Uma discussão salutar, mas pouco usual no mundo da internet, é o quanto ela se parece com a nossa vida real. Para mim, no começo da rede, eu diria, sem medo, que a internet é uma cópia fiel da realidade. Pelo mundo virtual, vivemos o melhor, mas, também, o pior dos mundos. Fraudes, crimes e pornografia são alguns exemplos do lado negro da rede mundial de computadores. Mas, por outro lado, campanhas solidárias, abaixo-assinado eletrônico, vídeos educativos e cursos à distância promovem a internet como o berço de uma época de ampla democratização da informação. Mas o mundo digital tem suas próprias regras, e não dá para comparar nem com a televisão, nem com uma mensagem boca-a-boca.
Um dos fenômenos é que a rede se judicializou. Entre fotos e palavras, o aplicativo de mensagem de voz, o Whatsapp, por exemplo, responde pela maior parte dos divórcios na Itália, e não adianta negar, porque a prova do crime está lá.
E-mail já foi sacramentado como um documento oficial, como a carta era no passado. O ganho é grande em transparência, mas as relações se fragilizam quando o universo social se amplifica. Muitos chamam a internet de rede intrigas, e um mero “curti” pode ser o primeiro passo para um divórcio litigioso.
Há questões importantes envolvidas na maneira como as pessoas se relacionam na rede, ou como elas deixam de se relacionar. Exatamente, as relações ficam mais fluidas, mais voláteis, aquilo que o sociólogo Zygmunt Bauman chama de “amor líquido”, nome do famoso livro em que ele fala sobre a insegurança das relações, que é cada vez maior, e que as regras e códigos de conduta estão cada vez mais frouxos.
Assim também é a noção de privacidade na internet. A intimidade do indivíduo é exposta, sem pudores, em fotos na qual as pessoas não imaginam que o botão “enviar” é um caminho sem volta. E que existe um mundo de amor e de ódio por trás de tudo que você posta na rede social.
O Facebook tornou-se o espião moderno, e, embora o marco civil da internet assegure que o espaço virtual também é um espaço de cidadania, ou seja, os direitos individuais devem ser preservados, já existe até um jargão técnico para o ato, criminoso, por sinal, de espalhar fotos não autorizadas de ex-namoradas ou ex-namorados, só para citar um exemplo.
Esse nome técnico é o “sexting”, considerado uma forma de assédio, de coação, em que alguém é coagido a enviar imagens que serão disseminadas depois ou postadas na rede. O fenômeno já ganhou inúmeras manchetes nos jornais devido aos enormes danos causados especialmente às mulheres jovens, mais tentadas a fazerem uma superexposição na rede.
O que mais preocupa é que a internet e seus enormes data-centers espalhados ao redor do mundo acabaram com a “borracha” do tempo. Ou seja, não dá mais para simplesmente apagar o que foi postado. A informação passa a circular e pode ser resgatada a qualquer tempo, de algum modo. É o que os técnicos chamam de direito ao esquecimento. Ou seja, a Justiça tem sido o único caminho para reparar os danos à imagem, à honra, e à dignidade das pessoas, princípios constitucionais que estão mais do que atuais e que deveriam ser levados a sério por gerações afoitas com a chance de serem estrelas por um dia.
A vaidade é o maior veneno para quem coloca o ego à frente da racionalidade e compartilha senhas, fotos e pequenos segredos para uma multidão. Geralmente, é o próprio internauta que se boicota na rede! Falta não apenas juízo, mas a consciência de que indenização alguma pode reparar o dano moral causado pela violação de sua vida privada – ameaça que, até pouco tempo atrás, estava limitada às pessoas famosas, como Adriane Galisteu e Carolina Dieckmann, que tiveram vídeos e fotos íntimas expostos na rede.
Na internet é assim: o passado ninguém apaga. Mas o futuro pode ser construído com o diálogo constante entre pais e filhos, marido e mulher, amigos próximos ou colegas de escola. Diálogo frente a frente, diga-se de passagem.
Prevenir ainda é o melhor remédio para não chorar depois nos ombros do advogado. Fazer de uma rede de amigos uma rede de intrigas é uma decisão que compete a cada um.
A internet é neutra. Cada um que cuide da sua.
Texto de Beth Veloso produzido originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara.
CESAR GALEANO