Tranquilo Favero, 74, o maior produtor individual de soja no país vizinho, é tachado de usurpador pelos sem-terra. Radicado há 42 anos do outro lado da fronteira, ele chama acampados de “delinquentes” e diz que odeia a pobreza.
O brasileiro Tranquilo Favero, 74, tem seu nome gravado em inúmeras faixas no acampamento dos sem-terra instalado bem na frente de suas propriedades, no município de Ñacunday, a 95 km de Foz do Iguaçu.
“Favero cue”, a frase em guarani que significa “Favero já era”, também aparece em camisetas usadas orgulhosamente pelos sem-terra.
É que Favero, o maior produtor individual de soja do Paraguai, transformou-se em símbolo do agronegócio, setor que responde por 80% do PIB do país e é em grande medida responsável pelos 15,3% de crescimento da economia verificados em 2010.
Mas, além do fato de ser muito rico em meio a uma população em que 35% vivem abaixo da linha da pobreza, Favero é um brasileiro no Paraguai, país que até hoje lambe as feridas da derrota humilhante sofrida na guerra contra o Brasil, Argentina e Uruguai, no século 19.
Na entrevista que concedeu à Folha, no QG de seu grupo empresarial em Assunção, esse catarinense nascido na pequena cidade de Videira chamou os camponeses que cercam sua fazenda de delinquentes; elogiou o governo do ditador Alfredo Stroessner (“Naquela época você podia dormir com a janela aberta e ninguém te roubava. Só estamos piorando desde então”); e disse que é inútil lidar com os sem-terra na base da diplomacia, que eles têm de ser tratados “como mulher de malandro, que só obedece na base do pau”.
Favero pilota um império que inclui terras, produção de sementes, fábrica de agroquímicos, máquinas agrícolas, linhas de financiamento à produção, silos de armazenagem e até um porto.
Os sem-terra dizem que suas propriedades somam mais de 1 milhão de hectares.
“Eles querem pregar em mim o rótulo de “latifundiário gringo de mierda”. Tenho bem menos terras”, diz. Quanto? Favero não conta.
Há 42 anos no Paraguai, ele descobriu o país logo após a inauguração da Ponte da Amizade, entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. “Foi só olhar o mato para perceber que era terra extraordinária.”
O preço foi definitivo. “Um dólar comprava um hectare. Terra com escritura, diga-se. Vendendo 50 hectares de terra no Paraná, dava para comprar 5.000 hectares aqui.”
Segundo ele, “naquela época, quando se falava no Paraguai era para dar notícia de brasileiro que cruzou a fronteira, fugindo da Justiça”.
Hoje, há 300 mil brasiguaios, brasileiros que foram ganhar a vida no Paraguai.
Os sem-terra, segundo Favero, insistem em um sistema obsoleto de agricultura: “Um sistema à base de carros de boi, usados na época do meu avô. Hoje, se não podemos competir lá fora, morremos. Você não é dono do preço do produto. O preço vem de fora. Somos obrigados a ser eficientes.”
Favero se considera paraguaio. “Eu me naturalizei paraguaio há 25 anos.” Quando indagado se fala guarani, a língua indígena que sobreviveu como símbolo da nacionalidade, ele se esquiva: “Um amigo me disse que eu não precisaria aprender guarani se tivesse muitos deles no bolso”. Guarani é também o nome da moeda do país.
“Odeio a pobreza, mas não acredito em esmola para gente sã. Nem em milagres. Sou católico, mas se ficar ajoelhado diante de um salame pendurado, rezando “Pai nosso que estais no céu”, morro de fome. E o salame não vem.”
LAURA CAPRIGLIONE
vivapy
ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO