Em meio à retração generalizada da economia, o campo é o único que se salva. Com injeção pesada de tecnologia em todas as etapas do processo produtivo e câmbio favorável, o agronegócio, único setor que cresceu no País em 2015, vem conseguindo driblar os gargalos de infraestrutura e cravar sua competitividade no cenário internacional. Neste ano, a produção de soja, carro-chefe do agricultura brasileira, deve ultrapassar a barreira das 100 milhões de toneladas.
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A nova safra recorde vem apesar de irregularidades climáticas que assolaram seis Estados, incluindo os principais produtores – Mato Grosso e Paraná. Mesmo assim, o País deve produzir 101,2 milhões de toneladas de soja, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Com esse resultado e o crescente ganho de produtividade, o Brasil, que já é o maior exportador do grão, caminha para ultrapassar a produção dos EUA nas próximas safras.
“A tendência é de que o Brasil supere os Estados Unidos, não sabemos se na safra 2016/17, se na 2017/18. Mas, quando passar, vai ultrapassar e abrir”, diz André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult. Essa também é a expectativa do superintendente técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Bruno Lucchi. “Se as previsões de queda de área nos EUA e aumento no Brasil se confirmarem, a produção brasileira deverá ficar muito próxima da dos EUA.”
Para Pessôa, o bom desempenho também é fruto do uso mais cuidadoso de boas práticas agronômicas, como capricho na escolha de sementes e velocidade adequada de plantio. “Nesta safra, vimos muitas lavouras com produtividade acima de 70, 80 sacas por hectare (a média nacional é de 50)”, diz. “Esse grupo fará o País dar um salto de produtividade – e o que esses produtores têm está à disposição de todos.”
Além do investimento pesado em tecnologia e de políticas públicas de incentivo, como disponibilidade de crédito a taxas atrativas, houve também um importante crescimento em gestão das cooperativas agrícolas brasileiras. Mas os grandes números e cifras só foram possíveis graças ao boom das commodities nos últimos anos, puxado pela crescente demanda chinesa.
Para a próxima safra, porém, existem algumas incógnitas: a oferta de crédito e a cotação do dólar (que garantiu a rentabilidade do produtor nas últimas duas safras, apesar da queda dos preços na bolsa de Chicago). “Plantamos em 2014 com um câmbio de R$ 2,70 e colhemos a R$ 3,20. Agora, plantamos a R$ 3,60. Quem fechou com o dólar a R$ 4 se deu bem”, diz o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. Para quem ainda não comercializou toda a soja, porém, as margens serão mais estreitas, já que o dólar recuou quase 10% em 2016. “A demanda por crédito não foi tão explosiva no ano passado porque tinha muita gente capitalizada”, afirma. “Com a queda na renda, redução do crédito e a instabilidade política, que reduz a confiança, há uma tendência de maiores dificuldades em 2017.”
Amaggi alcança sua maior produtividade
Terceiro maior produtor de soja do País, grupo de Mato Grosso vai chegar nesta safra a 60 sacas por hectare
Na semana passada, quando o Brasil parou para acompanhar os desdobramentos da crise política, as colheitadeiras da fazenda Itamarati Norte, em Campo Novo do Parecis (MT), trabalhavam a todo vapor. A quase 400 km de Cuiabá, a fazenda do “rei da soja” Olacyr de Moraes, falecido em meados de 2015, foi arrendada em 2002 pelo grupo Amaggi, o terceiro maior produtor de soja do País.
Em 39 anos de operação, o grupo Amaggi vai alcançar nesta safra sua maior produtividade: 60 sacas de soja por hectare, em média. O resultado supera o obtido pelo grupo na safra passada (55 sacas) e a média do Mato Grosso neste ano, de 51,6 sacas, segundo a Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso (Aprosoja). Até a última terça-feira, 83% da safra de soja 2015/16 da fazenda tinha sido colhida. Apesar do clima irregular, que empurrou para baixo a produtividade do Estado, devem ser colhidas 28,5 milhões toneladas – 35% da produção de soja do País.
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“Esta safra está sendo rentável para os produtores que estão atingindo a média de produtividade do Mato Grosso”, afirmou Endrigo Dalcin, presidente da Aprosoja-MT. Ele explicou que 65% dos produtores venderam a safra quando o dólar bateu R$ 4. “Se não tivéssemos o incremento do câmbio, estaríamos complicados na rentabilidade, principalmente no nosso Estado, por causa da deficiência logística.”
Pedro Valente, diretor da Amaggi Agro, diz que a rentabilidade desta safra não será tão boa quanto à das safras dos últimos cinco anos, em que os lucros foram altíssimos. Ainda assim, o resultado virá bom. O lucro da companhia com grãos antes de juros, impostos e depreciação (Ebitda) deve ficar em 18% nesta safra, ante 22% em 2015. A média dos últimos cinco anos foi de 27,5%. “Hoje está ruim, mas está bom, como falam os caipiras da minha cidade”, brinca Valente.
