A infecção pelo novo coronavírus tem deixado sequelas em muitos pacientes: médico Guilherme Renke explica sintomas e como ajudar o sistema imunológico a combatê-los
Rio de Janeiro
A maioria das pessoas que são infectadas pelo novo coronavírus e passaram pela Covid-19 se recupera em algumas semanas. Mas alguns meses depois, mesmo entre aqueles que tiveram versões leves da doença, muitos continuam a lutar contra os sintomas após a recuperação inicial. O fenômeno é chamado de “Síndrome Pós-COVID-19”.
Idosos e pessoas com muitas condições médicas graves têm maior probabilidade de apresentar sintomas persistentes de COVID-19, mas mesmo as pessoas jovens e saudáveis podem sentir indisposição por semanas a meses após a infecção.
Os sinais e sintomas mais comuns que perduram ao longo do tempo incluem:
- Fadiga
- Falta de ar
- Tosse
- Dor nas articulações
- Dor no peito
- Dor muscular ou dor de cabeça
- Batimento cardíaco rápido ou acelerado
- Perda de olfato ou paladar
- Problemas de memória, concentração ou sono
- Erupção cutânea ou queda de cabelo
Embora os pulmões sejam definitivamente o primeiro órgão-alvo da infecção por SARS-CoV-2, evidências acumuladas indicam que o vírus pode se espalhar para muitos órgãos diferentes, incluindo o coração, vasos sanguíneos, rins, intestino e cérebro. Por esse motivo, uma abordagem multidisciplinar torna-se crucial para a avaliação e o acompanhamento dos pacientes com Covid-19.
Não se sabe por que a recuperação de algumas pessoas é prolongada. A presença persistente do vírus no sangue devido a uma resposta fraca ou ausente de anticorpos, recidiva ou reinfecção, reações inflamatórias e outras reações imunológicas, descondicionamento e fatores mentais, como estresse pós-traumático, podem contribuir. Sequelas respiratórias, musculoesqueléticas e neuropsiquiátricas de longo prazo foram descritas para outros coronavírus (SARS e MERS), e estas têm paralelos fisiopatológicos com Covid-19 pós-aguda. Ainda não temos evidências robustas para a recuperação de cada sintoma, mas a ciência já mostrou algumas técnicas e manejo clínico e nutricional que podem contribuir para a recuperação do organismo pós-infecção pelo Covid-19.
Vamos abordar algumas delas, como técnicas de respiração, retomada de exercícios físicos e nutrição para fortalecimento da imunidade.
Técnicas de respiração
Cerca de 80% do trabalho respiratório é feito pelo diafragma. Após a doença ou o descondicionamento geral, o padrão respiratório pode ser alterado, com redução do movimento diafragmático e maior utilização dos músculos acessórios de pescoço e ombro. Isso resulta em respiração superficial, aumentando a fadiga e a falta de ar, e maior gasto de energia. Técnicas de “controle respiratório” visam normalizar os padrões respiratórios e aumentar a eficiência dos músculos respiratórios (incluindo o diafragma), resultando em menos gasto de energia, menos irritação das vias aéreas, fadiga reduzida e melhora da falta de ar.
Uma das técnicas usadas para o controle da respiração é a seguinte:
- O paciente deve sentar-se em uma posição apoiada e inspirar e expirar lentamente, de preferência inspirando pelo nariz e expirando pela boca, enquanto relaxa o peito e os ombros e permite que a barriga se eleve;
- Objetivo deve ser uma relação inspiração / expiração de 1:2 (ou seja, leve o dobro do tempo da inspiração na expiração: se inspirou por 5 segundos, expire por 10 segundos, por exemplo);
- Essa técnica pode ser usada com frequência ao longo do dia, em intervalos de 5 a 10 minutos (ou mais, se for útil).
Diversas são as técnicas usadas como estratégias para controlar os padrões de respiração e falta de ar dos pacientes, mas requerem aconselhamento especializado para identificar qual é mais adequada para cada paciente. Yoga pode ser uma grande aliada para ajudar na respiração,
Retomada de exercícios físicos
Exercícios físicos moderados podem ser grandes aliados na recuperação. Todavia, é importante ressaltar que o retorno deve ser gradual e de preferência com acompanhamento de profissionais habilitados, tanto médico como profissional de educação física. Cada caso impõe recomendações diferentes.
