“Quando eu tinha dois anos, nossa família se mudou para uma cidade rural na região de Kansai para ficar com meus avós paternos que estavam envelhecendo”, escreve Mari Fujimoto na introdução de seu novo livro Ikigai and Other Japanese Words to Live by (“Ikigai e outras palavras japonesas para seguir”, em tradução livre), que apresenta 43 expressões pungentes da língua traduzidas para o inglês.
Mais do que uma simples recordação do Obon, festival que homenageia os antepassados, a experiência dela na infância reflete uma filosofia – uma das muitas que aparecem no livro, questionando os valores ocidentais dominantes.
Fujimoto, diretora de Estudos Japoneses da City University, em Nova York, é linguista por formação e acredita que, descobrindo palavras e expressões únicas em outras culturas, podemos obter uma compreensão mais ampla de nossas próprias vidas.
“No Ocidente, costumamos buscar a perfeição, e sentimos sempre que precisamos ser perfeitos, temos que fazer o máximo para atender às expectativas de outras pessoas. Pensando sobre como meus avós eram e sobre o estilo de vida japonês tradicional, pensei que poderíamos fazer uma pausa, olhar em volta e aceitar as coisas que normalmente não apreciamos, como envelhecer.”
A serenidade permeia muitas das expressões, seja derivada da necessidade de aceitar questões que estão além do nosso controle ou de tratar com respeito o próximo.
O artista sul-africano David Buchler – que escreveu breves ensaios para o livro – vive no Japão há sete anos.
“Quando converso com pessoas em japonês, presto muita atenção no que estou dizendo, nos meus gestos e em ser educado, penso nos efeitos das minhas palavras (no interlocutor)”, explicou ele à BBC Culture.
O livro cobre tópicos abrangentes, incluindo “harmonia”, “gratidão” e “tempo” – mas não é um dicionário abstrato. Em vez disso, Fujimoto abre as portas para uma cultura que muitas vezes pode parecer distante para quem é de fora.
Sobre shibui, que “remete à beleza revelada pela passagem do tempo”, ela escreve:
“Inserindo-se em uma estética de calma – cores suaves e brilho moderado -, esta palavra nos lembra de apreciar aquilo que melhora com a idade. Há um encanto na maturidade, e as experiências de vida marcam seus objetos com uma expressão agradável. Você pode observar o shibui na cor das folhas das árvores no início do inverno, ou em uma xícara de chá antiga em cima da mesa”.
É uma filosofia que encontra um público receptivo: o programa da guru japonesa da arrumação Marie Kondo, por exemplo, é um sucesso no Netflix – ela ensina a desapegar de objetos que não despertam mais “alegria” em você. Um estilo de vida que levou ao aumento de doações a instituições de caridade no Reino Unido desde o lançamento do programa.
Ao mesmo tempo, o movimento mindfulness (atenção plena) do século 21 oferece aplicativos de meditação para praticar quando estamos a caminho do trabalho, preparando o jantar ou fazendo compras no supermercado.
“Aprender a língua me acalmou muito – a maneira como eu me aproximo das coisas é mais benéfica para mim”, diz Buchler.
Ele escolhe a expressão mono-no aware ou “a natureza efêmera da beleza”.
“É basicamente sobre estar consternado e apreciar a transitoriedade – e também sobre a relação entre a vida e a morte. No Japão, há quatro estações muito distintas e você realmente se torna consciente da vida, da mortalidade e da transitoriedade. Você se torna consciente de como esses momentos são significativos.”
O livro destaca o quanto o clima de um país afeta seu vocabulário.
“As condições de vida no Japão pré-moderno eram duras… as pessoas tiveram que aprender a conviver com isso – você não pode ficar sempre ressentido em relação ao que a natureza pode trazer. Em vez de ficarem chateados ou tentarem resistir, eles descobriram uma maneira sábia de apreciar e lidar com o que eles têm”, diz Fujimoto.
“Eu me lembro de tufões destruindo as plantações e de um grande terremoto que tirou milhares de vidas no meu distrito”, escreve Fujimoto em sua introdução.
“É assim que os japoneses desenvolveram seu estilo de vida: vivendo em harmonia com a natureza, uma filosofia que se encontra no coração do xintoísmo, a antiga espiritualidade indígena do povo japonês… Esse sistema de crenças evolui para uma maneira unicamente japonesa de apreciar a beleza hoje.”
Fujimoto reconhece que existem certos “elementos essenciais de beleza, como simetria, composição, juventude e vivacidade” – mas argumenta:
“Nós costumamos ser atraídos por essas qualidades ‘positivas’, enquanto atributos opostos, como a feiura, a imperfeição, a idade e a morte são consideradas desagradáveis no mundo ocidental.”
“A estética tradicional japonesa é, inversamente, fundada na verdade inegável da natureza; tudo na natureza é transitório; nada dura e nada é perfeito. Há beleza em todos os variados aspectos da vida, do nascimento à morte, da imperfeição à perfeição, da feiura à elegância.”
O livro ressalta o benefício que a compreensão de determinadas palavras em idiomas diferentes pode trazer: podemos ver o mundo de duas maneiras diferentes, mantendo ambos os pontos de vista simultaneamente.
“Se você simplesmente mudar a sintonia, poderá ver mais beleza no mundo”, diz Fujimoto.
“Apenas uma pequena mudança de mentalidade ou perspectiva: estamos rodeados de tantas coisas boas que não percebemos ou apreciamos.”Fonte: BBC Brasil