Até o dia 10 deste mês, houve 1.406.022 casos prováveis da doença e 980 mortes confirmadas, sendo que outras 94 estão em investigação
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ano de 2022 já é um dos piores do Brasil em relação à dengue. Até o dia 10 deste mês, houve 1.406.022 casos prováveis da doença e 980 mortes confirmadas –outras 94 estão em investigação–, patamar semelhante ao de 2015, quando houve o recorde de 1.688.688 casos prováveis e 986 mortes.
“Nós estamos vivendo a maior epidemia de dengue da nossa história. Vamos bater o recorde e atingir a triste marca de mil óbitos por dengue em apenas um ano”, afirma o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor do curso de medicina da Unesp e vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
Os dados, do Ministério da Saúde, mostram que a região Centro-Oeste apresenta a maior taxa de incidência, com 2.005 casos a cada 100 mil habitantes. Em seguida vêm as regiões Sul (1.045 casos), Sudeste (514 casos), Nordeste (422 casos) e Norte (257 casos).
“As pessoas não estão enxergando o risco e é preciso fazer um alerta. A população precisa ser conscientizada, os governos precisam agir e as equipes de saúde precisam estar preparadas para atender, porque vamos ter um fluxo muito grande de pacientes agora que começou a chover na região Sudeste”, diz Barbosa.
Apenas em Brasília são 67.895 casos prováveis. Depois, aparecem Goiânia, com 53.657; Aparecida de Goiânia (GO), com 25.416; Joinville (SC), com 21.420; Araraquara (SP), com 21.031; e São José do Rio Preto (SP), com 19.887.
“Vivemos o aquecimento global e o mosquito chegou a regiões onde antes não tínhamos dengue”, afirma Barbosa. “E os meteorologistas estão alertando que será um verão muito chuvoso e 2023 vai começar com uma grande epidemia de dengue.”
A previsão de Alberto Chebabo, presidente da SBI, também aponta para meses difíceis. “Vamos ter uma epidemia de grandes proporções em 2023”, ressalta, lembrando que o pico de casos ocorre entre março e maio.
Este ano também é o terceiro com mais casos prováveis de chikungunya, outra doença transmitida pelo Aedes aegypti. São 170.716 registros, abaixo apenas do total observado em 2016 (277.882) e 2017 (185.593). Até 10 de dezembro, foram 90 mortes pela doença.
Para os infectologistas, o crescimento está relacionado a um conjunto de fatores. Eles dizem, por exemplo, que as ações de controle do mosquito foram praticamente encerradas com o início da pandemia. Sem as campanhas de conscientização, a dengue foi esquecida e a redução nos cuidados favoreceu o aumento da população de mosquitos.
Barbosa afirma que, nos últimos quatro anos, o Ministério da Saúde não investiu em campanhas de prevenção para reforçar a necessidade de eliminar os focos do Aedes aegypti.
O infectologista menciona ainda que o menor número de casos e óbitos em 2021 levou a uma falsa sensação de segurança e a uma alteração na percepção individual de risco, e que os avisos da SBI ao longo do ano foram ignorados.
“Participei de um congresso com os secretários de Saúde em maio e avisei que poderíamos chegar a mil óbitos. Foi feito investimento em campanha depois? Não”, critica. Ele também cita a falta de coordenação entre governo federal, estados e municípios para ações como as visitas de agentes de saúde e a realização de fumacês.
Além disso, a alta coincide com o ciclo da doença, que apresenta picos em intervalos de aproximadamente três anos, conforme ocorre a mudança do tipo circulante –a dengue tem quatro sorotipos.
Por exemplo: há uma onda agora, o que quer dizer que teremos um número muito grande de pessoas infectadas com o sorotipo em circulação. Nos próximos anos, parte da população ainda terá imunidade temporária para essa cepa e os casos vão cair, mas então virá um outro sorotipo e o processo recomeçará.
Para os especialistas, o ciclo só vai se romper depois que houver uma vacina de uso amplo disponível.
Hoje, há no mercado particular uma da Sanofi, mas ele só pode ser aplicada em pessoas que já tiveram dengue.
As outras duas vacinas no horizonte são a da Takeda, que submeteu o pedido de registro à Anvisa em 2021, e a do Butantan, em fase de testes.
Os infectologistas dizem que a da Takeda apresentou boas taxas de eficácia e poderia ser estudada para utilização na saúde pública, uma vez que não requer contato anterior com o vírus.
O imunizante do Butantan, por outro lado, é visto com otimismo e cautela. De acordo com as informações divulgadas pelo instituto, a vacina apresenta 79% de eficácia para prevenção da doença mesmo após dois anos da aplicação.
Os dados, porém, ainda não passaram pelo crivo de outros pesquisadores, o que acontecerá quando forem submetidos a uma revista científica. Também pesa o fato de o estudo ainda estar em curso.
Questionado, o Ministério da Saúde afirma que monitora a situação epidemiológica das arboviroses e investe em diversas ações de combate ao mosquito, como campanhas de prevenção, distribuição de inseticidas e larvicidas aos estados e municípios, e reuniões com gestores para avaliação do cenário e estratégias de combate.
A pasta argumenta que o número de casos é impactado pelos picos epidêmicos, que têm sido cada vez maiores em períodos que se repetem a cada 3 a 5 anos, e que é importante considerar a letalidade. Nesse sentido, destaca que os anos de 2014 e 2017 tiveram taxa de letalidade maior do que o de 2022, respectivamente 0,080, 0,077 e 0,069.
A Secretaria de Estado da Saúde paulista, por sua vez, indicou que em 2022 disponibilizou mais de R$ 200 milhões para apoiar os municípios no combate à dengue, zika e chikungunya, além de ações de mobilização.