- Para pessoas com sintomas sanguíneos, é recomendado começar com exercícios de baixa intensidade e logo diminuir o sedentarismo, pois reduzirá os riscos de formação de coágulos sanguíneos.
- Já aqueles que apresentaram sintomas respiratórios como pneumonia devem descansar por pelo menos uma semana após o desaparecimento total dos sintomas, retornando gradualmente à atividade física com ênfase no monitoramento da respiração.
- Pessoas com sintomas cardíacos devem ser monitorados ainda mais de perto neste retorno à atividade física.
Algumas das orientações ao retorno de atividades físicas, baseadas em evidências científicas indiretas, são:
- Sintomas muito leves: limite a atividade a caminhada lenta ou equivalente nos primeiros dias. Aumente os períodos de descanso se os sintomas piorarem. Evite treinamento de alta intensidade nas primeiras semanas.
- Sintomas persistentes (como fadiga, tosse, falta de ar, febre): limite a atividade a 60% da frequência cardíaca máxima até duas a três semanas após a resolução dos sintomas.
- Pacientes que necessitaram de oxigênio precisam de avaliação respiratória antes de retomar o exercício.
- Pacientes que tiveram envolvimento cardíaco precisam de avaliação cardíaca antes de retomar.
É muito importante ouvir o seu corpo e ter uma retomada de exercícios físicos mais lenta e gradual. Mas lembre-se que no tempo ideal, é fundamental o seu retorno!
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Nutrição: aliada ou vilã da recuperação
A dieta ocidental típica consiste em grandes quantidades de gordura saturada, carboidratos refinados e açúcares e baixos níveis de fibras, gorduras insaturadas e antioxidantes. Esse padrão alimentar leva a uma toxicidade, induzindo a um estado inflamatório crônico, um vilão na recuperação da infecção pelo Covid-19, pois levará a um sistema imune menos competente.
Essa inflamação crônica pode ser um dos contribuintes para implicações na função neurológica. Numa pessoa que já tem certo grau de neuroinflamação, o combate do sistema imune à infecção pelo Covid-19 pode exacerbar essa neuroinflamação, levando a sintomatologias como problemas de memória, concentração ou sono.
Já o consumo de grandes quantidades de fibras, grãos inteiros, gorduras insaturadas e antioxidantes mostrou aumentar a função imunológica. Na verdade, estudos mostram que consumir alimentos saudáveis tem um efeito antiinflamatório rápido, podendo ser um grande aliado na recuperação. Ou seja, o ideal é investir no consumo de frutas e verduras variadas.
Foi estabelecido que o sistema imunológico integrado e complexo precisa de vários micronutrientes específicos, incluindo vitaminas A, D, C, E, B6 e B12, folato, zinco, ferro, cobre e selênio, que desempenham papéis vitais, muitas vezes sinérgicos em cada estágio da resposta imune.
A ingestão inadequada de micronutrientes na dieta e a necessidade aumentada em situações como infecção e estresse diminuem ainda mais os estoques no corpo. Embora existam dados contraditórios, as evidências disponíveis indicam que a suplementação de micronutrientes com funções de suporte imunológico pode modular a função imunológica e reduzir o risco de infecção e/ou sua gravidade. Os micronutrientes com as evidências mais fortes de suporte imunológico são as vitaminas C e D e o zinco.
Infelizmente a ingestão alimentar de micronutrientes é inadequada em todo o mundo, inclusive em países industrializados, o que pode aumentar o risco de infecção e piora na recuperação. Além disso, evidências crescentes mostram que o aumento da ingestão de alguns micronutrientes pode ajudar a maximizar a função imunológica e, assim, melhorar a resistência à infecção. Não podemos mais deixar de lado a nutrição.
Percebe-se que uma equipe multidisciplinar é importante para a recuperação de pessoas que, após terem vencido a Covid-19, ainda apresentam sintomas, os quais podem afetar muito sua qualidade de vida. Se você vem sofrendo com alguns desses sintomas, invista em profissionais qualificados para auxiliar nessa recuperação.