Pequeno conjunto de ilhas no Oceano Pacífico corre o risco de desaparecer nos próximos anos. Governo tenta manter soberania e quer digitalizar desde a configuração geográfica do território até a cultura da população.
Por Paula Paiva Paulo, g1
Um conjunto de ilhas paradisíacas, no meio do Oceano Pacífico… corre o risco de ser um dos primeiros países do mundo a desaparecer por causa das mudanças climáticas.
O ponto mais alto de Tuvalu, pequeno território no sul da Oceania, está a apenas cinco metros do nível do mar — nas próximas décadas, toda a região pode ser engolida pela água.
🏝️Como resistir? Os cerca de 11 mil habitantes tentam continuar existindo como povo, buscando o título de “primeira nação digital do mundo”. Veja só como: o governo do país quer digitalizar desde a configuração física das ilhas até as danças tradicionais dos moradores. A ideia é que, digitalmente, a população possa, inclusive, participar de eleições. (leia mais abaixo).
“Nossa nação digital fornecerá uma presença on-line que poderá substituir nossa presença física e nos permitirá continuar a funcionar como um Estado”, disse o ministro Simon Kofe, de Justiça, Comunicação e Relações Exteriores.
Alertas para o mundo: ‘O país está na mão de vocês’
Em novembro, a Austrália fechou um acordo para receber os refugiados climáticos de Tuvalu que irão perder seu território.
A crise não é uma surpresa: há anos, as autoridades de Tuvalu tentam alertar a comunidade global da urgência de ações pra combater a crise climática.
➡️Em 2009, na Conferência do Clima (COP 15), com lágrimas nos olhos, o representante das ilhas, Ian Fry, pediu aos países em desenvolvimento que assumissem um compromisso quanto à redução de suas emissões. “O destino do meu país está nas mãos de vocês”, disse Fry, à época.
➡️Doze anos depois, em 2021, o ministro Simon Kofe exibiu um vídeo na COP 26 com um figurino inusitado para o cenário: discursou de terno e gravata, dentro do mar e com a água até o joelho.
“Estamos afundando, mas o mesmo está acontecendo com todos. Não importa se sentimos os efeitos hoje, como Tuvalu, ou daqui a 100 anos”, afirmou.
Ministro de Tuvalu grava vídeo para COP26 de dentro do mar para alertar que ilha está desaparecendo. — Foto: Governo de Tuvalu/Redes sociais
País no metaverso?
Apesar dos alertas e dos pedidos de metas mais ambiciosas de combate à crise climática, as previsões de aumento da temperatura do planeta e de subida do nível do mar não mudaram.
“O mundo não agiu, e por isso nós, no Pacífico, tivemos de agir”, disse o ministro Kofe.
Foi quando, no final de 2022, o governo anunciou que iria “transferir” o país para o metaverso.
“À medida que a nossa terra desaparece, não temos outra escolha além de nos tornar a primeira nação digital do mundo. Nossa terra, nosso oceano e nossa cultura são os bens mais preciosos de nosso povo. Para mantê-los protegidos de danos, não importa o que aconteça no mundo físico, iremos movê-los para a nuvem”.
Nesta semana, enquanto acontece a COP 28 (a cúpula do clima da ONU), Tuvalu anunciou o que já foi feito no projeto “Future Now” (Futuro Agora). Simon Kofe informou que o país:
- mapeou tridimensionalmente as 124 ilhas e ilhotas que compõem o território;
- está criando um passaporte digital para que as pessoas possam continuar casando ou participando de eleições de forma on-line;
- investiu na infraestrutura nacional de comunicações.
“Um cabo submarino fornecerá a largura de banda necessária para mover o nosso país para a nuvem”, informou Kofe.
➡️Além de mapear digitalmente o país, as autoridades também estão perguntando ao povo tuvaluano o que eles gostariam de “salvar”.
“As respostas, sejam artefatos de valor sentimental, o som da linguagem dos nossos filhos, a sabedoria das histórias dos nossos avós ou as danças vibrantes dos nossos festivais, serão todas digitalizadas e se tornarão parte da nossa arca digital”.
Até danças tradicionais podem ser digitalizadas para tentar preservar a cultura do povo de Tuvalu — Foto: Divulgação/Simon Kofe
Nação digital?
E como fica a soberania de um país que existe apenas no mundo digital?
A Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados, de 1933, diz que um Estado consiste em um território definido e em uma população permanente.
Em setembro deste ano, Tuvalu mudou a definição de Estado na sua Constituição. Os novos termos dizem que “o Estado de Tuvalu, dentro do seu quadro histórico, cultural e jurídico, permanecerá perpetuamente no futuro, apesar dos impactos das alterações climáticas ou de outras causas que resultem na perda do território físico”.
Em setembro deste ano, Tuvalu mudou a definição de Estado na sua Constituição. Os novos termos dizem que o país continuará existindo ‘apesar dos impactos das alterações climáticas ou de outras causas que resultem na perda do território físico’. — Foto: Divulgação/Simon Kofe
Segundo Kofe, doze nações, como as Bahamas e o Gabão, já assinaram comunicados conjuntos com Tuvalu reconhecendo essa nova definição de estado.
O primeiro-ministro de Tuvalu, Kausea Natano, disse que o país continuará existindo e que sua soberania não é negociável.
Tuvalu é formada por um conjunto de ilhas que podem desaparecer nas próximas décadas — Foto: Getty Images