Os resultados da produção agrícola destoam do resto da economia, que encolheu 3,8% em 2015. No ano passado, só o PIB do agronegócio, sustentado pela agricultura, avançou 1,8% sobre 2014, enquanto a indústria e o comércio deram marcha à ré. “O agronegócio está respirando um pouco melhor do que outros setores porque o dólar subiu bastante, apesar de o valor da soja em dólar ter caído”, observou Valente.
Nos últimos anos, a chave do sucesso da agricultura, capitaneada pela soja, foi o ganho de produtividade. “Introduzida em 1950 no Brasil, a soja demorou mais de 30 anos para alcançar uma produção de 15 milhões de toneladas, em 1982”, lembrou o secretário-geral da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais, Fabio Trigueirinho. De lá para cá, a produção cresceu rapidamente: deve beirar 100 milhões de toneladas este ano, impulsionada por investimentos em pesquisa e tecnologia, da semente a softwares.
Na linha de frente dessas inovações estão instituições de pesquisa, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e as universidades, que fazem parcerias com empresas para tornar disponíveis essas tecnologias. “O País optou por desenvolver um modelo de agricultura baseado em ciência e adaptado à nossa realidade, ao contrário de outros setores, como a indústria”, afirmou Maurício Lopes, presidente da Embrapa. “O Brasil fez isso ao criar a Embrapa, ao fortalecer as universidades, ao mandar milhares de jovens para serem treinados fora do País.”
Tablet. Na Itamarati Norte e nas demais seis fazendas do grupo Amaggi, por exemplo, o tablet virou uma ferramenta corriqueira nos últimos anos, contou Valente. São mais de 200 equipamentos nas mãos dos supervisores de campo, que alimentam um grande banco de dados ao qual todos têm acesso. Com isso, é possível visualizar as condições da produção de soja de cada talhão que, em média, tem 200 hectares. Com isso, é possível obter um raio X da produção, com dados que vão desde quando e quanto choveu, qual funcionário operou a máquina, até uma foto da área.
Quando Valente chegou à empresa, egresso do mercado financeiro, constatou que não tinha como tomar decisões sem o conhecimento do desempenho da operação agrícola como um todo. Por isso, decidiu criar um gigantesco banco de dados para reduzir custos e aumentar a produtividade. “Como o preço da commodity é dado pelo mercado internacional – e isso eu não discuto –, o que temos de fazer é gerenciar custos”, explicou. O próximo passo será incrementar esse banco de dados, cruzando, em tempo real, informações climáticas com a operação de máquinas nas lavouras. A intenção é saber se não se está jogando dinheiro fora.
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Agronegócio se firma como uma grande indústria a céu aberto, com condições de trabalho e moradia muito distantes dos boias-frias
O operador de máquina Carlos Vieira, de 33 anos, está em um mundo à parte dos índices de desemprego, que não param de crescer na indústria e no comércio, e, em Estados como São Paulo, já passam dos dois dígitos. Contratado há 12 anos da fazenda Itamarati Norte, Vieira está, neste momento, concentrado em planejar as próximas férias. Assim que terminar a colheita da soja, ele vai visitar a família em Cáceres (MT). No ano que vem, em maio, vai viajar para Recife, com um pacote que inclui passagem e hotel e já está sendo pago. “Vou de turista, com meu filho e minha irmã”, conta. Será sua primeira viagem de avião.
Vieira é um dos 2,1 mil funcionários da área de agronegócio do grupo Amaggi. Pelas oito horas diárias que trabalha de segunda a sexta, além do sábado até as 12h, ele ganha R$ 1,8 mil. Recebe também hora extra e bonificação, dependendo do rendimento da safra. Com as economias, já comprou um Prisma zero, cuja última prestação está prevista para outubro. “Depois disso, vou segurar um pouco”, disse ele, enquanto pilotava uma colheitadeira. Na cabine da máquina com ar-condicionado, a temperatura não passava de 21ºC. Bem mais fresquinho que os 30ºC do lado de fora. Tem frigobar com água gelada e música ambiente. Para comandar a máquina com uma grade de 40 pés, aproximadamente 12 metros de largura, é preciso pouco esforço, mas muita atenção.
A direção é hidráulica, o piloto automático e um joystick, semelhante ao usado em videogames, auxiliam nas manobras. Mas ele precisa estar atento para desviar das pedras escondidas no meio da soja que podem danificar a máquina, avaliada em R$ 1,2 milhão.
Um aparelho de GPS fornece a localização exata do talhão e no tablet são apontados os principais registros, como a umidade do solo e a rotação da máquina, por exemplo. “Quando a umidade do solo está acima de 22% não posso colher”, disse Vieira, explicando que, acima dessa marca, o gasto com a secagem do grão é maior.
Nos últimos dois anos, o grupo gastou mais de US$ 120 milhões em máquinas agrícolas. Mas, segundo Pedro Valente, diretor da área de agronegócio da companhia, o grande investimento foi no treinamento de pessoas. No ano passado, foram 22 mil horas de treinamento. “Não existe sucesso no agronegócio se não tiver gente capacitada”, disse o diretor.
