki.
Especialistas consideram hoje um esquema vacinal completo composto por 3 doses: as 2 doses inciais + uma de reforço. Dados do Ministério da Saúde de 22 de novembro mostram que:
- 19,4 milhões de brasileiros ainda não foram tomar a segunda dose da vacina contra a Covid;
- 69 milhões estão com a terceira dose atrasada,
- 31 milhões ainda não receberam a quarta dose, apesar de estarem aptos segundo as normas da pasta.
A médica Isabella Ballalai considera preocupante a baixa adesão da terceira dose, principalmente entre os jovens, e citou uma falta de comunicação por parte das autoridades sobre os números da Covid. A terceira dose é atualmente recomendada para todos com mais de 12 anos.
“O que faz uma pessoa buscar a vacinação é a percepção de risco. Se a comunicação é de que tudo está bem e que jovem não tem doença grave, não vai ter essa adesão”, disse. “Estamos entrando em uma nova onda de Covid, que já era esperada, com uma população não adequadamente vacinada”.
Países como Estados Unidos vêm apostando na vacinas bivalentes da Pfizer, que dão uma proteção extra contra subvariantes da ômicron, na aplicação da terceira dose.
Já no Reino Unido, a vacinação acontece de uma maneira mais organizada, com campanhas sazonais. Neste ano, grupos mais vulneráveis, como profissionais de saúde, adultos acima dos 50 anos e imunossuprimidos a partir dos 5 anos, foram convocados para tomar mais um reforço antes do inverno e do verão.
Reforço nas crianças e vacinação em 2023
De acordo com os especialistas, quando se fala em reforço, o Brasil está atrasado em um público: o das crianças de 5 a 11 anos. Nos Estados Unidos, a faixa etária já recebe reforço com a vacina bivalente da Pfizer.
A Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), grupo assessora a pasta nas questões de vacinação, foi convocado pelo Ministério da Saúde para uma reunião na próxima semana para discutir a possibilidade de dar uma terceira dose para esse público infantil.
Outra questão que deverá vir à tona na reunião é a vacinação contra a Covid para 2023, que ainda é uma incógnita. A atual gestão do Ministério da Saúde, sob comando do presidente Jair Bolsonaro (PL), ainda não divulgou nenhum planejamento sobre como será a campanha e quantas doses serão necessárias. As incertezas devem ser herdadas pela próxima gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A vacina bivalente da Pfizer, já aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para dose de reforço nos adultos, deve ser incorporada à vacinação. Os primeiros lotes chegam ao Brasil no início de dezembro.
Publicamente, o Ministério da Saúde diz que “a estratégia de vacinação para o próximo ano está em discussão pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), assim como o quantitativo necessário de doses para garantir a continuidade da imunização da população e a máxima proteção contra a Covid-19”.