Bancos privados lucraram com o “bolsa empresário” do BNDES
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REUTERS/Ricardo MoraesSede do BNDES: só 9% das operações do PSI foram feitas via BNDES; o resto foi negociado diretamente com bancos privados
Alexa Salomão, do Estadão Conteúdo
São Paulo – Os bancos comerciais concentraram os lucros do maior programa de crédito público subsidiado já feito no País, o Programa de Sustentação do Investimento, conhecido como PSI.
A instituição que liderava o programa, oBNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, teve papel marginal na concessão do crédito.
Os bancos comerciais repassaram R$ 327 bilhões de recursos do Tesouro Nacionale ficaram com mais de R$ 8 bilhões do total de R$ 10 bilhões em spreads que foram gerados pelas operações. O BNDES, enquanto isso, ficou com menos de R$ 2 bilhões.
O PSI foi um programa público de financiamento para máquinas e equipamentos que vigorou de 2009 a 2015. Foi lançado para reduzir o impacto da crise financeira internacional e mantido com o argumento de que impulsionaria os investimentos e o crescimento do País.
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Os empréstimos ficaram a cargo do BNDES. Como foi utilizado principalmente por grandes e médias empresas, os economistas o apelidaram de “bolsa empresário”, numa paródia ao Bolsa Família.
Um novo levantamento mostra que o PSI beneficiou também o setor financeiro. Do total de R$ 359 bilhões desembolsados no PSI, apenas 9% ocorreram em operações diretas, feitas pelo próprio BNDES.
Os demais 91% dos desembolsos foram por meio do que se chama de operações indiretas, feitas pela rede de bancos credenciados ao BNDES.
Em nota, a assessoria de imprensa do BNDES confirmou o resultado do levantamento, ressaltando que os dados, inclusive, são públicos.
Fazem parte da rede credenciada cerca de 70 bancos de médio e grande portes, instituições como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal, Banco Pine, Banco ABC, BTG Pactual, Banco Volkswagen, Mercedes Benz – apenas para citar algumas delas.
“De certa forma, o PSI também foi um bolsa banqueiro”, diz o autor do levantamento o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas
Pelo lado dos desembolsos, o PSI, segundo Afonso, causou triplo prejuízo ao BNDES. Ele perdeu não apenas por ter intermediado um volume menor de recursos. Individualmente, também ganhou menos.
A taxa de juro definida para o BNDES era de 1% (na linha voltada à inovação chegou a ser zero), enquanto a taxa dos bancos credenciados oscilou entre 1,5% e 3%.
Assim, Afonso estima que dos mais de R$ 10 bilhões gerados pela intermediação dos financiamentos, a rede credenciada ficou com mais de R$ 8 bilhões.
Como a taxa do PSI era extremamente atraente, o programa ainda “roubou” clientes de linhas tradicionais do BNDES.
Em nota, a assessoria do BNDES confirmou que linhas do Finame, atreladas à TJLP e concorrentes do PSI, “apresentaram queda no número e valor total financiado” na vigência do PSI, mas sem detalhar quanto.
Entre os economistas que acompanham contas públicas, a avaliação geral é que o PSI merecia outro tratamento porque custou caro sob vários aspectos. O Tesouro Nacional emitiu títulos públicos em favor do BNDES, o que elevou a dívida do Brasil.
Repassou mais de R$ 520 bilhões ao banco. Para que não houvesse perdas com a taxa fixa, menor que a TJLP usada normalmente nas linhas do BNDES, o Tesouro assumiu uma conta de R$ 270 bilhões em subsídios, que vai pagar até 2060.
O programa já era criticado por não ter gerado o crescimento prometido e privilegiado grandes empresas. “Agora, fica claro que as distorções foram além do que se havia imaginado”, diz o economista e assessor parlamentar Felipe Salto.
Para a economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, o peso dos bancos comerciais foi tão alto que já não é possível chamar o PSI de programa público – o que teria ocorrido foi mero repasse de dinheiro.
“Não foi programa de investimento: foi banco privado negociando empréstimo com seu cliente privado”, diz Mônica.
Em nota, o BNDES diz que, de fato, a instituição credenciada tem autonomia para avaliar o cliente e as garantias, podendo inclusive negar o financiamento.
Mas diz que o BNDES monitora o processo: “As condições das operações indiretas são determinadas por normas expedidas pelo BNDES e comunicadas por intermédio de circulares a seus agentes financeiros. Com isso, o BNDES analisa todas as operações para conferir se atendem às normas.”
O Tribunal de Contas da União (TCU) tem avaliação diferente. Mantém várias frentes de trabalho analisando a origem e o destino dos recursos do BNDES.
Os técnicos não chegaram ao PSI, mas enviaram à reportagem 11 relatórios com conclusões sobre os sistemas de monitoramento do BNDES em relação ao destino dos recursos. A conclusão é que são “insuficientes”, têm “fragilidades”. Precisam ser aperfeiçoadas.
