Paulo José teve uma carreira prolífica que cobriu mais de cinco décadas, mas havia anos estava afastado das telas por causa de um quadro de doença de Parkinson
O ator, que estava internado havia 20 dias em um hospital no Rio de Janeiro, ficou célebre por protagonizar filmes como “Todas as Mulheres do Mundo”, de Domingos Oliveira, “Macunaíma” e “O Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade, além de novelas como “Por Amor” e “Explode Coração”.
Seu último grande papel no cinema foi em “O Palhaço”, dirigido por Selton Mello há dez anos. Na Globo, sua participação de despedida foi na novela “Em Família”, de 2014. Mais recente, o documentário “Todos os Paulos do Mundo”, de 2017, relembrou sua trajetória.
Paulo Guimarães Gómez de Souza, gaúcho de Lavras, era doce, amistoso e sempre disposto a trabalhar. Em 1993 recebeu o diagnóstico de Parkinson, depois de uma maratona de três dias sem dormir -para gravar um especial da Globo- e algumas doses de uísque White Horse.
“Meu reino por um cavalo”, parodiou o artista-diretor após a maratona. “Cavalo branco”, completou, como revelou ele próprio num depoimento. Após beber, teve uma crise, acordou sem movimentos, com dificuldade de falar. Procurou um médico que fez dezenas de exames e, por eliminação, diagnosticou o degenerativo Parkinson.
A notícia da doença se espalhou com muito mais velocidade que a própria, e em pouco tempo os colegas o olhavam com compaixão, evitavam causar estresse ou dar papéis difíceis a ele. Não demorou para a má notícia chegar à cúpula da Globo. A emissora correu em seu auxílio.
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, o licenciou da produção de novelas e o mandou para consulta nos Estados Unidos, no hospital mais especializado do mundo em Parkinson. O ator passou meses em exames e fora do ar. Poucos anos depois, ainda descobriria ser portador de outra doença crônica, um enfisema pulmonar, provavelmente causado pelo fumo -hábito que reduziu, mas nunca abandonou.
Poucos sabem que, embora seja conhecido por sua imensa obra dramática, primeiro no teatro, depois na TV e então no cinema, Paulo José começou a carreira mesmo é na música. Foi no grupo musical vocal Gauchinhos Destemidos que ele subiu em palcos pela primeira vez. E isso antes dos oito anos de idade.
Depois disso, ainda aluno do primeiro grau na rede de ensino, ele teria contato com peças de teatro, e foi aí que decidiu que queria ser. Ator? Diretor? Roteirista? Tudo isso e mais um pouco.
Vasculhando o minucioso site Memória Globo, é praticamente impossível encontrar qualquer outro artista -homem ou mulher- que tenha uma carreira tão produtiva quanto Paulo José. Respire fundo.
Em seu currículo ele conta com quase 30 novelas, 13 minisséries, alguns programas infantis, juvenis, humorísticos, quase 50 longas e documentários para o cinema e um número incalculável de peças de teatro.
Ganhou três vezes o Candango de melhor ator e um Kikito, no Festival de Gramado. Merecidamente foi homenageado no 5º Festival de Teatro do Rio de Janeiro.
No teatro, fez de tudo sobre o palco e na coxia. Interpretou de Chico de Assis a Brecht, em “O Testamento do Cangaceiro” e “Os Fuzis da Senhora Carrar”; de Molière a Kondoleon, em “A Mandrágora” e “Delicadas Torturas”; de Tiago Santiago a Augusto Boal, em “A Fonte Eterna da Juventude” e “Revolução na América do Sul”. Fora suas próprias obras ou primorosas adaptações.
Não só foi ator, mas carregou o cenário nas costas. Literalmente. Foi ator, produtor, diretor, roteirista, escritor, cenógrafo, iluminador e figurinista. Foi também empresário, dono de teatro, praticamente fundou o Teatro de Equipe e também foi investidor do teatro Arena.
No cinema, a mesma coisa. Só faltou ser lanterninha ou pipoqueiro.
Foi casado várias vezes. Oficialmente, com Dina Sfat, com Zezé Polessa e com Kika Lopes. Teve quatro filhos com espírito também artístico -Ana, Clara e Bel Kutner e Paulo Caruso-, mas teve muitos outros relacionamentos, longos, porém sem “oficialização”. Adorava a família e amava viver junto. “Eu adoro casar. Não canso”, disse.
Além desse “pequeno” legado, todas as semanas também tocava piano, fazia aulas de canto, de técnicas vocais, de terapia corporal, yoga, e centenas de sessões de fonoaudiologia. Deixou inúmeros roteiros prontos, ditou um audiolivro.
E fumava. Vá lá, dois ou três cigarrinhos por dia, mas fumava. Quando alguém se surpreendia com o vício, respondia à la Mario Quintana. “Fumar é uma maneira disfarçada de suspirar.”
Hoje é o Brasil que suspira pela falta não só de Benjamim, mas de Shazam de “O Primeiro Amor” (tão fofo que acabou ganhando série própria com Flávio Migliaccio, o Xerife); do Ivan, de “Vamp”; do Marcelo de “Supermanoela”; do Celso Rezende de “Roda de Fogo”.