Por que a França resiste ao ar-condicionado em plena onda de calor com recordes de temperatura

País está atrasado tanto em novas construções “passivas de energia”, quanto em reformas.

Termômetro de farmácia em Paris, na França, marca 39ºC. Pouco preparada para o calor, capital francesa deve alcançar temperaturas acima dos 40ºC nesta terça-feira (19). — Foto: AP

França usa mais ar-condicionado do que desejaria, com um quarto dos lares usando algum tipo de dispositivo de resfriamento, desde pequenos ventiladores com água até torres mais complexas, que se assemelham aos aparelhos usados no Brasil. Esse número vem aumentando com a gigantesca onda de calor, mas diante dos efeitos do aquecimento global e da iminente escassez de energia, as autoridades da França e da União Europeia esperam encorajar formas alternativas de resfriamento.

Em dias de calor escaldante, como a maior parte da França tem experimentado recentemente, é possível encontrar pessoas refugiando-se em mercearias ou cinemas – locais que têm mais probabilidade de ter ar-condicionado do que casas, ou mesmo escritórios.

Ainda que a utilização do ar-condicionado venha aumentando na França, este tipo de dispositivo permanece menos utilizado em terras francesas do que em outras regiões do globo, pois até recentemente o calor extremo tem sido relativamente raro.

Segundo a Ademe, a agência francesa de transição ecológica, cerca de 55% dos comércios franceses e 64% dos escritórios dispunham de um aparelho de ar-condicionado em 2020.

Estes números são mais altos do que nas casas das pessoas, onde apenas 25% tinham algum tipo de sistema ou dispositivo em 2020, embora o número esteja em ascensão, já que a França vê o aumento das temperaturas no verão e ondas de calor mais regulares em todo o país.

Imagem aérea mostra barcos no leito seco do Lago Brenets (Lac des Brenets), uma fronteira natural entre o leste da França e o oeste da Suíça, em Les Brenets, nesta segunda-feira (18). O rio secou devido uma combinação de fatores, incluindo falhas geológicas que drenam o rio, diminuição das chuvas e ondas de calor — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Imagem aérea mostra barcos no leito seco do Lago Brenets (Lac des Brenets), uma fronteira natural entre o leste da França e o oeste da Suíça, em Les Brenets, nesta segunda-feira (18). O rio secou devido uma combinação de fatores, incluindo falhas geológicas que drenam o rio, diminuição das chuvas e ondas de calor — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Isolamento de prédios e mais verde, solução durável

A melhor maneira de manter a calma é isolar os edifícios. As normas de construção que entraram em vigor na França em janeiro de 2022 exigem que as novas casas sejam construídas de modo que as temperaturas internas não subam acima de 28° C durante o dia, sem o uso de ar-condicionado.

As normas também exigem que edifícios mais antigos sejam renovados durante a próxima década, para eliminar as chamadas “peneiras térmicas”, que hoje são cerca de cinco milhões no país.

Entretanto, a França está atrasada, tanto em novas construções “passivas de energia”, quanto em reformas.

Para atender às exigências, o país precisaria renovar cerca de 700.000 edifícios por ano, dez vezes o que está sendo feito atualmente.

A vegetação também serve para reduzir as temperaturas. A França lançou um programa para replantar as florestas e as cidades têm colocado mais vegetação para combater os edifícios de asfalto e pedra que absorvem o calor.

Alguns centros urbanos franceses começaram a colocar em prática planos de “diminuição do calor” para enfrentar o aumento da temperatura, o que inclui colocar mais plantas nos edifícios e plantar mais árvores.

A cidade de Paris teve recentemente que recuar nos planos de desalojar certas árvores por causa dos protestos de ambientalistas, que argumentaram que elas desempenham um papel crucial para manter a cidade mais fria.

O sistema de “resfriamento urbano” de ParisParis tem um sistema relativamente desconhecido de refrigeração de espaços como o museu do Louvre ou a Assembleia Nacional (o Congresso francês), que faz circular a água do rio Sena a 4°C no subsolo.

O sistema de “resfriamento urbano” reduz as temperaturas internas de 5 a 8°C, em comparação com o exterior.

A cidade se comprometeu a expandir o sistema durante os próximos 20 anos para diminuir o uso de ar-condicionado. No futuro, este sistema circulará em todos os hospitais parisienses, em algumas escolas e até mesmo em algumas estações de metrô.

“Todos os bairros serão atendidos por esse sistema em 2042”, disse Dan Lert, vice-prefeito responsável pela água.

Paris tem um sistema no inverno de “aquecimento urbano” que utiliza energia geotérmica subterrânea, mas é principalmente para edifícios residenciais, enquanto o sistema de resfriamento é destinado a edifícios públicos e empresas.

Mulher se refresca em ducha na praia em Nice como uma onda de calor atinge grande parte da França — Foto: Eric Gaillard/Reuters

Mulher se refresca em ducha na praia em Nice como uma onda de calor atinge grande parte da França — Foto: Eric Gaillard/Reuters

Mais ar-condicionado, mais emissões

Até recentemente, os eventos de calor extremo na França eram raros, embora desde 2003, quando dezenas de milhares de pessoas morreram, as pessoas estão cada vez mais conscientes de seus impactos, e do fato de que eles estão se tornando mais frequentes e intensos.

Os cidadãos se apressam para adquirir aparelhos de resfriamento do ambiente durante as ondas de calor, e a demanda tem aumentado. Em 2020, cerca de 800.000 unidades foram vendidas, em comparação com 350.000 por ano, até 2014-2015.

Junto com um aumento no uso do ar-condicionado, há um aumento nas emissões de gases de efeito estufa.

Em 2020, o ar-condicionado representou 5% das emissões produzidas pela habitação, o setor que mais consome energia na França, 44% do consumo nacional de energia, à frente do transporte (31%).

Os condicionadores de ar produzem emissões através do uso de eletricidade, com unidades embutidas mais eficientes do que muitas das portáteis utilizadas nos apartamentos urbanos.

Os hidrofluorcarbonos utilizados em seus sistemas de refrigeração também produzem emissões, que têm um impacto ainda maior do que o CO2, quando liberado na atmosfera.

Os sistemas de ar-condicionado da França liberaram, em 2020, o equivalente a 4,6 milhões de toneladas de CO2, de acordo com a Ademe.

Limitando o resfriamento

Embora a agência reconheça que é improvável que os lares reduzam o uso de ar-condicionado, como as temperaturas continuam a subir, ela incentiva as pessoas a comprarem máquinas mais eficientes e a usá-las menos durante o dia.

Limitar o resfriamento a 27°C, comparado a 22°C, reduziria o uso de energia em metade de um dispositivo, e só ligar o ar-condicionado quando a temperatura externa atingir 30°C, em vez de 27°C, reduziria o uso de energia em dois terços.

O código de energia atual da França, introduzido em 2007, recomenda não resfriar abaixo de 26°C para economizar energia, mas não há pré-requisitos, e as residências regularmente baixam o termostato para 22°C.

A Comissão Europeia gostaria que fosse criado um regulamento único para o tema. Como parte de uma proposta para reduzir a demanda de gás russo pelos Estados-Membros, espera-se que a Comissão proponha limitar a refrigeração de edifícios públicos a 25°C, e o aquecimento a 19°C.