A Federação dos Bancos (Febraban), em nota, disse que os bancos cumpriram o seu papel de auxiliar o BNDES.
“Para obter a capilaridade necessária para a sua eficiência, o PSI contou com os bancos comerciais para fazer a intermediação, como é realizado tradicionalmente com outras modalidades de repasses”, diz o texto, destacando que os bancos seguiram à risca as normas do PSI e do BNDES.
Quem se preocupa com os rumos da política pública não considera adequado o PSI ter sido maciçamente desembolsado por bancos comerciais.
“Bancos olham balanços e garantias para liberar recursos, o BNDES, vai além: é voltado ao desenvolvimento do País, tem uma baita estrutura para qualificar projetos, definir que setores merecem apoio”, diz Geraldo Biasoto, professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Regras
Os especialistas não encontraram uma explicação fechada para o fato de a maioria das operações do PSI terem sido indiretas. Um argumento é que as regras fizeram o PSI ideal para a rede credenciada.
Tudo no PSI foi definido pelo governo: taxas de juros, remuneração das instituições financeiras, prazos de carência e de pagamento, setores habilitadores, montantes a serem liberados.
Entre 2009 e 2015, o governo emitiu 41 tipos diferentes de alterações no PSI, por meio de portarias, resoluções do Conselho Monetário Nacional e medidas provisórias, transformadas em leis pelo Congresso.
O BNDES, no fim, gerenciaria os financiamentos, mas todas as regras estavam dadas.
Mas o argumento incomoda alguns. “Bastava, então, o Tesouro repassar o dinheiro para os bancos. Para que serve um BNDES assim?”, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica.
O valor das operações também teria pesado. O PSI era focado na aquisição de máquinas e equipamentos, principalmente de transportes, como caminhões e ônibus, que têm valores menores.
Existe uma regra interna no BNDES em que se deixa para a rede credenciada financiamentos abaixo de R$ 20 milhões (até 2013, o limite era R$ 10 milhões). Assim, seria natural que os bancos credenciados concentrassem os empréstimos.
O próprio BNDES atribui o alto número de operações indiretas a essa regra. O argumento, porém, tem fragilidades.
Primeiro: algumas empresas colocam em xeque essa versão. A Petrobras, por exemplo, fez 20 operações no PSI com bancos credenciados.
Há empréstimos de R$ 400 milhões, R$ 600 milhões e até de R$ 1 bilhão – valores bem acima da faixa de corte. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Petrobras não deu retorno até o fechamento desta edição.
Segundo: é preciso entender o papel da rede credenciada, dizem os especialistas. Os bancos credenciados dão capilaridade ao banco público, que não possui uma rede própria para atender todo o País. Também atuam para reduzir os riscos, pois, ao desembolsarem os financiamentos, garantem o pagamento.
Por causa dessas características, a rede credenciada costuma atender a micro, pequenas e parte das médias empresas, que buscam financiamentos menores, têm dificuldade de lidar com as exigências do BNDES ou estão fora do Rio de Janeiro, onde fica o banco de fomento.
O autor do levantamento, o economista José Roberto Afonso, diz que dois terços dos tomadores de recurso no PSI eram grandes e médias empresas, clientes do BNDES, que não precisariam recorrer a bancos credenciados por terem acesso direto ao banco de fomento.
Taxa
Há quem diga que a taxa também contribuiu. As taxas do PSI eram fixas e iguais em qualquer banco – inclusive no BNDES. Só havia um diferencial em favor do BNDES: grandes clientes, com projetos sendo financiados no banco, como a construção de uma fábrica ou usina, poderiam incluir no pacote empréstimos no PSI, mesmo com valores pequenos. Nem assim o BNDES foi mais atraente.
A Usina Belo Monte é financiada pelo BNDES. O consórcio construtor tinha canal direto no banco, mas preferiu fazer 387 operações indiretas, com sete bancos diferentes.
Em nota, o consórcio disse que adotou a tática porque o custo não fazia diferença: “A realização de operações diretamente com o BNDES ou por intermédio de agentes financeiros credenciados não causa impactos à estrutura da operação.” Sendo assim, optou-se por diversificar: “A divisão entre instituições permitiu diversificar o risco por diferentes agentes, sem que os limites de crédito do consórcio fossem comprometidos.”
Afonso, porém, considera estranho o BNDES ser preterido pelos clientes: “Eu diria que faz sentido uma grande empresa, sem projetos no BNDES, procurar a rede credenciada, pois seria mais rápido e menos burocrático. Mas é estranho que, já tendo um projeto, para construir uma usina, uma fábrica, prefira outro banco. Pergunto-me o que os bancos ofereceram, que o BNDES não tinha?”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.