Pneus evoluem para gastar menos energia e perdem até o ar

A evolução dos carros tem feito as fabricantes investirem em soluções que aumentem a segurança e reduzam o consumo de combustível.


O ar só entrou na história em 1888, quando John Boyd Dunlop (1850-1921) instalou uma câmara para enchimento e revolucionou a estrutura do componente. Mas a roda gira, e tudo pode mudar novamente.


A evolução dos carros tem feito as fabricantes investirem em soluções que aumentem a segurança e reduzam o consumo de combustível.


Enquanto um automóvel elétrico pode ganhar preciosos quilômetros de autonomia com o uso de novos compostos nos pneus, evitar a perda repentina de pressão é fundamental para que um veículo autônomo não se envolva em acidentes. O ar pode, portanto, sair de cena. Ou não.
Para a Michelin, o futuro combina pneu e roda em um só conjunto. O Uptis (sigla em inglês para sistema exclusivo de pneus à prova de furos) é anunciado como revolucionário, já que elimina a necessidade de ser enchido para pleno funcionamento.


Embora tenha sido apresentada pela primeira vez em 2005 (com o nome Tweel) e aplicada comercialmente em maquinário pesado, a tecnologia só agora está pronta para chegar aos carros de passeio, o que deve ocorrer em 2024.


Éric Vinesse, vice-presidente-executivo de pesquisa e desenvolvimento na Michelin, explica que o desenvolvimento do Uptis é feito em colaboração com a General Motors. “Essa parceria fortalece ainda mais nosso propósito de inovar, relacionado ao conceito Vision”, afirma o executivo.


Sim, é estranho. Visto de perfil, o pneu sem ar da Michelin tem pequenos raios que se deformam com o carro em movimento, e parece que o flanco –ou parede lateral– se desprendeu.


Por formar um conjunto único com a roda, o Uptis dependerá de parcerias com mais montadoras para se tornar viável. É possível supor que o custo de reposição será alto, mas a Michelin ainda não dá detalhes sobre isso.


Outras marcas testaram a solução proposta pela fabricante francesa, mas avançaram por outros caminhos. A italiana Pirelli, por exemplo, optou pelo pneu que pode tapar um furo automaticamente.


Os primeiros modelos Seal Inside são voltados para utilitários esportivos de apelo urbano. Na medida 215/55 R17 (usada, por exemplo, no Honda HR-V), o preço é de aproximadamente R$ 850 por unidade no mercado de reposição. É basicamente a metade do valor cobrado por um “run flat” de dimensões similares.


A Pirelli realiza ainda testes com a tecnologia 5G. Por meio de sensores, os pneus monitoram a trajetória e enviam dados em tempo real.


“Daqui a pouco teremos os carros autônomos, e a partir daí o pneu tem que enxergar um pouco pelo motorista”, diz Falkenstein. “Ao passar em uma poça, o carro vai alertar os demais usuários e ajudar a controlar o tráfego. Funciona também em uma estrada congelada na Europa ou diante dos buracos no Brasil.”


Todas essas inovações precisam ser acompanhadas de redução no consumo de combustível ou de eletricidade. Daí vêm os pneus verdes, que aumentam a autonomia por serem menos resistentes à rolagem. Mas isso não significa que tenham menor aderência.


“Os pneus deixam de perder energias internas, mas sem interferir muito no contato com o solo. Se compararmos um produto de hoje com o de dez anos atrás, a redução de consumo chega a algo entre 6% e 8%”, diz Falkenstein.


A necessidade de redução de peso fez a BMW não usar um conjunto “run flat” no utilitário elétrico iX, diferentemente do que ocorre nos modelos equipados com motor a combustão.


Além de poupar energia, é preciso reduzir o nível de ruídos. “Antes tinha-se tanto barulho no carro que o pneu era só mais um, mas agora, com o silêncio dos veículos elétricos, tornou-se um ponto crítico”, diz Roberto Falkenstein, da Pirelli.
Apesar de tantas novidades, a tecnologia que envolve a produção de pneus não avança tão rápido como ocorre com outros equipamentos que vão nos carros. Essa é a opinião de Rubens Carvalho, distribuidor da Dunlop e parceiro da VC One, empresa focada em soluções de mobilidade.


“Temos materiais com mais resistência, mas, na essência, o pneu não mudou desde que foi inventado. Acredito que ainda terá longevidade nesse padrão atual, até que surja, de fato, uma tecnologia que possa surpreender e inovar”, afirma Carvalho. “Mas não vai deixar de ser redondo ou de ter um material macio, seja borracha ou um composto sintético.”


O uso de garrafas PET recicladas está entre as alternativas para uma composição menos agressiva ao meio ambiente. A Continental apresentou essa solução em abril.


Segundo a marca, o material substitui o poliéster na composição da carcaça. Um conjunto de pneus de um carro de passeio utilizaria cerca de 40 garrafas reaproveitadas. Até 2050, a empresa pretende empregar apenas compostos sustentáveis na confecção de seus produtos.


Com a agenda ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) norteando investimentos, as empresas estão mais preocupadas com o impacto dos pneus no ambiente.


No Brasil, a Anip (Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos) estima que mais de 100 milhões de carcaças inservíveis tiveram destinação correta por meio da Reciclanip, que faz o gerenciamento da logística reversa.


Mas a pretensão das empresas é produzir itens que durem mais e permitam ciclos mais extensos de vida. A Michelin afirma que a tecnologia Uptis evitará que 200 milhões de pneus sejam descartados por ano mundo afora, enquanto a Pirelli diz que a tecnologia Seal Inside reduz a necessidade de descarte por furos. Há um espaço em aberto para a evolução, e só mesmo o formato dos pneus é que não deve mudar.