Quem é Victoria Amelina, a escritora vítima de crime de guerra na Ucrânia

Victoria Yuriyivna Amelina, a escritora de 37 anos morta em decorrência de ferimentos causados por um ataque russo na cidade de Kramatorsk, no leste da Ucrânia, que deixou, na hora, pelo menos nove mortos e 56 feridos, entre os quais crianças, faz parte de uma geração de jovens ucranianos que está arriscando a vida para defender seu país.

Nascida em 1º de fevereiro de 1986, em Lviv, na Ucrânia, ela se mudou para o Canadá na adolescência, com o pai, mas logo eles voltaram para o seu país de origem.

Victoria estudou ciência da computação, trabalhou com TI. E passou a se dedicar exclusivamente à literatura em 2015.

Romancista, poeta, autora de livros infantis e ativista, ela estreou em 2014 com A Síndrome de Novembro (em tradução livre e Fall Syndrome, em inglês). Em 2016, ela lançou o infantil Alguém, ou o Coração de Água.

Em 2017, saiu Dom’s Dream Kingdom, que ganhou uma edição em espanhol e será publicado em inglês. Na história, um poodle chamado Dom conta a saga de uma família russo-ucraniana vivendo em Lviv. Com sua visão sensível e faro, ele traça a história da Ucrânia no século 20 e permite uma melhor compreensão do que está acontecendo lá hoje.

Este romance lhe rendeu o Conrad Literary Award e a indicação ao European Union Prize for Literature.

Um olhar para a realidade

Victoria deixou de lado seu trabalho com ficção e começou a documentar crimes de guerra após a invasão da Rússia no ano passado. Ela também atuou com crianças próximo da linha de frente.

Ela trabalhava no livro de não ficção War and Justice Diary: Looking at Women Looking at War, que deve ser publicado. Na obra, ela segue os caminhos de jornalistas, ativistas de direitos humanos, advogados e voluntários que documentam crimes de guerra russos na Ucrânia.

Em um post que ela fixou em seu perfil do Twitter, de 7 de junho de 2022, vemos uma foto de uma mulher diante das ruínas de um prédio.

“Sou eu nesta foto. Sou uma escritora ucraniana. Tenho retratos de grandes poetas ucranianos em minha bolsa. Parece que deveria estar tirando fotos de livros, arte e do meu filhinho. Mas documento os crimes de guerra da Rússia e ouço o som de bombardeios, não de poemas. Por quê?”

O ucraniano Uilleam Blacker, tradutor e membro do júri do International Booker Prize, compartilhou sua tradução do poema.

O romancista Andrey Kurkov também usou o Twitter para dizer que “Victoria Amelina foi uma das escritoras ucranianas mais gentis e caridosas que fez muito mais pelos outros do que por si mesma”

Ele destacou, ainda, seu papel como idealizadora, em 2021, de um festival literário na cidade ucraniana de Nova York, na região de Donetsk. Em maio deste ano, o local foi atingido.

Sobre o ataque, Victoria escreveu: “Eles destruíram o centro cultural para matar a nossa cultura”.

Em 16 de junho, poucos dias antes de ser ferida no ataque que tiraria sua vida, ela voltou a falar sobre o festival.

“Quando fundei o festival de literatura de Nova York em um pequeno vilarejo chamado Nova York no Donbass, eu estava, é claro, sendo irônica. Afinal, a ironia é o que torna a literatura grande. A autoironia fez da vila de Nova York um lugar fantástico. Os russos não têm autoironia. Eles são tão sérios sobre si mesmos. Mas os ucranianos vão sobreviver, rir e fazer festivais de literatura, não de guerra – em todas as Nova York possíveis. Eu prometo.”

Último post

O último post de Victoria é do dia em que ela se feriu no ataque russo, 27 de junho.

Ele mostra o escritor colombiano Hector Abad Faciolince e a bibliotecária Yulia na cidade de Kapytolivka, onde o escritor Volodymyr Vakulenko foi raptado e morto pelas tropas russas.

A escritora foi a responsável por desenterrar o diário de Vakulenko, que estava escondido em seu jardim e serviu como um documento em tempo real da guerra na Ucrânia, e já foi transformado em livro.

“É como um abraço de solidariedade da América Latina à Ucrânia”, ela escreveu sobre a presença do escritor colombiano.

O ataque

Victoria Amelina estava no restaurante Ria Lounge no momento do ataque. O local era muito procurado por soldados, jornalistas e trabalhadores de organizações humanitárias em Kramatorsk, o último grande centro urbano sob controle de Kiev no leste.

Ela estava com a comitiva colombiana, formada pelo escritor Héctor Abad, por Sergio Jaramillo, que fez parte do Alto Comissionado para a Paz da presidência da Colômbia, e pela jornalista colombiana Catalina Gómez. Os três tiveram ferimentos leves e sobreviveram. A escritora foi socorrida. Sua morte foi anunciada neste domingo, 2.

Vida interrompida

A escritora tinha ganhado uma bolsa de estudos da Columbia University, em Paris, e planejava, se mudar para a França ainda em 2023, segundo o Guardian, com seu filho de 12 anos.