Com baixa popularidade, a presidente Dilma distribui cargos para tentar salvar o seu mandato, após a saída do principal aliado, o PMDB.
Não há personagem político que simbolize de forma mais clara o esfacelamento do governo do que a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que apóia a presidente Dilma Rousseff, mas é criticada pelo seu partido e por sua base de apoio. Psicóloga de formação e pecuarista por herança, após a morte do marido, em 1987, a peemedebista entrou na política no final da década de 1990 através do PFL (atual Democratas). Na ocasião, já se destacava como líder do agronegócio em Tocantins. Eleita deputada e senadora na década seguinte, Kátia ganhou notoriedade nacional ao assumir, em 2008, a presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
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Na campanha presidencial de 2010, apoiou o tucano José Serra contra a petista Dilma, de quem se tornaria amiga íntima pouco tempo depois. Nomeada ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no início de 2015, Kátia agora está no centro da polêmica em torno do desembarque do PMDB do governo federal, anunciado “por aclamação” na terça-feira 29. O partido saiu, mas a ministra e outros colegas batem o pé e permanecem ao lado da presidente à espera da conclusão do processo de impeachment. Com uma avaliação de apenas 10% de ótimo e bom, segundo pesquisa Ibope/CNI, a presidente Dilma tem sido abandonada por seus antigos aliados, que já não acreditam mais na salvação do seu governo.
Aos gritos de “Fora PT!” e “Temer presidente!”, os peemedebistas deram oficialmente “adeus” à aliança com os petistas e já preparam um plano de ação caso o vice-presidente Michel Temer assuma o comando do Palácio do Planalto. Temer, que não participou da convenção, em Brasília, continua articulando uma composição política e escolhendo nomes para um eventual governo. Se aprovada a abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados – a votação deve ser concluída até meados de abril –, a palavra final caberá ao Senado Federal, que terá até seis meses para encerrar os trabalhos.
Neste período, a presidente Dilma ficaria afastada do cargo. Na quinta-feira 31, durante encontro com artistas e intelectuais, no Palácio do Planalto, Dilma voltou a acusar de “golpe” o processo de impeachment, que está previsto na Constituição Federal. A presidente reafirmou que não cometeu crime de responsabilidade fiscal, que seria caracterizado pelas pedaladas fiscais. “Meu impeachment baseado nisso significa que todos os governos anteriores ao meu teriam que ter sofrido impeachment”, disse. “Porque todos, sem exceção, praticaram atos iguais aos que eu pratiquei, e com respaldo legal.”
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No dia anterior, em sessão tumultuada em comissão especial na Câmara dos Deputados, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal, autores do pedido contra Dilma, refutaram as denúncias de golpe e ressaltaram haver “um quadro em que sobram crimes de responsabilidade” da presidente da República, nos últimos anos. A partir da decomposição da base governista, os partidos de oposição vêm elevando o tom a favor do impeachment. “Diante da dificuldade do governo em governar, não resta outro caminho se não marcharmos para o impeachment”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em mensagem gravada para o novo portal do Instituto Teotônio Vilela, centro de estudos do PSDB.
“Não tem nada de golpe.” Já o presidente do partido, senador mineiro Aécio Neves, disse na quinta-feira 31, ao participar do IV Seminário Luso-Brasileiro Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal, que o governo perdeu “legitimidade”. “Nós, do PSDB, não somos beneficiários do impeachment”, disse Aécio, que já se encontrou com Temer e deixou claro que os tucanos apoiarão um eventual governo do PMDB, mas não aceitarão cargos. Do total de 513 deputados federais, a presidente Dilma necessita que 172 votem a favor do governo ou simplesmente não compareçam no dia da votação.
Para atingir esse objetivo, conta com a ajuda do ex-presidente Lula, que ainda não teve a sua posse na Casa Civil julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Assim que o PMDB desceu a rampa do Planalto, na semana passada, o governo passou a atuar no varejo, distribuindo os cargos de segundo escalão que eram ocupados por peemedebistas. Porém, apenas um dos sete cobiçados ministérios ocupados pelo antigo aliado ficou livre para entrar na barganha. A pasta do Turismo foi entregue por Henrique Eduardo Alves na véspera do encontro do partido.
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Os outros seis ministros viraram um problema para a cúpula do governo, que precisa desses cargos para oferecer aos demais partidos aliados. “Ou a Dilma mantém esses ministros do PMDB e contabiliza como cota do PT ou vai ter de desligá-los”, diz Carlos Ranulfo, professor titular do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Não acredito que o governo tenha mais do que 20 votos do PMDB.” Dona da maior bancada da Câmara, o partido tem 68 deputados. Para esses ministros, no entanto, a fidelidade ao governo embute riscos políticos.
O primeiro deles é o de serem expulsos do partido. Além disso, podem dar o “abraço dos afogados” se o impeachment for aprovado. No caso da ministra Kátia Abreu, a sua postura já lhe custou a perda de apoio de boa parte do agronegócio. “A ministra apostou num governo que fracassou. Ela deveria sair do governo, reassumir o mandato de senadora e votar a favor do impeachment.”, afirma Gustavo Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), que assina, em conjunto com dezenas de entidades do setor produtivo, um manifesto pró-impeachment (leia reportagem aqui). “É ridículo ela ser ministra da Agricultura com o PMDB fora do governo e sem o apoio do setor. Ela virou uma ministra independente, uma amiga da Dilma lá no Ministério.”
Apostando na contagem regressiva para o término do governo Dilma, aliados de Temer evitam celebrações públicas. A ordem expressa é reduzir a quantidade de entrevistas e de declarações que possam inflamar os partidos de esquerda, que o chamam de golpista. Na sexta-feira 1o, um pedido de impeachment contra o vice-presidente chegou ao STF. Enquanto isso, o PMDB tenta criar as condições para a formação de um governo suprapartidário, sem perder de vista o anseio da sigla de ter candidato próprio nas próximas eleições. “Entendemos que não temos mais condições de continuar no governo”, afirmou o ex-ministro Eliseu Padilha, um dos interlocutores de Temer.
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O peso do PMDB
Aos 50 anos, o partido é o maior do País. Confira os principais cargos e mandatos:
Vice-presidência da República (Michel Temer)
7 ministérios*: Agricultura, Aviação Civil, Ciência e Tecnologia, Minas e Energia, Portos, Saúde e Turismo
7 governos estaduais: Alagoas, Espírito Santo (Paulo Hartung), Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Sergipe e Tocantins
1.024 prefeituras, incluindo duas capitais: Boa Vista e Rio de Janeiro (Eduardo Paes)
Presidência da Câmara dos Deputados e a maior bancada (68 deputados)
Presidência do Senado (Renan Calheiros) e a maior bancada (18 senadores)
*até o fechamento desta edição, apenas o Ministério do Turismo havia sido devolvido ao governo
Fontes: PMDB, Congresso Nacional e TSE. ISTO E
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