Esse treinamento já se traduziu em ganhos de produtividade. Na safra 2011/2012, a melhor em resultados para a empresa, cada funcionário era responsável pela produção de 115 hectares. Na safra passada, essa relação tinha subido para 136 hectares. Valente argumentou que não houve demissões no período. Por conta da maior produtividade dos empregados, foi possível expandir a área de produção, mas sem novas contratações.
Cautela. Apesar do cenário favorável que, por ora, prevalece no agronegócio – enquanto os demais setores da economia estão paralisados e demitindo trabalhadores –, o operador de máquina está cauteloso. Depois de quitar o carro zero, ele tinha planos de dar entrada na compra da casa própria. “Fico meio assustado com a situação do País”, disse ele.
Enquanto os cenários político e econômico não melhoram, Vieira pretende continuar morando dentro da própria fazenda numa minicidade, com casas de 120 metros quadrados para 400 famílias, criada pela própria companhia. De acordo com a empresa, o preço do aluguel é simbólico.
Nessa cidade, os trabalhadores têm escola e creche para os filhos, clube, um comércio local, com supermercado e galeria de lojas, igreja e até um hotel. Uma estrutura que nada lembra a de boias-frias.
Dívida alta é preocupação do setor
A pesar do vigor da agricultura, o setor não está blindado da crise. Os primeiros sinais de alerta começaram a aparecer na área de defensivos agrícolas, por exemplo. A inadimplência observada pela indústria, que estava em 11,3% em 2014, subiu para 14% no ano passado, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg).
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) aponta que a dívida de médio e longo prazo dos agricultores com o sistema financeiro oficial, sem contar empréstimos obtidos com terceiros, chegou a R$ 200 bilhões. Na avaliação da CNA, a inadimplência continua estabilizada, na faixa de 4% de créditos a receber.
No entanto, de acordo com a confederação, esse quadro pode aumentar com o agravamento da crise. A queda na renda dos brasileiros pode afetar os produtores de alimentos voltados para o mercado interno, que não são beneficiados pelo câmbio, como aqueles que cultivam soja e que estão protegidos quando o dólar sobe.
O endividamento também deve aumentar no Matopiba (formado por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), cuja produtividade recuou, em média, quase 10 sacas por hectare em relação à safra passada. “A região foi muito castigada pela seca, e tem muita gente devendo em dólar”, diz o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues./Colaborou Clarice Couto
Exportação pelo Norte cresce 62%
O chamado Arco Norte é a aposta do agronegócio para reduzir o custo logístico; até 2025, rota terá capacidade de 64 milhões de toneladas
Renée Pereira
A grande aposta dos empresários do agronegócio para reduzir os custos logísticos é o desenvolvimento do Arco Norte, corredor de exportação que inclui os portos de Rondônia, Amazônia, Pará e Maranhão. Nos últimos anos, investimentos bilionários têm sido aplicados em projetos para ampliar a capacidade de escoamento da nova rota. E os primeiros resultados já são positivos.
Em apenas um ano, o volume de exportação pela chamada Saída pelo Norte cresceu 62,4%, de 12,2 milhões para 19,9 milhões de toneladas de grãos, segundo o diretor da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Marcelo Cabral. No mesmo período, compara o executivo, a expansão no Porto de Santos, o maior da América Latina, foi de 22,7%, para 30,5 milhões de toneladas.
Estacionamento para carretas no terminal de carga de grãos da Bunge, na margem do rio Tapajós (PA)
Estacionamento para carretas no terminal de carga de grãos da Bunge, na margem do rio Tapajós (PA) Foto: Sérgio Catro/Estadão
Mas a boa notícia não veio só do aumento do volume exportado pelo Norte. Os custos já estão menores – e a expectativa é que caiam mais. Cabral afirma que enquanto o frete entre Sorriso (MT) e o Porto de Santos (SP) está em torno de US$ 135 a tonelada, na rota entre Sorriso e Miritituba/Vila do Conde (PA) está em US$ 95 a tonelada.
O coordenador executivo do Movimento Pró Logística, Edeon Vaz Ferreira, afirma que hoje o caminho que tem como ponto central Miritituba e os portos de Santarém e Vila do Conde, no Pará, e Santana, no Amapá, já tem capacidade para movimentar 10,5 milhões de toneladas. Até o fim do ano serão 16,5 milhões. Ele conta que os terminais de Cianporte e Cargill devem ficar prontos até o fim do ano, o que vai ampliar a capacidade de exportação. “Tem mais gente com projetos em Miritituba, que devem sair do papel nos próximos anos”, diz Ferreira.
Segundo ele, o fim da pavimentação da BR-163 deve atrair ainda mais projetos para a região. São 104 quilômetros sem asfalto que representam dias de viagem. “Esse é um trecho para dois dias. No período de chuva, por causa do trecho de terra, o tempo sobe para seis dias.”
O diretor do Ministério da Agricultura destaca também que a licitação dos Portos do Pará, prevista para abril, também deve atrair novos investimentos, já que vai ampliar a capacidade de exportação em 25 milhões de toneladas. “Temos uma expectativa de que, até 2025, tenhamos uma capacidade de 64 milhões de toneladas no Arco Norte.” Com isso, diz o executivo, regiões que hoje não produzem passarão a produzir, pois o custo de escoamento vai cair com a concorrência.